O mercado editorial expandiu a cartela de cores para além dos tons de cinza: 11 dos 20 livros mais vendidos no Brasil são livros de colorir para adultos, numa lista dominada por títulos como “Jardim Secreto” (750 mil cópias em seis meses) e “Mãe, Te Amo com Todas as Cores”.
Há discórdia sobre o ranking –feito na semana de 11 a 17 de maio pelo portal PublishNews (o levantamento, com 12 livrarias, é referência no meio). Vide a reação quando o editor do site, o consultor Carlo Carrenho, provocou no Facebook: “E um livro para colorir com textos de Paulo Coelho e ilustrações de Romero Britto?” –teve quem ameaçasse suicídio com “faquinha de rocambole”.
Editor-executivo da editora Record, Carlos Andreazza capitaneia uma “campanha pela maioridade intelectual”. “Minha questão é apenas conceitual: caderno de atividades não é livro. Logo, não deve estar na lista de mais vendidos.”
Na lista de mais vendidos que publica aos sábados, a Folha excluiu os livros de colorir, assim como já fizera com os de autoajuda. Outros rankings tradicionais, como o da revista “Veja”, tampouco consideram os títulos de colorir.
Pedro Herz, diretor-presidente da Livraria Cultura, critica o que chama de “moda passageira”. “Oxalá mude. Amanhã será livro de sudoku. Passatempo um pouco mais inteligente, não?”, ironiza.
Tanto Herz quanto Andreazza associam o fenômeno à educação deficiente, o que afeta o público leitor do país. O curioso é que suas respectivas casas, a Record e a Cultura, estão por cima da carne-seca com o “boom” colorido.
O grupo editorial já vendeu 260 mil obras do gênero. E a conta só aumenta, diz Rafaella Machado, editora do selo Galera (para jovens adultos). Ela lembra da infância tingida pela Disney: “Pintava os ‘101 Dálmatas’ de cores vibrantes, nunca os deixava brancos”.
A paixão por colorir espichou com ela, que lança “Ateliê Fashion”, para o qual desenhou 40 estampas “no prazo louco de uma semana”.
Rafaella encara como “tolice elitista protestar contra qualquer hype. Esses livros atingem quem lê no máximo um livro por ano”.
‘Gatoterapia’
Carrenho faz eco: “Não é o cara que parou de ler Guimarães Rosa. É o cara que joga Candy Crush e agora está mais perto da livraria”. E descartar essas obras do ranking “abre precedente perigoso”, afirma. “Se só tiver livro de padre e você é ateu, vai fazer uma lista só com os livros favoritos?”
“Não é que uma obra literária venderá menos. Mas, bem antes, nem sequer terá chance de competir”, rebate Andreazza. Crítica similar faz o cinema independente contra o domínio de blockbusters nas salas.
Desde março, a editora Alaúde imprimiu 400 mil cópias da coleção “Arteterapia” (“Gatoterapia” incluso). Descritos como “desestressantes”, foram o estimulante perfeito aos negócios. “A impressão é que o que for lançado vai vender. E bem”, diz a editora-executiva Ibraíma Tavares.
De “Colorindo o Mundo Fashion – Relaxe com Estilo”, da ex-modelo Claudia Liz, a “Suruba para Colorir”, com Laerte, a onda não arrefece.
Vira até piada –de “Pintinho”, tira da jornalista da Folha Alexandra Moraes. “Pinte o Pintinho – Livro de Colorir e Atividades de Estresse”, previsto para junho, sugere dar um “banho de loja” na dona Pinta e “colorir os sacos de dinheiro que ela pegou emprestado com juros de 30% para pagar essas extravagâncias”.
“A necessidade de afirmar uma ‘maioridade intelectual’ contra livros de colorir, Romero Britto e ‘BBB’ prova que provavelmente nunca chegamos a ela. Colorir não vai nos fazer tão mal…”, diz Alexandra.
O psicanalista Jorge Forbes concorda. “As pessoas não se infantilizaram. Elas estão angustiadas. Ora, colorir deixa a cabeça solta. É como ir ao concerto ou fazer tricô feito as mulheres de antigamente.”
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Anna Virginia Balloussier, da Folha de S.Paulo