Sábado (15) ensolarado de setembro. Às 9h52, um zumbido entrecortado chama a atenção dos mecânicos que trabalham numa oficina na Alameda Barão de Limeira, Campos Elíseos, na região central de São Paulo. Trata-se do teste de estréia do megafone adquirido com o valor apurado numa ‘vaquinha’ do Movimento dos Sem-Mídia (MSM).
Às 10h em ponto, o blogueiro Eduardo Guimarães, idealizador do grupo, convoca seus confrades a atravessar a rua, em direção à portaria do prédio amarelão da Folha de S.Paulo. ‘Vamos deixar o pessoal trabalhar em paz’, justifica. Um minuto depois, o MSM inicia seu primeiro ato público.
Ainda pouco habituado com seu amplificador de voz, Guimarães expõe as razões do movimento. Segundo ele, não se trata de uma manifestação contra a mídia ou contra os jornalistas, mas de um protesto contra a parcialidade dos meios de comunicação. ‘Não queremos cercear a liberdade de expressão, mas lutamos por uma imprensa mais responsável, que não minta, que não distorça e que não manipule’, explica.
Nesse momento, há cerca de 130 pessoas no local. Uma das faixas sintetiza a idéia: ‘Não somos contra ninguém, mas a favor do jornalismo sério’. Uma outra, ainda maior, completa o raciocínio: ‘Que a mídia fale, mas não nos cale’. Guimarães também afirma que o movimento não é partidário. ‘Tem alguém aí que é do PT?’, pergunta. Treze pessoas levantam as mãos. O blogueiro conclui que são poucos os petistas. ‘E não tem problema, pois se membros de outros partidos quiserem participar, estamos abertos’, afirma. ‘Nossa luta é apenas por uma mídia limpa e democrática, sem partidarismos.’
Queda de pressão
Depois de curtos e inflamados discursos de alguns manifestantes, Guimarães inicia a leitura do Manifesto Sem-Mídia (ver aqui). Os sem-mídia interrompem o locutor com gritos de apoio, e o aplaudem efusivamente depois do seguinte trecho:
‘O poder que a mídia tem – ou pensa que tem – é tão grande que ela insulta a ampla maioria dos brasileiros que elegeu o atual governo, dizendo que tal maioria tomou a decisão eleitoral que tomou porque é composta por `ignorantes´ que se vendem por `bolsas-esmola´ pagas por esse governo.’
Mais aplausos quando Guimarães afirma que a mídia protege determinados políticos. Uma voz na multidão exige que a Folha e o Estado de S.Paulo dêem ao senador tucano Eduardo Azeredo o mesmo tratamento dispensado aos parlamentares governistas citados no caso do mensalão.
Ao final da leitura, há cerca de 140 pessoas nas imediações do prédio da Folha. Guimarães cogita de entregar o documento, com 191 assinaturas, à repórter do jornal que cobria a manifestação. A jornalista Cátia Seabra, no entanto, recusa-se a receber o documento. ‘Estou trabalhando. Não represento a empresa em questões dessa natureza’, explica.
O grupo, então, delibera entrar no prédio do jornal para protocolar a entrega do manifesto. Enquanto isso, num mural colado na parede de pastilhas amarelas do prédio, os sem-mídia deixam seus recados à imprensa e aos jornalistas. Os articulistas Clóvis Rossi e Eliane Cantanhêde figuram entre os mais ‘citados’.
De alguma forma, os ‘sem-mídia’ ganham alguma mídia. A supervisora educacional Jaqueline Pascucci, por exemplo, que foi ao ato com o marido e os filhos, fala diante da câmera do Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim. ‘Não dá mais para ler jornal nem revista’, reclama. ‘A mídia se tornou realmente um partido político’.
