‘Houve época em que a Columbia Broadcasting System (CBS) era a mais admirada das redes americanas de rádio e TV. Durante décadas ela produziu programas de jornalismo e de entretenimento de primeira qualidade e manteve uma equipe de correspondentes experientes.
Infelizmente, porém, muita coisa mudou -não apenas na CBS, mas em todo o universo das comunicações modernas. Nos últimos anos, os padrões éticos e profissionais decaíram seriamente em razão da busca por audiência e lucros, e o bom gosto foi deixado de lado.
No fim de semana passado, por exemplo, a CBS transmitiu o Super Bowl, uma partida de campeonato, com audiência enorme, entre os dois melhores times de futebol americano. Esse ‘evento familiar’, como era conhecido no passado, costumava ser uma oportunidade rara para adultos e crianças se sentarem juntos e assistirem ao mesmo programa de televisão, sem preocupações com violência ou conteúdo sexual. Dessa vez, porém, não seria assim. Mais uma vez a CBS comprovou que não há limites em sua busca pelo sensacionalismo que, hoje em dia, tão facilmente se traduz em notoriedade e dinheiro.
O programa do Super Bowl atraiu uma audiência gigante: de acordo com as medições feitas pelo instituto Nielsen, 89,9 milhões de pessoas assistiram à partida, 143,6 milhões assistiram a pelo menos uma parte dela, e a estimativa é que um sexto dos espectadores fossem crianças na faixa dos 2 aos 11 anos de idade.
E o que esses espectadores viram? Uma partida esportiva emocionante, sim, mas também uma seqüência de comerciais violentos e ofensivos (um deles, um anúncio de cerveja que incluía um cavalo com flatulência, outro um anúncio de um produto chamado Cialis que promete aos homens que sofrem de ‘disfunção erétil’ até 36 horas de potência contínua), ao custo de US$ 2,9 milhões cada spot de 30 segundos.
Eles também viram um show no meio tempo com dançarinos usando roupas sumárias e cantando canções sexualmente explícitas, um cantor pop que agarrava a própria virilha a todo momento e uma cantora famosa que deixou seu seio direito, com o mamilo mal coberto, sair do corpete que usava. Ops, foi engano, é claro, disse ela mais tarde, pedindo desculpas pelo acontecido.
Imediatamente, todos os executivos da liga de futebol americano, da CBS e da MTV (que produziu o show do meio tempo) expressaram surpresa, decepção ou ultraje. Como os personagens no clássico do cinema ‘Casablanca’, que se diziam chocados ao descobrir que os jogos de azar eram permitidos no bar de Rick, eles se disseram chocados ao saber que uma ‘indecência’ podia ser tão descaradamente exibida na televisão americana, durante o Super Bowl, enquanto havia crianças assistindo. Onde foram parar os padrões da televisão, perguntaram? O que está acontecendo com a América? Poucas vezes a hipocrisia foi tão evidente por trás de cada expressão de suposto desagrado.
Naturalmente, numa capital já repleta de inquéritos sobre praticamente tudo, foi lançado mais um -desta vez da Comissão Federal de Comunicações (FCC), sobre o incidente descrito pelo ‘New York Times’ como ‘um vislumbre de pele’.
Conservadores no Congresso se indagaram se serão necessárias novas leis para impor restrições mais rígidas à ‘indecência exagerada’ na TV.
Eles só precisariam ter passado os olhos pela legislação antiga para saber que estariam embarcando num esforço vão e provavelmente impossível. O público acessa a televisão por três vias: pelo ar, que é gratuito, e por cabo e satélite, que não o são. De acordo com as leis federais em vigor, o governo não tem autoridade alguma para impedir a veiculação de profanidade, nudez ou conteúdos sexuais na televisão por satélite ou por cabo, que hoje está presente em 86% dos lares americanos e, pela primeira vez, é vista por mais de 50% da população. É apenas com relação à televisão aberta que ele possui esse poder.
Mesmo com relação a ela, porém, ele raramente tenta exercer esse poder, já que sabe, em razão dos precedentes legais, que os tribunais tendem a proteger o direito que a Primeira Emenda constitucional garante à televisão de exibir o que quiser.
Além disso, seria difícil controlar a tendência recente em direção aos programas de pornografia leve na televisão, porque a maior parte das redes, dos produtores e dos talentos da televisão pertence a conglomerados de mídia que buscam maximizar seus lucros.
É difícil escapar do domínio da Viacom, dos desejos da General Electric ou do viés da News Corporation.
Nos círculos mais elegantes isso é conhecido como sinergia, mas é algo que corre o risco de sufocar a liberdade de expressão nas sociedades livres.
