Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livro sobre o mensalão disponível na internet

O jornalista e escritor Ivo Patarra, 47 anos, inova ao lançar o seu quarto livro em formato livre e acessível na internet. Repórter com trabalhos destacados no gênero investigativo e autor de outros três livros, nesse e-livro – por ele denominado livro-blog – é apresentada a história dos 13 meses do maior escândalo de corrupção ocorrido no Brasil. Os acontecimentos aparecem em ordem cronológica, mês a mês, dia a dia, reunindo 850 eventos pesquisados em 700 laudas, que estão em domínio público desde a quarta-feira (7/9), quando O Chefe passou a ser lido ou baixado em PDF no neste endereço


O Chefe está online, em copyleft, desde 7 de setembro. O livro é um trabalho de reportagem, edição, compilação e organização dos fatos ocorridos durante mais de treze meses, período de intenso bombardeio de informações que levou a opinião pública à exaustão. Por isso, O Chefe é válido como documento histórico.


O foco do mensalão está na cúpula do governo federal, no presidente da República, no partido dele e nos três partidos e meio que compõem a base aliada. O “meio” é o PMDB e os demais são o PTB (Roberto Jefferson), o PP (Maluf e Janene) e o PL (Valdemar da Costa Neto). “É inadmissível imaginar que esses políticos apoiassem o partido do presidente Lula, sem os tais acordos”, afirma Ivo Patarra.


O formato é inovador e torna a questão da acessibilidade um grande mérito para o autor. Na prática, o escândalo do mensalão terminou em 20 de junho de 2006 e um mês depois o jornalista diz ter concluído o livro. “Estava muito em cima, as editoras não aceitaram, eu não tinha mais tempo, então achei importante e patriótico que o livro circulasse antes da eleição. Daí veio a opção natural de disponibilizar o livro da forma mais democrática possível, na internet. Um amigo da área de informática formatou o livro num blog”, explica o autor.


Nos dois dias anteriores a essa entrevista, 330 pessoas acessaram o endereço para download do livro e fizeram comentários elogiosos sobre a forma democrática como o autor ofereceu sua obra para leitura livre na rede mundial de computadores.


O copyleft “é o sistema mais democrático possível”, afirma Patarra. Quem quiser reproduzir o livro poderá fazê-lo desde que citada a fonte e sem interesse comercial. A não observação desta restrição quanto ao uso comercial da obra é passível de sanções legais explicadas no termo de licença de uso, no próprio blog.


O objetivo do autor é que o seu livro circule o mais democraticamente possível. “Um livro de 700 laudas, que talvez tivesse 450 ou 500 páginas, chegaria às livrarias por 60,00 reais ou mais, excluindo assim as classes C, D e E. Hoje, com a informática difundida no país afora, é possível o acesso, desde que a informação chegue ao público.”


O direito autoral não oferece o retorno suficiente para a maioria dos autores brasileiros. Então, a leitura livre na web, segundo Patarra, “não resulta em perdas significativas porque na hora de optar por esse formato o autor escolhe disponibilizar o acesso que traz também o retorno de imagem”. Se fazer livro não dá dinheiro, oferece muita satisfação e o autor admite que “gostaria sim que o meu livro saísse na versão impressa, por uma editora”. Ele faz apenas uma ressalva: “Espero que o editor não crie problemas para o fato de o livro estar na internet, onde pretendo que também fique”.




“O que podemos afirmar, com tranqüila segurança, é que fora da democracia e da Constituição qualquer solução será frágil e transitória. Nosso país, que sofreu tantas vezes sob regimes autoritários de variada inspiração ideológica, tem aprendido, aos poucos, a lição da democracia. No regime democrático, a solução dos problemas será lenta e difícil, mas virá. As soluções fáceis, na maioria das vezes, são os atalhos do autoritarismo e do salvacionismo.” (Do relatório final da CPI dos Correios, em 29/3/2006)



O autor concedeu a seguinte entrevista ao Observatório da Imprensa.




***


O Chefe é …


Ivo Patarra – A história dos 403 dias do escândalo do mensalão, o maior esquema de corrupção de todos os tempos no Brasil.


Um livro baseado em investigações?