Depois de alguns minutos, Guimarães oficializa a entrega do documento na portaria do jornal. Há mais aplausos e assovios. Nenhum dirigente da Folha se dispõe a falar sobre a manifestação. Guimarães está suando em bica. Sofre uma queda de pressão. É discretamente amparado pela filha Carla. Vai até um bar, toma um gatorade e, aos poucos, se recompõe. ‘O movimento não vai parar por aqui’, anuncia, já planejando um novo ato público.
Contradições expostas
O criador do MSM, Eduardo Guimarães, 47 anos, não é jornalista e não trabalha na imprensa. É gerente de exportação de uma fábrica de autopeças no interior paulista. Seu trabalho é vender os produtos da empresa em países da América Latina.
Paulistano de classe média, bisneto de franceses e de nativos da terra, não chegou a concluir o curso universitário em Administração. Casado há 25 anos, tem quatro filhos e uma neta.
‘Sou um autodidata e leio de tudo, de ficção científica a trabalhos de sociologia’, diz. ‘E sempre quis também expor minha opinião e exercer a cidadania.’ Antes do aparecimento da internet, Guimarães enviava suas cartas às redações de jornais e revistas por meio de fax. A partir de 1996, começou a usar o serviço de e-mail. Estreou seu blog em fevereiro de 2006. ‘Um dos motivos para a criação desse canal foi denunciar o movimento golpista da mídia para derrubar o presidente Lula’, explica. ‘Expor contradições da imprensa num blog foi minha contribuição à democracia.’
Guimarães não é filiado a partido político e afirma que jamais será. Eleitor de Lula, político que espera conhecer um dia, afirma que o governo federal também erra e merece críticas. ‘O que a imprensa não pode fazer é exagerar e distorcer na marcação ao governo federal e poupar seus adversários, como os tucanos que governam São Paulo’, reclama.
Depois do ato, a euforia de Guimarães somou-se a certa preocupação. Foi chamado pela diretoria da empresa onde trabalha para prestar esclarecimentos sobre suas atividades políticas. A esposa também está aflita. Teme que a família sofra, de alguma forma, com a ousadia do marido.
Fontes alternativas
Funcionária federal aposentada, Tereza Takahashi, de 54 anos, está sempre atenta à defesa dos direitos do inativos. ‘É preciso dizer sempre que contribuímos com 11% para o INSS e que não temos FGTS’, repete aos colegas do Movimento dos Sem-Mídia.
Há cerca de um ano, ela apoiava a campanha de Geraldo Alckmin à presidência e confessa que participava de ‘grupos políticos anti-Lula’. Segundo ela, a grande decepção ocorreu quando se ofereceu voluntariamente para ajudar na campanha do candidato tucano. ‘Pensaram que eu estava em busca de um emprego, e chegaram a pedir meu currículo’, conta.
Depois desse episódio, Tereza começou a buscar fontes alternativas de informação, especialmente por meio de blogs. Aos poucos, chegou à conclusão de que estava do lado errado. ‘A mídia está manipulando toda a opinião pública, tentando de todas as formas desestabilizar o governo Lula, noticiando apenas o que é negativo, e evitando mostrar o que tem sido feito pelos excluídos’, afirma. ‘Eles não aceitam um ex-metalúrgico no poder.’
O tamanho da notícia
Os sem-mídia afirmam que a cobertura do ato de 15 de setembro dá a exata dimensão do jornalismo praticado pela Folha de S. Paulo. Segundo Eduardo Guimarães, o diário paulistano deu grande destaque ao ‘Movimento Grande Vaia’, de oposição ao governo Lula, e escondeu a manifestação do MSM. ‘Não é possível que nos dêem apenas 9 linhas’, protestou.
O corpo do texto sobre o ato do MGV contra a absolvição de Renan Calheiros, que reuniu cerca de 200 pessoas na Avenida Paulista, no mesmo dia, tem 1.592 caracteres (sem espaços). O ato do MSM foi citado ao pé dessa mesma reportagem, em 373 caracteres.
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Jornalista, São Paulo, SP