No estilo tabloide, se com o título acima capturo a atenção do leitor horrorizado, peço paciência porque trago boas notícias. Para quem? Não para as árvores, reconheço. As notícias não chegam a tempo de salvar a estimada livraria carioca Leonardo da Vinci que, nesta segunda-feira, começa sua queima de estoque e vai fechar as portas depois de 63 anos em que foi homenageada em prosa por tantos e em verso por Carlos Drummond de Andrade.
A pá de cal, contou a atual dona da livraria ao Globo, foram as obras no centro do Rio. Suspeito que a hostilidade geográfica pesou bastante na morte da livraria. Sim, os brasileiros leem cada vez menos, nosso índice de leitura é uma calamidade. Uma pesquisa da Federação de Comércio do Rio de Janeiro apurou que 70% dos habitantes da Pátria Educadora não leram um livro sequer em 2014. Nos Estados Unidos, onde a educação pública e o hábito de leitura entraram em declínio, na comparação com outros países afluentes, 76% dos americanos com mais de 18 anos leram pelo menos um livro em 2013. No estudo feito pelo Pew Research Center, quase sete em dez adultos leram um livro árvore-morta naquele ano e 28% leram um livro eletrônico.
A maioria dos não-leitores brasileiros acusou a “falta de hábito”. Não preciso fazer pesquisa alguma para acusar os pais e o sistema educacional pela falta de hábito. E não devemos ignorar o exemplo de figuras públicas.
Muito antes de se eleger presidente, o político mais popular do Brasil nas últimas décadas disse ao Flávio Rangel, no programa Canal Livre, em 1981, no tom hoje familiar de orgulho com os próprios defeitos: “Sou muito preguiçoso. Até pra ler eu sou muito preguiçoso. Isto é questão de hábito. Eu não gosto de ler.”
Um mote da revolução digital é a resignação e a reverência com a mudança pela mudança. Se descobrirem que a juventude brasileira parou de escovar os dentes vão atribuir o fenômenos à “ruptura” trazida por alguma tecnologia? Ou à incompetência analógica coletiva dos adultos?
Então, vamos ao possível raio de luz na escuridão da floresta preservada, cortesia da geração com menos de 30 anos, os famigerados millennials.
Imersão e empatia
“Não consigo imaginar ler ou compreender Tocqueville eletronicamente. Sería terrível.” O comentário sobre Democracia na América, um tijolo árvore-morta de 900 páginas, é de um aluno no primeiro ano do curso de Ciência Política da American University e foi ouvido pelo repórter Michael Rosenwald, do Washington Post. Outro estudante ouvido pelo mesmo repórter, que investigou o ressurgimento do livro de papel, disse: “Gosto de segurar o livro. Ele não desliga. Não emite sons.”
Diversas pesquisas mostram que a geração norte-americana de nativos digitais, que não cresceu habituada ao cheiro de livros ou livros habitados por traças, não abre mão do papel quando se trata do prazer da leitura. Não precisa ajustar os óculos ou aumentar o tamanho do texto na tela, caro leitor. Prazer da leitura.
Essa geração está por trás de uma modesta primavera das livrarias independentes nos Estados Unidos. Elas estavam sendo dizimadas pelas grandes cadeias, como a Borders e Barnes & Noble. As grandes cadeias, agora canibalizadas pela Amazon, vão deixando um vácuo que, em parte, permite a primavera. Outro dia, fui a uma biblioteca gravar entrevista com um autor num vilarejo afluente, 30 quilômetros ao norte de Manhattan. Os exemplares do livro que ele ia autografar no fim da noite estavam dispostos numa mesa. O casal que vendia os livros, avisou, sem que eu perguntasse: “Somos donos da livraria independente da cidade vizinha, mais fortes do que nunca.” Havia uma pitada de triunfalismo vingativo no tom do anúncio. Eles passaram, nós passarinho.
Não se trata de ser ludita ou de ter um ataque de nostalgia. Desde 2009,o número de livrarias independentes dos Estados Unidos cresceu em 25%. E as vendas começaram a subir também, embora as margens de lucro sejam menores.
Novos estudos, ainda que com resultados diferentes, começam a explicar por que a morte das árvores para produzir livros de papel deve continuar. Cientistas têm examinado a evolução do cérebro leitor. Os estudos medem a retenção de informação da leitura na página impressa e em tablets. Quem lê em papel, de maneira geral, se lembra melhor do que leu. Uma experiência feita pela norueguesa Anne Mangen apresentou um conto com elementos perturbadores. Metade recebeu o conto em papel, metade num iPad. Os que leram o conto em papel demonstraram maior índice de imersão, empatia e coerência ao se referir à narrativa.
Antes de torrar escassos fundos públicos com tablets que logo se tornam obsoletos, educadores podem considerar não só a importância de ler, mas também como ler.
***
Lúcia Guimarães é colunista do Estado de S.Paulo, em Nova York