O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (23/08) pela TV Brasil relembrou os 70 anos da publicação do livro Brasil, um país do futuro, do escritor austríaco de ascendência judaica Stefan Zweig. Em novembro de 1940, no auge da fama, Zweig desembarcava no Brasil em busca de um refúgio que o livrasse das atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Vinha desencantado e encontrou a receptividade do povo brasileiro. Apaixonado pelo país, imaginou que o Brasil poderia ser o berço de uma nova civilização, humana e pacífica. Sucesso de público, o livro foi duramente criticado pela imprensa da então capital federal e pelos intelectuais.
Para os jornalistas, submetidos a um rigoroso sistema de censura imposto pela ditadura Vargas, a obra fora financiada pelo governo. Rico, Zweig não precisava do dinheiro do governo, e sim de um visto de residência permanente para fugir das perseguições nazistas. As críticas e acusações foram a gota de amargura no processo de depressão que o escritor vivia. Angustiado com os rumos da guerra na Europa – que naquele mês parecia estar cada vez menos distante do Brasil –, Stefan Zweig e sua mulher, Lotte, cometeram suicídio meses depois.
Alberto Dines, jornalista e biógrafo de Zweig, autor de Morte no Paraíso, conduziu o programa. Este Observatório especial entrevistou Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República e sociólogo; Marco Aurélio Garcia, assessor especial da presidência da República; Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e senador; João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro do Planejamento; Clara Sverner, pianista; Affonso Romano de Sant’Anna, poeta e crítico literário; Renato Lessa, cientista político e professor de Teoria Política; Sérgio Abranches, sociólogo e economista; Fábio Koifman, professor de História; Orlando de Barros, professor de História do Brasil; Alzira Abreu, pesquisadora do CPDOC da FGV; Fuad Atala, jornalista e pesquisador; Barbara Freitag, socióloga e professora emérita da UNB; Alcino Leite, editor da Publifolha; e Afrânio Garcia, antropólogo.
No editorial que abriu o programa, Dines contou que a postura dos jornais foi uma represália ao sistema de censura e auto-censura que a ditadura do Estado Novo implantara. Para os críticos, o livro fora financiado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). “Não foi a primeira nem a única vez em que a imprensa, movida pelas melhores intenções, faz o linchamento de um inocente. O que não impediu que, nas décadas seguintes, o qualificativo ‘país do futuro’ se transformasse no sobrenome do Brasil. Ora como profecia, ora como maldição, ora como projeto de potência, ora como fracasso político. Quando esteve no Brasil, o presidente Barack Obama fez dois discursos. E em ambos repetiu a metáfora do ‘país do futuro’, agora atualizada com outro qualificativo – país do presente”, sublinhou.
Refúgio
Dines contou que a primeira vinda de Zweig ao Brasil, em 1936, a caminho de Buenos Aires, foi inesquecível e selou sua ligação com o país. “O cicerone designado pelo Itamaraty, o diplomata Jimmy Chermont, da família Mello Franco, era um rapaz cultíssimo, poliglota; sentiu-se no seu mundo”, disse Dines. Naquela primeira visita, o escritor encontrou-se com o presidente Getúlio Vargas no Palácio do Catete. Foi o único encontro do autor com o presidente. Dines ponderou que, durante a primeira passagem pelo país, o escritor não pôde perceber determinadas particularidades da cena política, como a deportação de Olga Benário – judia comunista que estava grávida de um filho de Luís Carlos Prestes – para a Alemanha nazista.
Em 1940, com a Europa conflagrada pelo terror da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Stefan Zweig passa a buscar um refúgiopara se abrigar do terror nazista. Para uma pessoa ilustre como Zweig, as dificuldades para conseguir um visto de entrada eram menores do que para um cidadão comum.Fábio Koifman explicou como era a rotina dos exilados após a eclosão da guerra. “Medo, fome, filas intermináveis em todos os consulados, embaixadas, representações diplomáticas. Dificuldades de locomoção, boatos, clima pesado, e, dependendo da época do ano, frio intenso. E ao embarcarem para o Brasil, encontravam uma atmosfera completamente diferente”, descreveu.