I.P. – Meu livro não é investigatório. Ele contém as investigações feitas. Eu compilei e organizei os documentos investigatórios e o equilíbrio que eu dei foi em cima da reiteração e confirmação das denúncias. Tirei todo o ruído, a contra-informação do governo, que procurava minimizar e comparar o escândalo do mensalão com o que aconteceu com a mal-sucedida candidatura de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais. São fatos incomparáveis. Uma é candidatura mal-sucedida ao governo. A outra [o mensalão] é o governo federal constituído usando o esquema do Marcos Valério para distribuir, comprar e subornar parlamentares no Congresso.


O que motivou esse seu quarto livro?


I.P. – O fato de Lula ter sido jogado no lixo da história. O PT sempre foi o partido que defendeu a ética na política e o Lula passou a comprar parlamentares no Congresso Nacional para obter governabilidade na administração federal. Escândalo inadmissível.


Em que momento decidiu escrever o livro?


I.P. – À medida que os fatos se sucediam decidi que faria um livro. O escândalo começou em 14 de maio de 2005, quando o alto funcionário dos Correios [Maurício Marinho] recebeu a propina.




“A revista Veja chega às bancas de jornal. Traz a reportagem ‘O homem-chave do PTB’. Transcreve trechos de uma fita de 114 minutos de duração, filmada e gravada por dois homens. O interlocutor deles, Maurício Marinho, chefe do departamento de contratação e administração de materiais da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), não sabe que uma câmara oculta registrava todas as suas palavras.”


Quando foi o momento exato?


I.P. – Depois da entrevista-bomba de Roberto Jefferson à jornalista Renata Lo Prete[Folha de S. Paulo, 6/6/05] que foi um marco histórico porque nela Jefferson denuncia a existência do mensalão [pagamento pela compra de votos dos parlamentares]. Neste dia eu decidi documentar tudo em livro.




“‘PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson´, é a manchete de primeira página. A entrevista, concedida à jornalista Renata Lo Prete, põe Brasília em polvorosa. O presidente do PTB acusa o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, homem da cúpula do partido e da confiança do presidente Lula. Acusa-o de dar dinheiro a representantes do PP e do PL, em troca de apoio ao governo no Congresso.”


Depois dessa entrevista você passou a pesquisar, documentar e arquivar o dia-a-dia do escândalo do mensalão? Foram quantos os eventos pesquisados?


I.P. – De 14 de maio [2005] a 20 de junho [2006] foram pesquisados 850 eventos [média de 2,11 por dia] em documentos, relatórios, inquéritos e auditorias realizados pela Procuradoria Geral da República, pelas CPIs, pelo Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União, Polícia Civil, enfim, todos os órgãos que apuraram e investigaram e, principalmente, nas investigações da imprensa: o carro-chefe da investigação foram setores da imprensa. As CPIs andaram sempre a reboque desses setores da imprensa, até pelo envolvimento de parte do Congresso Nacional com o escândalo.


Você trabalhou sozinho? 


I.P. – Sozinho. Não é nada do outro mundo trabalhar só. O livro tem 850 eventos, ou matérias se você preferir chamar assim, contando tudo sobre o escândalo do mensalão, em linguagem jornalística. Contém as entrevistas, depoimentos das testemunhas, auditorias e relatórios nos 403 dias do escândalo, desde a divulgação da Veja até a votação do último relatório da CPI dos Bingos.




“A CPI dos Bingos conclui os trabalhos. O relatório do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) é aprovado por 12 votos a dois. Os votos contra são dos senadores Tião Viana (PT-AC) e Ana Júlia Carepa (PT-PA). O documento tem 1.400 páginas. Pede o indiciamento de 79 pessoas e quatro empresas. Entre os denunciados, Antonio Palocci, Paulo Okamotto, Jorge Mattoso, Waldomiro Diniz, Sérgio Gomes da Silva, Rogério Buratti, Vladimir Poleto, Ademirson Ariosvaldo da Silva, Donizete Rosa, Carlinhos Cachoeira, Klinger Luiz de Oliveira e Ronan Maria Pinto. O ex-ministro José Dirceu (PT-SP) e Gilberto Carvalho são poupados.”