O senador republicano John McCain planeja, para a próxima semana, audiências no Congresso sobre a indecência na televisão. Boa sorte, senador! (Ex-correspondente das redes CBS e NBC, Marvin Kalb é escritor, palestrante e membro sênior do Centro Shorenstein de Imprensa, Política e Política Pública da Universidade Harvard.)’
Bill Carter
‘Lidando com a indignação do Super Bowl’, copyright Último Segundo / The New York Times (www.ultimosegundo.com.br), 8/02/04
‘A CBS ainda enfrenta a conseqüência mais substancial do episódio da exposição do seio de Janet Jackson durante sua transmissão do Super Bowl no domingo à noite: uma investigação da Comissão Federal de Comunicações (CFC), com a possibilidade de multas vigorosas para as estações da CBS.
A CBS já reagiu instituindo um atraso de fita especial para a sua cobertura dos Prêmios Grammy na noite de domingo, o que poderia atrasar a transmissão ao vivo em até cinco minutos. O canal a cabo TNT anunciou na quarta-feira que acrescentaria um atraso de sete segundos quando transmitir a parte de entretenimento do jogo NBA All-Star em 15 de fevereiro.
Mas é a MTV, companhia irmã da CBS dentro da Viacom Corp., que foi forçada a lidar com o peso da crítica do conteúdo do show do intervale. A CFC divulgou ter recebido quase 200 mil reclamações, muitas delas centradas no concerto inteiro do intervalo.
Jackson absolveu todos aqueles envolvidos na transmissão dizendo que ela e seu parceiro, Justin Timberlake, planejaram o final da apresentação sozinhos. Mas alguns críticos argumentam que MTV tropeçou nessa bagunça, pois tem um público muito focado para qual sua programação é voltada.
‘O que eles estavam pensando?’, perguntou Jim Steyer, diretor executivo de um grupo independente chamado Common Sense Media, que aconselha consumidores sobre escolhas de entretenimento. Ele não estava se referindo ao incidente de Jackson no final do show de intervalo, que também contou com a presença de P. Diddy, Nelly e Kid Rock. Ele atacou a MTV por muitos dos elementos da apresentação, incluindo dançarinos simulando relações sexuais e Nelly repetidamente agarrando sua virilha. Steyer e outros disseram que a MTV ultrapassou os limites quando concluiu que sua programação regular seria aceitável para a enorme audiência que assiste ao Super Bowl.
A MTV está saindo de seu melhor ano em 23 anos de existência. Sua audiência cresceu 20% no ano passado, para uma média de 1,2 milhão de pessoas. Ela foi bem-sucedida com sua programação não-musical, com sucessos como ‘The Osbournes’ e ‘Newlyweds’, enquanto seu antigo reality show ‘Na Real’ tem seus maiores índices de audiência.
Por todas essas razões, a MTV está confiante sobre sua posição dominante na cultura jovem. Alguns críticos dizem que a emissora está excessivamente confiante, pois sua audiência média é bem menor do que a média das redes de televisão. (A CBS, por exemplo, tem uma media de telespectadores de 13,7 milhões).
Robert Thompson, professor de mídia e cultura popular na Universidade de Syracuse, afirmou que com o seu show do Super Bowl, a MTV entrou em uma área de alvo para críticos sociais que geralmente concentram seus protestos nas redes de televisão.
‘Todas aquelas pessoas procurando repercutir o que eles vêem como indecência na mídia chegaram à fonte’, disse Thompson. Segundo ele, a decisão da MTV de mostrar, no maior cenário televisado do mundo, um tipo de entretenimento geralmente confinado ao cabo foi ‘o equivalente a uma menina de 17 anos convidando sua mãe a ler o seu diário’.
Os executivos da MTV, claramente envergonhados pelo fato da roupa de Janet Jackson ter sido tirada na frente do mundo inteiro, defendem o resto do show. ‘Nós fomos vítimas de m golpe perverso’, disse Tom Freston, diretor da MTV Networks. ‘O que aconteceu foi deplorável. Mas se não fosse pelos últimos dois segundos, a apresentação teria sido vista como um enorme sucesso’.
Freston defendeu o show como completamente dentro dos padrões do entretenimento contemporâneo. ‘Esses eram artistas realmente do meio da cultura jovem’.
‘A força mais dinâmica na música pop nas últimas duas décadas é o hip-hop’, ele acrescentou. ‘Para qualquer um com menos de 40 anos, essas canções foram ouvidas em todos os lugares, saindo de seus carros, no rádio, e em todos os tipos de programa de televisão’.
Os cantores que a MTV inscreveu para a noite de Domingo são indiscutivelmente populares. Segundo a Nielsen SoundScan, o último disco de Jackson, ‘All For You’, vendeu 3 milhões de cópias em 2001. ‘Justified’, atual álbum de Timberlake, vendeu 3,3 milhões de cópias; ‘Cocky’, de Kid Rock, vendeu 4,2 milhões; e disco mais novo de Nelly, ‘Nellyville’, vendeu 6 milhões.