Quando Stefan Zweig desembarcou no Rio de Janeiro, o Brasil vivia sob o Estado Novo. O regime político ditatorial implantado pelo presidente Vargas em 1937 duraria até 1945. Na prática, o poder central governava sozinho.Orlando de Barros traçou um panorama político do Brasil do início dos anos 1940. “O país não estava, neste momento, organizado do ponto de vista federativo e o poder Executivo governava soberano, sem o Congresso e com uma Justiça, em grande parte, submetida aos seus desígnios. E, durante o Estado Novo, o Brasil passava por transformações muito importantes. Porque o Brasil, até então, era um país essencialmente rural, agro-exportador, com predomínio muito grande do campo sobre as cidades”, disse Orlando.
Vinculado diretamente ao gabinete da presidência, o DIP era o poderoso instrumento de censura e promoção do governo Vargas. Orlando de Barroscomentou que a criação do órgão foi antecedida pela visita de pessoas da confiança do presidente ao sistema italiano de censura e controle da opinião pública e ao Ministério da Cultura e da Propaganda de Joseph Goebbels na Alemanha nazista. O diretor do DIP, Lourival Fontes, tinha um grande poder no governo. “Era um homem de mentalidade autoritária e que confessadamente era simpático ao sistema do Mussolini, o fascismo italiano. E Lourival Fontes era uma pessoa muito inteligente, redigia muito bem, era uma figura cerebrina, capaz de planejar e era muito respeitado.A ele foram confiadas muitas das mais espinhosas missões no sentido de divulgar Getúlio Vargas, divulgar o Brasil no estrangeiro”, relembrou Orlando.
Fracasso
Alzira Abreu destacou que a imprensa tinha que obedecer às ordens do DIP. “Se não obedecesse a essas ordens, o diretor podia ser preso, o jornal sofria intervenção. E vários jornais sofreram intervenção nesse período. E um outro detalhe que me parece que marca muito a imprensa desse período, dos anos 1940, é que a partir de 1938 foi decidido por um decreto do governo que os jornais tinham uma cota de papel. Os jornais importavam todo o papel, o papel era todo importado do exterior. E era o DIP que dava a cota para cada jornal”, ressaltou.
Ao deixar a Europa, o escritor estavaprofundamente desencantado. “Ele sai da Europa imaginando o seguinte: ‘Olha, eu estou aqui no topo da civilização’ – a Europa naquele tempo tinha mais riqueza institucional, tinha mais história, porque a Europa, em qualquer outra parte do mundo, é o centro do mundo ainda – ‘e estou vendo o fracasso’”, comentou Sérgio Abranches. Afrânio Garcia ressaltou que o escritor não poderia mais retornar ao seu paísnatal porque seus livros haviam sido queimados pelo regime nazista. “O Brasil é, na verdade, para Stefan Zweig, a última chance”, disse Garcia. “É um lugar que ainda não foi configurado pelo processo civilizador. Não havia sido ainda configurado por esse processo civilizador, mas ao mesmo tempo não havia sido ainda tocado, maculado por aquilo que estragou a sociedade que supostamente teria vivido um processo civilizador”, afirmou Renato Lessa.
Dines explicou que, naquele período, Stefan Zweig iniciava um processo de depressão. “Mas a uma coisa ele estava preso: o projeto do livro do Brasil, que ia abrir, talvez, um novo elenco de assuntos para ele e, sobretudo, ia lhe garantir a segurança do visto de residência em um continente que estava longe da guerra. Recomendou a Koogan que não trouxesse muita gente na recepção no Cais do Porto, mas queria os repórteres para garantir no dia seguinte o título, se possível na primeira página, anunciando que ele retornou para cumprir a promessa de escrever o livro sobre o Brasil”.
Leitura dupla
Um grupo de diplomatas da família Mello Franco engendrou o projeto que livraria Stefan Zweig dos horrores da guerra. Para evitar que o governo brasileiro fosse assoberbado com pedidos de entrada de refugiados, o escritor recebeu o seu visto de residência permanente no consulado de Buenos Aires. “Além do precioso carimbo com o visto de residência, foi datilografada no passaporte a expressão ‘dispensado de toda a documentação’. Este era um privilégio ainda maior porque livrava o portador das teias da burocracia. A dispensa de documentação aparecia em todas as instâncias e em algumas, para apressar os trâmites, mencionava-se a fama internacional do escritor”, disse Dines.
