Estou numa pousada do interior de Minas Gerais e me alegro ao ver que há uma pequena biblioteca à disposição dos hóspedes, vários dos quais passam horas lendo livros e revistas.
Sou um deles e pego uma enciclopédia de literatura, estranhando que ela esteja ali. Entre outros verbetes, vou aos escritores de sobrenome SILVA. Antônio José da Silva, Dionísio Silva, Domingos Carvalho da Silva etc. O verbete informa que ‘Dionísio Silva há muitos anos reside em Ijuí (RS)’ e que ‘acabou se formando em letras pela Univ. fed. Porto Alegre’.
Deixei de morar em Ijuí (RS) em 1981! Não me formei em Letras pela inexistente ‘universidade federal Porto Alegre’.
Quase acertaram. O verbete está atualizado em outras coisas, trazendo até o livro de etimologia De onde vêm as palavras, publicado em 1998, e meu romance mais recente, Os Guerreiros do Campo (2000), enfileirados ao lado de todos os que venho publicando desde 1975.
Mas meu nome está errado. Sou Deonísio da Silva, e não ‘Dionísio Silva’. Se meu nome, que aparece todas as semanas há tantos anos na mídia, está escrito errado, os outros estarão certos?
‘Apóstrofos eram doze’
Não. Na mesma obra, Lygia Fagundes Telles aparece como ‘Ligia Fagundes Teles’. Mas como a obra é uma co-edição da Global Editora com a Fundação Biblioteca Nacional e a Academia Brasileira de Letras, o nome de Lygia aparece escrito corretamente no expediente, pois em 2001 a escritora era a 1ª secretária da ABL.
Moacyr Scliar virou ‘Moacir’. Sigo na letra ‘S’. Procuro Edla van Steen, a mais importante escritora catarinense, autora de diversos livros de contos e de romances, alguns dos quais publicados em várias línguas, sem contar diversas antologias publicadas pela mesma editora da Enciclopédia de Literatura Brasileira. Nada. Mas como, se chegaram a Sábato Magaldi, seu marido, de quem fizeram um verbete que vai até 1995?
Do nome do poeta Affonso Romano de Sant’Anna, talvez por acharem excessivas, extirparam as duas consoantes dobradas de seu nome e sobrenome, mandando o apóstrofo para as cucuias. Depois, quando os alunos respondem nos exames que os ‘apóstrofos eram doze e foram fotografados naquele jantarzinho pelo Michelângelo’, não podemos nos irritar tanto.
De Alberto Dines, editor deste Observatório, 4,5 linhas. Foram até 1978. Dele não aparece Morte no Paraíso, a biografia de Stefan Zweig.
Deslizes e omissões
Solto a enciclopédia e pego a revista EntreLivros (Ano 3, Nº 32) que deu capa a Mário Quintana.
Ironicamente, sem seguir a advertência de Umberto Eco, em O cuidado com os nomes (p. 82) as palavras ‘cruzadas literárias’ (p. 80) dão Porto Alegre como a cidade natal do poeta, depois de a revista informar reiteradamente, nas páginas 4, 26, 27, 28, 31, 32 e 33 que o poeta nasceu em Alegrete (RS). Mas, para a maioria dos que pegaram a revista, garanto que o que ficou foi a informação das palavras cruzadas: Porto Alegre.
No artigo, Umberto Eco lamenta ‘o péssimo hábito de jornais e programas radiofônicos e televisivos nunca saberem como se portar diante de muitos nomes ingleses, acompanhando, por inércia, um mau hábito que já virou regra’.
E lembra que jamais alguém vai encontrar o filósofo Stuart Mill em algumas enciclopédias, pois Stuart é o nome do meio de John Stuart Mill. Lembra também que, se sabemos que o ‘F.’ de John F. Kennedy é Fitzgerald, não sabemos o que indica o ‘S.’ de Harry S.Truman, evidenciando um costume anglo-saxônico de registrar os filhos com uma letra apenas, no nome do meio, sem explicitar a que nome se refere.
De resto, a Enciclopédia de Literatura Brasileira e a revista EntreLivros, tão importantes e tão bem distribuídas – eu as encontrei num distrito do município de Camanducaia (MG) – me forneceram horas de boas consultas e leitura agradável, mas me irritaram com deslizes e omissões tão fáceis de serem evitados.
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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de pesquisa e pós-graduação e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são Os Segredos do Baú (Peirópolis) é A Língua Nossa de Cada Dia (Novo Século); www.deonisio.com.br