Por que você utilizou como fonte somente a mídia impressa?


I.P. – Entrou um pouco de TV e rádio, mas as investigações foram conduzidas basicamente pelas três revistas, por ordem de importância: Veja, Época e IstoÉ, e os jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Foram esses os sete veículos de comunicação que conduziram todo o processo de apuração. O Congresso sempre a reboque da imprensa e, por incrível que pareça, também a Procuradoria Geral da República ficou a reboque.


Cite um exemplo?


I.P. – Se você pegar o relatório do procurador-geral da República, verá que ele em nada avança em relação ao relatório da CPI dos Correios, cujo presidente era um senador do PT [Delcídio Amaral] e o relator era um deputado do PMDB [Osmar Serraglio] que também tinha ligações com o governo. Isso é uma coisa que ainda terá que ser debatida. Por que a Procuradoria Geral da República não foi além do que chegou a CPI dos Correios?


Avançou pouco…


I.P. – Menos que o caso sanguessugas, que foi o desvio de dinheiro público mediante a fraude na compra de ambulâncias. Um caso menos abrangente e importante do que foi o escândalo do mensalão, que tem mais parlamentares denunciados. A publicidade envolvia prefeituras, o Ministério da Saúde, o Congresso Nacional e os supostos empresários que agiam em conluio. Agora, no escândalo do mensalão há envolvimento de ministérios, estatais, cinco partidos políticos, remessas de dinheiro para o exterior; envolve bancos, a cúpula inteira do partido político do presidente da República, boa parte da cúpula do governo dele e, no final, houve número menor de parlamentares envolvidos porque tudo foi abafado ao máximo pela CPI dos Correios, do mensalão e dos bingos.


Senti falta, no livro, da entrevista feita pelo Jô Soares, em seu programa da Rede Globo, com o legista do caso Celso Daniel e os irmãos da vítima. Uma longa e bem detalhada entrevista, uma das melhores do apresentador, que em muito contribuiu para esclarecer aspectos ligados à CPI dos bingos e do mensalão.


I.P. – Não conheço alguém que tenha abordado o caso ocorrido em Santo André como eu abordei no meu livro. Mas foi falha minha eu não ter documentado a entrevista do Jô.


Você apresentou o livro às editoras antes de lançá-lo em e-livro?


I.P. – Sim. Para duas editoras.


Quais?


I.P. – Prefiro não mencionar.


Não aceitaram o desafio de lançar o seu livro?


I.P. – Uma delas me disse que adoraria publicar mas tinha medo de retaliação. A outra só elogiou o conteúdo mas declinou; acho que pelo mesmo motivo. Vamos ver se mais para frente alguém se interessará.


Mais para frente o assunto perderá o atrativo?


I.P. – Não. Ficará valendo enquanto documento porque O Chefe é um diário desses 403 dias do escândalo do mensalão.




“Este livro é um empenho pela memória. Tantos os caminhos da corrupção, dos personagens corruptores e corrompidos, que ao longo dos 403 dias de crise esquecemos, nos cansamos, ficamos anestesiados, descrentes. Temos de lembrar. Lembrar para não repetir… Lula não queria a verdade. Não a quer. O chefe de tudo foi, desde o início, como se verá no dia-a-dia dos acontecimentos, o próprio presidente Lula”.


Como foram esses mais de treze meses para você? Quantas horas por dia dedicou ao livro?


I.P. – Trabalhei em média quatro ou cinco horas por dia. Fora do meu horário de trabalho [na Prefeitura de São Paulo], obviamente. Foi estarrecedora a sucessão de fatos e a reiteração de escândalos e esquemas de corrupção. A cada dois, três dias você tinha um fato novo que, de certa forma, endossava tudo o que fora levantado até então.


Que fatos e personagens você destacaria nesses 403 dias?