Com o visto em mãos, Zweig pode dedicar-se ao livro sobre o Brasil. Dines explicou que não há evidências de que ele tenha se encontrado com o diretor do DIP, Lourival Fontes, e que a única visita do autor à sede do governo ocorreu em 1936. No entanto, para Dines, é certo que o governo financiou todos os deslocamentos de Zweig no Brasil. “Mas para os jornalistas e escritores alemães simpáticos ao nazismo, o DIP gastou muito dinheiro, pagou inclusive caríssimas passagens de Zeppelin até o Brasil e depois a volta até a Alemanha. Foi o caso de Hermann Ullmann e da primeira viagem de Hoffmann-Harnisch”, detalhou. O livro de Harnisch, inclusive, foi prefaciado em português por Lourival Fontes.
Brasil, um país do futuro chegou às livrarias logo no início de agosto de 1941. Para Affonso Romano de Sant’Anna, a obra é uma leitura dupla. “Ele está lendo o Brasil refletido na Europa. É uma leitura rica, estamos reinterpretando a Europa pelos olhos de um grande intelectual que, afastado da Europa, revê a Europa através do Brasil”. Alcino Leiteconsidera o livro como um grande romance sobre o Brasil. “Os Estados Unidos tiveram a oportunidade de ter Alexis de Tocqueville para escrever sobre a democracia americana, a emergência daquela sociedade que florescia na América do Norte. E nós tivemos Stefan Zweig, que nos legou esse romance sobre o Brasil, esse diário romanesco dele sobre o país, que tem partes muito bonitas e que, sobretudo, é um livro em favor da tolerância, da compreensão entre as pessoas, um libelo pela paz, isso escrito em plena Segunda Guerra”, disse Alcino Leite.
João Paulo dos Reis Velloso destacou que o escritorpercebeu o potencial do Brasil. “Temos oportunidades, tipo o pré-sal, temos setores intensivos em recursos naturais, temos tecnologia de informação, temosbiotecnologia àbase da biodiversidade. Tudo isso está mais ou menos implícito no que Zweig observou no Brasil de 1941”.Para Dines, Zweig queria apenas dizer aos brasileiros que o seu país representava uma alternativa para aquele mundo devastado pelo rancor racial através da conciliação.Dines explicou que olivro de Zweig está alicerçado em uma observação que já chamara a sua atenção na primeira viagem: a convergência racial. “Foi nesta conciliação entre os diferentes que Zweig entreviu a possibilidade de uma civilização Brasileira”.
Cordialidade
Para Marco Aurélio Garcia, o fato de o escritor ter deixado um contexto fortemente autoritário contaminou a percepção do Brasil daquele momento. “Nós tínhamos um regime autoritário, que suprimiu as liberdades, oprimia os comunistas, reprimia os democratas, oprimia a extrema direita também, os integralistas. Mas essa repressão não tinha um caráter tão ostensivo e tão global como se dava na Europa naquele momento. E em contrapartida ele encontra o quê? A cordialidade brasileira. Ele é fascinado por essa cordialidade brasileira. E esse fascínio é tão grande que o deixa insensível a certas manifestações. Ele diz: ‘Não, não há tanto ódio racial. Essa sociedade acolhe bem os negros’, o que não era verdade”, disse Garcia.
Entre as observações de Stefan Zweig sobre o Rio de Janeiro da época, está uma detalhada descrição das favelas. “Europeu, quando vê essas favelas, o barraco pendurado no morro, tem a tendência inevitável, quase que uma compulsão, de subir o morro e conhecer de perto. Foi exatamente o que fez Stefan Zweig. E eu me admirei, porque ele era conhecido como dandi – usava aquele sapato de dandi branco com a ponta preta, todo elegante – subindo os morros. E ficou encantado como, apesar da pobreza, apesar das casas de palafita, construídas de maneira muito pouco sólida, como havia alegria e – aí eu acho que é um chavão – como a felicidade não está calcada no dinheiro”, disse Barbara Freytag.
