A divulgação dos telegramas diplomáticos dos EUA obtidos pela organização WikiLeaks representou a reafirmação do jornalismo, disseram ontem os editores de cinco publicações com acesso aos documentos. Segundo eles, o despejo bruto na internet dos despachos não teria a mesma repercussão obtida pelo trabalho de seleção e contextualização feito pelos jornais.
‘O êxito deveu-se à edição. Agregamos nossa experiência e isso deu credibilidade ao material’, disse Sylvie Kauffmann, editora do Le Monde, em debate promovido por El País no museu Rainha Sofia, em Madri, e transmitido pela internet. Também participaram Javier Moreno, diretor do diário espanhol, Bill Keller, do New York Times, Alan Rusbridger, do Guardian, e Georg Mascolo, da revista alemã Spiegel.
A Folha teve acesso antecipado aos telegramas enviados das missões americanas no Brasil e começou a publicá-los em novembro. Os vazamentos são matéria-prima tradicional do jornalismo. Mas os editores destacaram a quantidade de material e a importância da iniciativa de Julian Assange, fundador do WikiLeaks, para driblar legislações nacionais que barram acesso a documentos e restringem a liberdade de expressão. ‘Chegamos ao máximo denominador comum da liberdade de imprensa’, disse Rusbridger. Para Kauffmann, a iniciativa foi etapa importante na luta pela transparência. ‘É preciso dar crédito a Assange por ter tido essa visão e confiado em nós.’
Um samizdat com esteroides
Houve ceticismo, no entanto, sobre mudança na ação diplomática americana. ‘O secretário da Defesa [Robert] Gates disse que os países não fazem negócios com os EUA porque gostam, mas porque precisam’, disse Keller. Ele afirmou que o Times pensa em abrir um site protegido para o depósito de segredos e previu que Washington não terá argumentos legais para acusar Assange. ‘Viram que era difícil processá-lo e não nos processar.’
Mascolo lembrou que o caso do vazamento não acabou – foram publicados 4.889 dos 250 mil telegramas – e que as revoltas no Oriente Médio chamam a atenção para despachos da região. Rusbridger revelou pressões dos EUA para evitar a publicação do material sobre bombardeios americanos a supostas bases terroristas no Iêmen, cuja autoria foi assumida pelo ditador local.
Os editores discutiram a função das mídias sociais nas revoltas árabes. ‘O Facebook é um samizdat com esteroides. Mas a tecnologia não pode tomar o lugar dos heróis de verdade’, disse Keller, referindo-se às publicações mimeografadas dos dissidentes soviéticos.
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Jornalista