Foi em 1944 – portanto, há 65 anos – que o filósofo e pensador Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) lançou o seu livro A Voz de Minas, no qual o grande crítico literário dizia que Minas tem uma missão a cumprir no Brasil e no mundo contemporâneo. Para ele, essa missão é de ordem preservativa, reformadora e compensatória porque Minas é a imagem da tradição e do passado. O livro foi saudado como um salvo-conduto para o nosso estado ser uma espécie de guia do Brasil, em busca de sua concretização como nação justa e humanitária. O mundo, então, estava conflagrado pela Guerra Mundial (1939-1945), com participação do Brasil (Força Expedicionária Brasileira – FEB).
Passado tanto tempo, não seria a hora de uma discussão entre intelectuais e políticos representados por figuras de três cortes mais falados, ou seja, direita/conservadores, centro/liberais e esquerdas? Por que será que Tristão de Athayde não chegou a tocar nos grandes nomes mineiros do mundo intelectual que apoiaram a ditadura do Estado Novo (1937-1945), tão feroz como a ditadura militar imposta pelo golpe de 1964 contra do presidente João Goulart? Nos jornais de 1944, não se encontra qualquer referência a respeito. E nenhum dos grandes literatos daquela época, de esquerda ou direita, comentou o assunto. Silêncio absoluto.
Definições de ciência
Vá lá que os intelectuais engajados à esquerda/direita tenham a sua opinião: por um lado, para a esquerda clássica, a posição Tristão era direitista, enquanto os conservadores, de direita, diziam que ele era de esquerda. Quem se der ao trabalho de ler a vasta obra de Tristão de Athayde, principalmente nos jornais diários, verá que houve mudança substancial no tipo do mineiro que, até então, era apresentado como a Montanha, sinônimo de ‘estabilidade, duração e permanência’. Segundo Tristão, a missão da ‘Montanha é corrigir o que o dinamismo cosmopolita carreia continuamente para modificar e alterar nossas plagas’ (in ‘A missão de Minas’, capítulo do livro A voz de Minas que, como se sabe, Tristão escreveu em Barbacena, talvez por ser muito amigo do grande e injustamente esquecido advogado Sobral Pinto. Será que as gerações (de 1970 em diante) sabem quem foi Sobral Pinto? Tive vários contatos com Tristão de Athayde, um deles na casa de Priscila e Alberto Freire, como contei no artigo ‘Meus encontros com Tristão’ (Estado de Minas, 16 de agosto de 1983), após o falecimento do grande pensador.
Em 1944, Tristão dizia que o Brasil tem cinco extratos sociológicos: o Litoral (o Brasil diante do mundo); o Norte, que manterá o país ligado às suas raízes indígenas, portuguesas e africanas; o Oeste, leme da marcha para o futuro, seguindo o roteiro da aventura criadora dos bandeirantes; e o Sul, que é o centro econômico e tecnológico da nação e é o propulsor de sua interação com o futuro. Falava mais Tristão no livro em questão: Minas é o centro, o imã que atrai brasileiros e estrangeiros de todas as regiões. Que tinha para oferecer, pergunto eu? A riqueza imensurável de suas jazidas de ouro, diamantes, pedras preciosas, hematita compacta (roubadas no Brasil Colonial), pau Brasil, açúcar, matérias-primas em geral e que, ainda hoje, no regime de mercado, em pleno terceiro milênio continuam enriquecendo os países ‘civilizados’ (industrializados).
Leitor dos clássicos, Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima) certamente deve ter lido a frase de Rabelais (1490-1533), em Pantagruel II: ‘Ciência sem consciência não passa de ruína da alma’. Antes do Manifesto Comunista (Marx e Engels, 1848), Herbert Spencer (1820-1903) havia dito: ‘Ciência é conhecimento organizado’, enquanto Camilo Castello Branco dela dizia: ‘Ciência! Não dá nada ao desgraçado!’
Missão ultrapassada?
Teria Tristão de Athayde sido ‘encantado’ pelo regime norte-americano, quando lá trabalhou e estudou? Claro que ele sabia que Eduardo Prado (1860-1901), no livro A ilusão americana, dizia que ‘é tempo de reagir contra a ingenuidade da absoluta confraternização entre o Brasil e a grande república anglo-saxônica’.
O tema ‘A voz de Minas‘ é bom para um debate pluralista e tomo a liberdade de pedir a opinião de Alberto Dines, Antônio Cândido e outros especialistas. O tema é: Tristão está ultrapassado depois de ter divinizado a lição de Minas Gerais e dos Mineiros? Que Minas hoje tem políticos, acadêmicos, intelectuais e pensadores diferentes e aderentes a governos totalitários, não resta a menor dúvida. Dá para comparar as figuras de hoje com Bernardo Pereira de Vasconcelos, Honório Herneto Carneiro Leão (Marquês do Paraná), João Pinheiro, Virgílio Alvin de Melo Franco, Milton Campos e tantos outros que certamente inspiraram Tristão a escrever em 1944? Ou, como penso eu, a missão de Minas (1944) está mesmo ultrapassada.
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Jornalista, ex-presidente do Sindicato dos jornalistas de Minas Gerais (1975-1978), co-autor do Código de Ética do Jornalista Brasileiro (1985)