Os intelectuais brasileiros não reagiram bem ao livro e logo acusaram Stefan Zweig de receber dinheiro do governo. “A época era a época de Getúlio, Estado Novo. Um livro que exaltava o país, naturalmente, certos setores da intelectualidade ficam já desconfiados”, avaliou Fernando Henrique Cardoso. Para Cristovam Buarque, o contato de Zweig com o governo incomodava. “Enquanto os outros estavam sofrendo, estavam presos, perseguidos, ele, de certa maneira, teve uma convivência com as autoridades. Então tem esse lado. Mas tem o lado da incompreensão pela vaidade. E eu creio que deve-se muito ao fato de que nenhum brasileiro escreveu livro igual”, ponderou. Affonso Romano de Sant’Anna comentou queos intelectuais brasileiros, em geral, são provincianos e poucos conseguem ter uma visão ampla e cosmopolita.
Renato Lessa relembrou a visão sobre o Brasil de algumas obras anteriores ao livro de Zweig. “O livro do Martins de Almeida, que foi um livro que teve impacto muito grande, chamava-se simplesmente Brasil errado – Ensaio sobre os erros do Brasil enquanto país. Na mesma época, Paulo Prado escreveu Retrato do Brasil e começava com a frase: ‘numa terra odiosa vive um povo triste’. É sobre a tristeza brasileira. Alcindo Sodré escreve A Gênese da Desordem. Então, há um conjunto de metáforas pesadas a respeito do Brasil como mixórdia, como lugar mixórdia. Eu acho que o argumento de Stefan Zweig reconfigura essa representação negativa, uma espécie de ‘fracassomania’”.
Críticas duras
Mais de vinte jornais circulavam diariamente na capital federal. “Os jornalistas tinham posições políticas, ideológicas, muito claras. O jornalista tinha direito a dar sua opinião. Os grandes escritores brasileiros eram todos homens de imprensa, poetas, críticos de arte, literatura. Eles defendiam valores, defendiam ideologias, claramente. O jornal era muito partidarizado. Agora, vamos lembrar de uma coisa: o governo também corrompia os jornalistas”, disse Alzira Abreu.
Dines explicou que o Correio da Manhã, principal jornal da então capital federal, foi implacável com Zweig. “Logo no dia 5 de agosto – o livro foi para as livrarias dias antes – já aparecia o primeiro ataque, o primeiro de uma série de cinco, publicados na página dois e assinados pelo próprio redator chefe do jornal, Costa Rego, que geralmente só tratava de política. ‘Interpretações abusivas’ deu o tom à série e pelo próprio título verifica-se que o jornalista não contestava fatos, mas opiniões. Todos os ataques baseavam-se em questões insignificantes, com linguagem perversa, torpe, preconceituosa. Cinco edições sucessivas num dos jornais mais importantes do país para dar vazão à arrogância de um jornalista que pretendia fazer oposição ao estado novo, mas sempre aparecia sorridente ao lado do ditador”.
De acordo com Dines, a violência contra o escritor só foi interrompida porque um grupo de jornalistas do próprio Correio convenceu Costa Rego a encerrar o linchamento com o argumento de que esta atitude prejudicava o jornal. Fuad Atala explicou que o jornal promovera inúmeras campanhas contra aqueles que considerava seus inimigos. “Ele tinha uma coisa curiosa chamada ortografia da casa que ia além da simples regra, vocabulário de gramática. Era uma mistura de ética com amizade que colocava no céu os amigos do jornal, do dono do jornal, e no inferno os inimigos e desafetos”.
Eloy Pontes, de O Globo, também implicou com o livro. “As perfídias espalhadas sobre as subvenções que teria recebido do governo Vargas são facilmente desmontadas quando se examina o contrato que assinou com a Editora Guanabara, que lhe pagou dois contos – dois milhões de réis – de adiantamento pelos direitos da primeira edição de Brasil, um país do futuro e 10% do preço de cada exemplar”, explicou Dines.
País Promessa vs Terra do Nunca
No encerramento do programa, o Observatório traçou um paralelo entre o Brasil descrito por Zweig em 1940 e o atual. Dines explicou que Zweig converteu o Brasil no “país-promessa” e que os céticos usaram o título ao revés – terra do nunca. “No lançamento, a mídia considerou a obra como miopia. Hoje, para muitos, é uma utopia. Não é uma coisa nem outra: é uma provocação. Com base num passado marcado por convergências e aproximações, Zweig lançou um repto que cabe aos brasileiros responder: o projeto humanista de conciliação”.