I.P. – Os fatos que entendo como os mais graves, porque eles justificariam a abertura de processo por crime de responsabilidade do presidente, são os depoimentos espontâneos de Duda Mendonça, na CPI dos Correios, em que ele admite ter recebido 10,5 milhões de reais provenientes de dinheiro de caixa 2 desviados ao exterior, e a entrevista de Valdemar da Costa Neto à revista Época. Ele [Valdemar] já tinha sido o primeiro deputado a decidir pela possível renúncia porque achava que seria cassado [o que não se confirmou]. Na entrevista falou como foi o acerto no apartamento de Brasília do deputado Paulo Rocha (PT-PA). Estavam no apartamento Lula, José de Alencar e, em outro aposento, Valdemar da Costa Neto, José Dirceu e Delúbio Soares. Na reunião eles decidiram como seria o acerto que ficou negociado em 10 milhões de reais a favor do PL pelo acordo que definiu José de Alencar para vice de Lula. Quando Costa Neto conta isso, estava claro que tinha que se optar por um processo de crime de responsabilidade do presidente Lula, mas isso jamais foi feito. Um problema e um erro dos partidos políticos, mas essa leniência foi da sociedade brasileira como um todo. Não se mobilizou, esteve apática e o resultado é esse. Lula está praticamente eleito no primeiro turno para mais quatro anos na presidência da República.


Lula e o PT já foram temas de livros seus anteriores a esse. [Lula, Presidente do Brasil e O governo de Luiza Erundina]. O duplo trabalho de jornalista e assessor de imprensa foi abordado aqui, na edição de 5 de setembro, em artigo de Eugênio Bucci (“Profissões diferentes requerem códigos de ética diferentes”) defendendo a necessidade de se haver códigos de ética distintos para jornalistas e assessores de imprensa. Você já militou no PT e exerceu cargo de assessor de imprensa ao mesmo tempo em que trabalhou como repórter de jornal?


I.P. – Nunca fui militante do PT, nem fiz parte dos seus quadros. Fui assessor de imprensa do governo da prefeita Luiza Erundina, de 1990 a 92, convidado pelo meu desempenho profissional na grande imprensa. Em 1998 fiz uma matéria para a TV Bandeirantes mostrando uma derrama de dinheiro no gabinete de um parlamentar petista, em São Paulo. Trabalhei no Jornal da Tarde e fui cortado por contenção de despesas e não em decorrência de ligações políticas. Eu trabalhava exclusivamente como repórter do JT e vinha denunciando uma série de fatos relacionados à dupla Maluf-Pitta porque na época a cidade vinha enfrentando problemas decorrentes de má administração que foram denunciados pelo jornal onde eu trabalhava como repórter de Cidades. Sofri perseguições por causa do meu trabalho. Falaram nos jornais que eu tinha sido assessor da Erundina e, portanto, não tinha independência para trabalhar no jornal. Eles [grupo de Maluf-Pitta] estavam no papel deles e não queriam a publicação de matérias contra essa dupla de políticos.


Com base na sua experiência profissional exercida numa administração petista, o que dizer sobre o PT de ontem e o de hoje?


I.P. – A administração Luiza Erundina foi a mais autêntica do PT. Houve erros, mas de forma alguma de desvio de dinheiro público, muito menos esse quadro sistêmico de agora, a começar pelo chefe do Executivo. Erros por desconhecer as melhores soluções para os problemas da cidade houve, mas não erros de consciência, erros por desvio de dinheiro público.


Como Lula entrará para a História?


I.P. – Se ele pensa que será como o presidente do bolsa-família ou do biodiesel está enganado; ele passará para a história como o presidente do mensalão. E tenho receio de que no final dos desdobramentos do escândalo do mensalão ele seja responsabilizado e sofra o impeachment.


Qual é a contribuição que O Chefe poderá dar nesse período pré-eleitoral?


I.P. – É a de oferecer informações para se pensar e escolher melhor.


Poderá ser interpretado como peça de campanha?


I.P. – Embora não seja, um livro sobre o escândalo do mensalão, lançado agora poderá até ser visto como peça de campanha. Mas não é.


O que o chefe achará do seu livro?


I.P. – Ele vai reagir assim: “Mas que mensalão? Eu nunca ouvi falar disso”.


E os comandados do chefe?


I.P. – Vários deles têm a sua participação nesse período contada no livro.


Você sente medo?


I.P. – Se eu temo pela minha integridade física?


É.


I.P. – Não. Mas já tomei as minhas precauções.


Quais precauções?


I.P. – Não vou revelar.

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Jornalista