‘No domingo passado, havia um motivo acrescido para a leitura deste jornal Rui Rio dava ao JN a sua primeira grande entrevista, neste início de segundo mandato à frente da Câmara Municipal do Porto (CMP). Ao longo das três páginas do ‘Grande Plano’, o presidente da Edilidade portuense pronunciava-se sobre diversos assuntos da actualidade do país, sobre a acção do Governo e do principal partido da Oposição, ao qual pertence, e, naturalmente, sobre as políticas para a cidade e a área metropolitana do Porto.
O assunto mereceu o principal destaque da primeira página e, na edição Nacional, os leitores puderam ler a seguinte manchete, ao lado da foto do presidente ‘Rio admite construções no Parque da Cidade’. A tinta que este título não iria fazer correr nos dias seguintes. Mas já lá vamos.
Convém esclarecer que os leitores que não são da área do Grande Porto – entre os quais se acha também o provedor do leitor – não encontraram aquela manchete, mas uma outra sobre a mesma entrevista. As edições regionais titulavam deste modo, sobre a mesma foto e com igual destaque ‘Medidas de Sócrates são corajosas’. (Então o jornal não é todo igual?, perguntará o leitor. Desde há anos que, num esforço de aproximação aos leitores e às problemáticas das regiões, o JN procura, através das edições regionais diferenciadas, apresentar informação mais relevante e interessante, incluindo, frequentemente, na primeira página).
Voltando ao assunto Rui Rio não gostou nada do modo como este Jornal tratou a entrevista. Melhor: considerou que as três páginas com as perguntas e respostas traduzem bem o seu pensamento, mas já não assim os títulos da primeira página. E achou que tinha chegado a altura de pôr os pontos nos ‘is’. Na segunda-feira convocou os jornalistas e, rodeado dos vereadores, anunciou que, a partir daquele momento, a comunicação do Executivo passaria a ser canalizada pelo Gabinete de Comunicação, reduzida a matéria que a CMP considere ‘de inegável interesse público’ e que eventuais entrevistas passariam a ser dadas apenas ‘por escrito, mediante critérios de oportunidade’.
As manchetes do JN não foram o motivo das medidas, visto que Rui Rio refere expressamente que ela decorre do balanço que faz do primeiro mandato, em que ‘alguns jornalistas e comentadores’ foram mais ‘actores políticos’ do que ‘agentes de informação e comunicação’. O comportamento do JN, tal como avaliado pelo presidente da Câmara do Porto, terá sido, neste quadro, a gota de água que fez o copo transbordar.
Vejamos os factos. O texto do interior do Jornal, que Rio aceita ser rigoroso, diz o seguinte (em resposta à pergunta ‘Mas continua a dar a garantia de que não vai haver construções no Parque da Cidade?’):
‘É uma garantia que tem de ser entendida de uma forma equilibrada e com bom-senso. Quando digo que não há construções, estou a referir-me à especulação imobiliária. Não estou a imaginar, mas pode haver um qualquer pormenor, um remate? Neste mandato tenho condições para tentar uma solução’.
Primeiro ponto o presidente não diz que não dá garantias. Mas ao dizer que dá, coloca, manifestamente, matizes e bemóis e deixa abertas possibilidades. A única coisa sobre a qual é taxativo é sobre a especulação imobiliária. De resto, coloca-se, e bem, numa posição de equilíbrio e de bom senso, salvaguardando que possa haver lugar ao acerto de ‘pormenores’ ou de ‘remates’. ‘Rio admite construções no Parque da Cidade’ – titulou o JN. Não se pode considerar o supra-sumo do rigor, mas também não se pode dizer que se trate de uma manipulação, ‘com a intenção clara de enganar os leitores’, como afirma o comunicado da CMP. É necessário ter o sentido das proporções.
Já a manchete das outras edições, – ‘Medidas de Sócrates são corajosas’ – que Rui Rio diz ser ‘menos grave do ponto de vista da manipulação’, embora igualmente ‘enganosa’, não corresponde de facto ao que o entrevistado diz no interior do Jornal. ‘Há medidas que, gostemos ou não delas, requerem coragem. Seria hipócrita se não o dissesse’ – declarou Rio. Ora se é certo que a manchete escolhida não diz expressamente que são todas as medidas, dá-o, porém, a entender, o que não é rigoroso.
Já tive ocasião de analisar, neste espaço dominical, manifestos abusos de títulos de primeira página. No caso presente, há, de facto, falhas a apontar ao JN, que recomendam uma atenção sem descanso quanto ao rigor dos títulos. Mas, considerando o conjunto do trabalho produzido, incluindo as três páginas da entrevista, sou de parecer que o jornal esteve, neste caso, globalmente, de forma positiva, e que ajudou os cidadãos, e em particular os munícipes do Porto, a entender melhor a visão e as intenções do seu presidente de Câmara.
Quem define o que é de interesse público?
As medidas determinadas pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, com vista a controlar o que vem a público acerca do Executivo municipal, decorrem de uma experiência com os media, que Rui Rio avalia como negativa. Tal avaliação é evidentemente legítima. Outros titulares de cargos de poder partilharão, quiçá, dessa visão, mas não têm coragem de assumir uma posição radical como aquela que agora foi assumida.
Mas seria, porventura, mais produtivo, diante de problemas e discordâncias, que, em vez de se cavar um fosso entre as duas partes (jornalistas e Câmara), se procurasse definir bases para um entendimento. Não são os interesses da comunicação social ou do Executivo camarário que devem ser o critério desse entendimento, mas os interesses dos cidadãos, que uma e outra parte devem servir.
Uma coisa parece segura seria grave que a definição daquilo que é de ‘inegável interesse público’, no plano informativo, acerca da actividade camarária coubesse apenas à própria Câmara e ao seu presidente. É legítimo que exista uma estratégia de comunicação e regras de relacionamento com os media, mas não em moldes que limitem a esfera própria da competência desses media. Em sociedades abertas como a nossa, o livre escrutínio do poder, que à comunicação social cabe em grande medida, constitui uma das condições do funcionamento democrático.
A prazo, estou certo que Rui Rio irá rever ou deixar cair as medidas que tomou, certamente mal aconselhado. Porque aquilo que ele pretende evitar – a desinformação ou a informação que ‘não respeita o rigor e a verdade’ – vai tender a crescer, se os canais habituais não funcionarem de forma livre, uma vez que estimulará o surgimento de informação por portas travessas. Uma coisa é exigir ‘uma informação responsável, isenta e plural’ – e isso não é apenas o presidente da Câmara que exige, mas todos nós, leitores e cidadãos – outra é impor os critérios de tais atributos. Uma entrevista jornalística não é mera resposta a um questionário previamente elaborado e supõe interacção e réplica. O jornalismo não pode ser entendido como a amplificação dos ‘press releases’ de uma instituição.
Estou certo de que, com o assentar da poeira, o bom senso acabará por prevalecer. Até lá, e do lado do JN, poderemos contar – a garantia é-nos dada pelo seu director – com a preocupação de continuar a informar sobre a actividade da Câmara, em tudo aquilo que o jornal entenda que é importante para os leitores. Sem deixar de dar conta das condicionantes ao trabalho jornalístico, se elas vierem a existir.
Na crítica, é necessário ter o sentido das proporções’