Cristovam Buarque avaliou que algumas previsões de Zweig se concretizaram, enquanto outros avanços ainda estão por vir. “Ele se pergunta: ‘Vai acabar o bonde?’ E acabou. Aí ele previa: ‘As favelas vão acabar’. Não acabaram. E aí tem uma lição para nós: tudo que é avanço técnico a gente adota, mas tudo que é avanço social a gente freia. Substituir o bonde por ônibus, por metrô, era um avanço técnico, mas substituir as favelas por belas cidades era um avanço social. E não fizemos”.
Para Marco Aurélio Garcia, a desigualdade social é uma questão-chave.“Nós, há muitos anos, somos uma das maiores economias do mundo. Mas também um dos países mais desiguais do mundo. Nenhum país pode chegar a seu futuro, entre aspas, esse futuro sobre o qual Zweig fala, se é um país de miseráveis, um país de excluídos, um país de analfabetos, um país em que os negros são cidadãos de segunda categoria, em que os pobres são estigmatizados porque são pobres, enfim, em que não há mobilidade social. E isso passou a haver”, ponderou.
O Brasil, na opinião de Fernando Henrique Cardoso, não pode se acomodar. “A gente não pode dormir sobre louros. O que é esse país do futuro? Está cheio de problemas. De pobreza, de criminalidade, de desigualdade. Teremos que competir com a China, daqui a pouco, nas indústrias. Temos que ver no nosso horizonte qual vai ser a matriz energética. Como vai ser com o meio ambiente. Então, você não pode pensar que não se chega nunca ao futuro. Está sempre se aproximando. É uma utopia. Eu tinha a sensação que nós tínhamos dado passos importantes. Que, digamos, os motores do Brasil já funcionando e começava a levantar voo. Agora, o fato de começar a levantar vôo tem que olhar porque têm outros que estão voando mais alto. Então, sempre tem que buscar um pouco mais”, disse.
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Alberto Dines # editorial do OI na TV nº 607, exibido em 23/08/2011
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Quando chegou ao Brasil estava no auge da fama: escritor vivo mais traduzido e mais adaptado para o cinema. As biografias lhe valeram o título de “caçador de almas”. Ninguém desconfiava que, na realidade, Stefan Zweig era um caçador de utopias.
Poeta em busca de um mundo melhor: desiludido com a União Soviética, detestava o materialismo americano e estava horrorizado com o terror racial nazista que se espalhava pela querida Europa. A América do Sul era a sua esperança e agarrou-se a ela no primeiro rincão que visitou: o Brasil.
Ainda em 1928 planejou visitar a Argentina pelo Zeppelin e de lá vir ao Brasil. Quatro anos depois tentou novamente, mas a subida de Hitler ao poder obrigou-o a desistir. Em 1936, recebeu um convite para um congresso de escritores em Buenos Aires. Aceitou, mas antes fez uma escala no Brasil. Amor à primeira vista: em agosto de 1936 começou o capítulo brasileiro na biografia de Stefan Zweig que se estenderá pelos próximos seis anos até a sua morte, em Petrópolis.
Antes de embarcar para Buenos Aires prometeu que seria o camelô do Brasil na Europa e logo voltaria para escrever um livro sobre o país que o recebeu com tanto entusiasmo. Voltou em agosto de 1940 afugentado pelo medo de que as tropas de Hitler logo ocupassem a Inglaterra onde se refugiou.
Há exatos 70 anos, em agosto de 1941, lançava o seu Brasil, um país do futuro em seis idiomas e sete edições quase simultâneas. Aqui foi um sucesso de público. Os leitores encantaram-se com o encantamento do ídolo literário pelo Brasil. A imprensa foi implacável. A ditadura do Estado Novo impusera um drástico sistema de censura e auto-censura e, como represália ao governo Vargas, alguns críticos arrasaram o livro que supunham ter sido financiado pelo DIP. Os críticos confundiram a admiração pelo povo brasileiro consignada em cada linha com elogio ao governo do Brasil. Mais uma vez não leram e não gostaram. Não foi a primeira nem a única vez em que a imprensa movida pelas melhores intenções faz o linchamento de um inocente. O que não impediu que nas décadas seguintes o qualificativo “país do futuro” se transformasse no sobrenome do Brasil. Ora como profecia, ora como maldição, ora como projeto de potência, ora como fracasso político. Quando esteve no Brasil, o presidente Barack Obama fez dois discursos. E em ambos repetiu a metáfora do “país do futuro”, agora atualizada com outro qualificativo – país do presente.