O livro acompanha a evolução da humanidade desde o alvorecer da história. Há quatro séculos inspirou a produção industrial em série, antecipando-se à indústria moderna. No limiar do século 21, novamente o livro se adianta à história da indústria do futuro para universalizar o acesso à informação e ao conhecimento nele encerrados.
Milhões de brasileiros estão excluídos do direito legítimo à informação, sem a qual não se dá o conhecimento e não se educa um povo para ser livre e empreendedor. Também não há sociedade democrática sem o livre acesso à informação, que não deve ser prerrogativa da minoria. Da mesma forma, não deve ter a minoria o poder decisório sobre o que milhões irão ler, ouvir, assistir e consumir.
Como pode o livro custar mais caro para o leitor brasileiro do que custa para o leitor norte-americano? Como explicar o preço tão alto no Brasil com todos os incentivos fiscais concedidos pelo governo? Como explicar a falta de acesso ao livro na Idade da Multimídia? Como não oferecer o formato acessível por supostos problemas com direito autoral? Os profissionais da informática já deram soluções para derrubar esse preconceito. Da parte dos autores, tudo o que desejamos é ver as nossas obras nas mãos dos leitores, seja em que formato for. Pirataria? Não há softwares mais violados no mundo do que os produzidos pela empresa de Bill Gates. Isso não impediu que ele fosse o homem mais rico do planeta.
A multimídia tem potencial para ser a mais poderosa das formas de comunicação de idéias que qualquer outro meio inventado porque é a junção de todos eles e ainda adiciona a interatividade com o usuário (no caso do livro, o leitor). Ainda é um recurso de alto custo, desafio que pode ser derrubado. Afinal, não foi olhando para os custos que o ser humano desafiou e venceu a gravidade na conquista do espaço.
A questão do livre acesso ao conhecimento, à informação e à educação por meio desta tradicional mídia, o livro, não se concentra apenas no aspecto relacionado ao preço. A população reclama igualdade de oportunidade no acesso ao livro. Encontrar o livro na livraria e não poder comprá-lo porque é caro é tão ruim como ter o dinheiro para comprar e não encontrá-lo em formato acessível. Há que se encontrar um padrão que atenda às necessidades dos leitores cegos ou com baixa visão e que haja entendimento sobre a necessidade de se banir a vergonhosa dívida social da exclusão ao livre acesso à leitura.
Direito legítimo
A população reclama por mais espaços públicos de acesso ao livro, por acervos mais completos e atualizados e por um formato de livre acessibilidade à leitura. Esse clamor pela inclusão encontra ressonância entre os escritores que não encontram espaços nem iniciativas por parte dos gestores que facilitem o encontro entre autores livres e o público. As bibliotecas, seus acervos, seus recursos de multimídia (quando existem computadores e recursos de interatividade) e horários de funcionamento ainda são insuficientes para atender aos seus habituais freqüentadores e para atender a um aumento na demanda.
Faltam bibliotecas nas microrregiões, onde se concentram os pobres excluídos do consumo. O livro e os autores que assim o desejarem precisam estar onde o povo está. E o governo precisa ser o facilitador desse encontro, patrocinando os meios necessários para que ele se dê em igualdade de oportunidade para aqueles que não podem pagar pelo livro, qualquer que seja o formato que ficar acordado entre as partes.
Eram cegos muitos dos sábios e pensadores da antiguidade e são cegos muitos dos sábios e pensadores da atualidade, nas mais diversas áreas do conhecimento e das manifestações artístico-culturais. São os cegos, os cegos-surdos e as pessoas com baixa-visão a razão maior para nos anteciparmos ao futuro, pagando a enorme dívida social contraída com os brasileiros privados do direito legítimo de ler por falta de acesso em todo o território nacional. Parte deles representada na 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Brasília, 12 a 15/5/06), sob o tema ‘Acessibilidade: você também tem compromisso’.
Nova mentalidade
Muito antes da criação do alfabeto o ser humano recorria a primitivas formas de registros para se comunicar. O livro já foi produzido com os elementos mineral, vegetal e animal; fez perpetuar o ‘verbo’ em papiro, pergaminho, papel, gravura, manuscrito e iluminura. Nos mais variados modos registrou o pensamento e a evolução humana. De geração para geração, desde os rolos de papiro do antigo Egito e das telas de seda da China, o livro eternizou civilizações nas mais diversas formas para atender à necessidade de comunicação e expressão. E sempre houve quem cuidasse de sua perpetuação como o mais importante ativo da riqueza acumulada pela humanidade nas suas lutas através dos tempos. São os anônimos bibliotecários, desde os tempos de Alexandria, que zelam pelo conteúdo encerrado nos livros.
Em tempo algum a vida foi fácil para o leitor de livros e jamais deverá ser porque em cada fase da nossa evolução aparecerão desafios. Assim será numa perspectiva evolucionista. Ao leitor do futuro todas essas discussões serão superadas, da mesma forma como nossos antepassados superaram a censura ao livro feita pela Coroa Portuguesa, no início da colonização. De igual maneira como a nossa geração enfrenta com disposição tantas formas de censura e arbítrio que se interpõem no caminho do entendimento e da conquista de uma nova consciência que nos permita cumprir a principal missão na Terra que nos foi dada habitar: a união pacífica entre todos povos e o seu progresso material e espiritual.
Nesse sentido, o livro, mais uma vez, e os seus leitores excluídos são os protagonistas de uma nova mentalidade que culminará na indústria com o desenvolvimento de uma série de produtos de leitura acessível. O futuro começa aqui. Soyuz, que em russo quer dizer ‘união’.
******
Jornalista e escritora, servidora de carreira em Osasco (SP), autora de trabalho pioneiro em acessibilidade à informação com a Coleção Toby – Livros Infantis Inclusivos, que editou e publicou em tinta, braile, MP3 e na web pela Rede Saci-USP