É improvável que muitos desses discos tenham sido vendidos para membros da hierarquia da NFL. Porém, preocupados em atrair telespectadores jovens – o público mais cobiçado pelos anunciantes – a liga mudou seus shows de intervalo na última década.
Freston enfatizou que os representantes da liga aprovaram todos os artistas e estiveram presentes em todos os ensaios. Mesmo assim, ele admitiu, ‘Eu achei que quando Nelly agarrou sua virilha, ele passou dos limites’. Ele contou que Nelly não fez isso nos ensaios.
MTV evitou energeticamente ter um papel paternal com seu público. Por ser um canal a cabo, a MTV não é submetida ao mesmo escrutínio regulador da CFC que a CBS.
Apesar disso, a MTV tem padrões de conteúdo e linguagem aplicados rigidamente, explicou Freston. Ela pede aos artistas que eles refaçam ou editem vídeos e mudem algumas letras de música. O clipe de ‘Many Men’, do rapper 50 Cent, por exemplo, foi tirado da MTV, pois ele se recusou a fazer algumas alterações, assim como ‘Superman’, de Eminem.
Ainda assim, Freston defendeu as canções escolhidas para o show do Super Bowl, até a de Timberlake, que inclui versos sobre ter alguém nu até o final da música.
‘As canções de conteúdo sexual são uma antiga tradição na música’, prosseguiu Freston, apesar de acrescentar, ‘Você poderia reclamar que os versos são mais afiados ou rudes atualmente’. A dança sexualmente sugestiva, ele falou, é vista com freqüência na TV e é parte da coreografia contemporânea.
Mas, com a repercussão da exibição de Jackson, ninguém espera ver outro intervalo do Super Bowl repleto de apresentações musicais ao estilo da MTV. Na quarta-feira, a NFL cancelou a presença de J.C. Chasez, da banda de Timberlake ‘N Sync, no Pro Bowl no domingo.
A rede de televisão Fox, que transmitirá o Super Bowl do próximo ano, já está calculando o quanto recuar. ‘Eu falei a minha equipe para começar a pensar sobre André Kostelanetz’, contou David Hill, presidente da Fox Sports.’
Álvaro Pereira Júnior
‘Um peito de fora e um candidato muito louco’, copyright Folha de São Paulo, 9/02/04
‘Janet Jackson com um peito de fora no intervalo da final do campeonato de futebol americano já é o evento mais buscado da história da internet.
A equipe do Folhateen, sempre atenta às novidades da rede, deu o toque em ‘Escuta Aqui’. Segundo o site da rede britânica BBC, a mama jacksoniana superou, em buscas, até os atentados de 11 de setembro! O porta-voz do site Lycos disse que na segunda-feira, um dia depois do jogo, as buscas pela cena de Janet superaram 60 vezes aquelas pelo vídeo erótico de Paris Hilton e 80 vezes as buscas por Britney Spears.
Se faltava alguma prova de que os americanos são o povo mais maluco do mundo, então não falta mais.
Normalmente, a TV aberta americana não mostra absolutamente nenhuma cena de nu. E vários canais a cabo seguem a mesma política. Se alguém tira a roupa em frente às câmeras, eles botam um efeito por cima. Também não rolam palavrões. Mesmo programas ao vivo vão ao ar com um ‘delay’ de sete segundos, para dar tempo de botar um ‘piiiiiiii’ caso alguém mais boca suja solte o verbo no ar.
Mulher e homem pelados, piadas de sacanagem etc. etc. só rolam nos canas a cabo do tipo ‘premium’, ou seja, aqueles que não fazem parte do pacote básico.
Nesse contexto de sacanagem zero, dá para ter alguma idéia de por que o peito de Janet Jackson causou tamanha encrenca. Não só foi um evento inédito, como aconteceu no principal dia do ano para a TV americana.
Ainda assim, mesmo levando tudo isso em consideração, é impossível para um brasileiro, imagino, entender completamente a obsessão americana pela brevíssima nudez de Janet. Eu, pelo menos, fiquei boiando.’
Nelson de Sá
‘Sensação’, copyright Folha de S. Paulo, 3/02/04
‘O seio de Janet Jackson pode ter ocupado os olhos do mundo desde o Super Bowl, no domingo.
Mas não é um seio, aliás coberto por uma estrela como no Carnaval, a imagem que mais fascina nos últimos dias, na sociedade do espetáculo.
Outras imagens, também de poucos segundos, 38 para ser exato, vêm exibindo outras partes do corpo.
Elas trazem um pé sozinho na calçada. Alguns pedaços de carne humana pendurados na janela de um ônibus. Um braço pela metade. E outras partes, aqui e ali.
