Contos de São Paulo, de Filippo Garozzo (Mirian Paglia Editora de Cultura, 369 páginas) evitaria o constrangido e constrangedor silêncio com que foi recebido o prêmio Jabuti para Chico Buarque.
Menos mal que havia um escritor de verdade na dupla de prosadores que a Câmara Brasileira do Livro resolveu destacar. Refiro-me a Sérgio Sant’Anna. Qualquer lista de escritores brasileiros que o deixe de fora deve ser creditada a ignorância, a eventual cochilo, a distração ou a perfídia de organizadores.
Mas Sérgio Sant’Anna é freqüentemente ignorado, ao lado de escritores como Manoel Carlos Karam e Domingos Pellegrini (Paraná), Salim Miguel, Olsen Jr e Sérgio da Costa Ramos, (Santa Catarina), Miguel Jorge e Antonio José de Moura (Goiás), Raimundo Carrero (Pernambuco), Luiz Antonio de Assis Brasil, Charles Kiefer e Juremir Machado da Silva (Rio Grande do Sul), que estão entre os melhores prosadores brasileiros da atualidade.
Aliás, Juremir acaba de lançar Getúlio (Editora Record, 430 páginas), romance de leitura imperdível. O leitor só tem que abrir e ler a primeira página. O resto é com o romancista, que o levará pelas outras 429. Pode seguir o autor sem medo de uma boa prosa, de uma ficção do mais alto nível, baseada nos trágicos eventos de agosto de 1954. Sem jamais se deixar subjugar pela História ou pelo jornalismo, que pratica há tantos anos, o professor da PUC de Porto Alegre constrói suas tramas com o furor próprio dos criadores inventivos, picados pela mosca que gregos e latinos denominaram estro e que no português passou a indicativo de talento.
Já escolhi três autores dos que mais prazer de leitura me deram este ano: Alberto Dines, Filippo Garozzo e Juremir Machado da Silva. Fico com os sentimentos desarrumados para falar de Alberto Dines, de quem sou admirador há muitos anos; somente vim a conhecê-lo recentemente. A terceira edição, consideravelmente ampliada, de Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (Rocco, 593 páginas) é daqueles livros que, além de ler, acariciamos, relemos pequenos trechos, consultamos, indicamos, recomendamos.
Não apenas o biografado é reposto no livro de Dines, mas também o tempo do autor, o país em que vivia, o mundo que lhe servia de referência. O resultado é um mundo novo, que só um bom autor pode criar e revelar. Aliás, na p. 342 do livro de Dines, há um fragmento que poderia servir de pórtico a quem escreve: ‘Todo autor precisa de algum tipo de editor, mas neste caso falharam os dois’. Dines refere-se ao livro de Stefan Zweig sobre Américo Vespúcio.
Fora de lugar
Do outro autor citado neste texto, Filippo Garozzo, conclamo: guardemos bem este nome. Não o conheço, nunca o vi, não sei quem é. Sei que é um jovem autor de 70 anos, estreante. Recomenda às netas que amem São Paulo, não com a ‘cordialidade de pavio curto’ de que fala Dines numa passagem, mas de ‘sentimento de que são feitas as relações duradouras’, como diz Mirian Paglia Costa na apresentação do talento cujo mérito da descoberta é seu. Aliás, poucos editores têm descoberto autores. Mirian acaba de cumprir missão inarredável: descobriu um dos melhores contistas brasileiros, disparadamente o melhor do ano.
O conto O Funcionário (pp. 291-314) é uma história exemplar. Muito bem narrada.. O sr. Artur Mascarenhas Penteado é ubíquo. Infesta todas as nossas instituições. Não vou tirar o prazer da leitura de ninguém. Só adianto que ele ingressa numa empresa, finge o que não é, ‘trabalha’ anos na companhia de gente graúda e miúda que nada vê de estranho em seu insólito comportamento. Ah, se não fosse o pequeno incidente que mudou toda a história!
Mas estão asfixiando o autor brasileiro. Em quase todos os lugares. Nas livrarias, bibliotecas, escolas, governos, a norma é o ocultamento.
E a mídia, que transforma tudo em espetáculo, não está sabendo discernir que o tempo, o espaço e os prazos de autores e livros são outros. O Jabuti deste ano incorreu em mais um erro dos muitos que tem repetido há alguns anos.
Esperemos agora que um escritor de ofício arrebate algum prêmio de música! Não é possível que Chico Buarque seja o romancista do ano. Seria o equivalente a reconhecer que um romancista gravou um cedê, com letras e músicas de sua autoria, e que arrasou, arrebatando um dos principais prêmios – de música – do ano!
Definitivamente, as coisas estão fora de lugar, sem ordenamento nenhum e, como dizia Machado de Assis, a confusão é geral.