É um atentado suicida. A guerra de propaganda no Oriente Médio avançou alguns quilômetros, com a novidade.
Perto das novas cenas, aquelas de dois suicídios paulistanos, que fizeram história no Aqui Agora e no Cidade Alerta, não passavam de um aperitivo -coisa leve.
– A prática de tortura, no Rio de Janeiro, está constituindo quase uma rotina.
Foi a declaração do ouvidor da secretaria nacional de Direitos Humanos, ontem na Globo, em comentário sobre a morte do estudante Rômulo Batista de Melo.
O jovem foi detido, ‘acusado de roubar um carro’, e ficou seis dias numa delegacia. Segundo o Jornal Nacional, ‘o carro era de um amigo dele’.
Morreu de traumatismo craniano, mas também sufocou no próprio sangue, que teria entrado pelo pulmão. No registro da Globo:
– Policiais disseram que ele tentou o suicídio, batendo com a cabeça na grade.
Estava em Cabo Frio, mas foi levado a um hospital em Maricá, depois de ter ficado preso sob o sol, no que o JN chamou de ‘ato cruel’.
Já entrou no hospital em cadeira de rodas, com ‘a cabeça pendente’.
Não se viram imagens. Só dos pais, em desespero.
(Ah, e o secretário Anthony Garotinho reclamou no JN que o governo Lula o persegue politicamente, ao dizer que a tortura no Rio virou rotina.)
Num dia horrível, com pedaços de corpos e tortura, lá estavam também, na televisão, as últimas notícias dos assassinatos de quem luta contra a escravidão no Brasil.
E não parou aí. No rastro da morte de dois adolescentes baleados na Febem, tomou posse ontem o novo presidente da instituição.
Que prometeu fazer da Febem um ‘sistema de educação’, algo assim -e não mais, como hoje, um açougue.’
O Globo
‘Janet Jackson admite ter ensaiado número’, copyright O Globo, 5/02/04
‘Na noite de terça-feira, durante uma palestra na Kent State University, na cidade de Stark Count, em Ohio, o diretor de cinema Spike Lee criticou o show do intervalo do Super Bowl no último fim de semana, chamando de decadência da arte o número em que Janet Jackson teve sua roupa rasgada pelo cantor Justin Timberlake, deixando seu seio direito à mostra.
Para Lee, não tem sido bastante ser uma boa cantora, e os artistas têm que fazer algo extra como os beijos de Madonna em Britney Spears, num clipe, e em Christina Aguilera, durante o MTV Music Awards em agosto do ano passado.
– O que virá em seguida? Está ficando uma loucura isso, e tudo tem a ver com dinheiro e fama – disse Lee. – Todo o sistema de valores foi virado de cabeça para baixo.
Cantora afirma que MTV não tinha conhecimento
Enquanto isso, Jackson divulgou um videotape com um pedido de desculpas aos 89 milhões de espectadores que foram surpreendidos pelo número. Na fita, a cantora afirma que lamenta muito se ofendeu alguém e garante que a MTV e a CBS não tinham conhecimento de nada daquilo, e que tudo deu errado no fim.
Timberlake havia assumido a culpa pelo incidente, mas em seguida a cantora disse que tudo havia sido coreografado antes da apresentação. No site da MTV, Jackson declara que a decisão de fazer uma surpresa foi feita depois dos ensaios finais, e que a emissora não estava ciente de nada.
Segundo a porta-voz da cantora, Jennifer Holiner, um laço vermelho deveria ter ficado sobre o seio da cantora depois que Timberlake arrancasse a parte de fora da roupa.
De qualquer forma, a Comissão Federal de Comunicações americana (FCC) não está nada satisfeita com a inesperada cena de nudez. Michael Powell, presidente da instituição, disse que se sentiu ultrajado:
– Como milhões de americanos, minha família e eu nos reunimos diante da televisão para uma celebração, que foi maculada por um número deplorável e sem classe – disse Powell. – Eu instruí a comissão a abrir imediatamente uma investigação.
Powell disse ainda que estava insatisfeito com todo o show, incluindo as apresentações do rapper Nelly, que teria feito gestos em direção à sua virilha, e de Kid Rock, que cantou enrolado numa bandeira dos Estados Unidos.
A CBS pode pagar multas de até US$ 27.000 pela violação das leis de decência. Caso a multa seja aplicável a cada retransmissora, o valor pode chegar a milhões de dólares.
Indicado para cinco prêmios do Grammy, que acontece domingo, Justin Timberlake irá se apresentar na festa. Janet Jackson deverá apresentar uma premiação. Com um pé atrás, a CBS pretende usar um sistema de atraso na transmissão para evitar recorrências.
– Infelizmente não podemos esperar daqueles que estão no ar que correspondam aos nossos padrões – disse Martin Franks, executivo da CBS.’