Na toca dos leões, de Fernando Morais, está entre os 10 mais vendidos nas livrarias. Repetiu-se o de sempre: censura é propaganda. O tiro do deputado Ronaldo Caiado saiu pela culatra. A melhor forma de contestar um livro é escrever outro, não impedir que o que nos desgosta não circule. Se tal tivesse acontecido, ao ser referido o suposto engano do autor, o público poderia ser advertido de que haveria outra versão e, como sempre, os juízes seriam os leitores. Como o eleitor do candidato, o leitor é o melhor juiz que um autor pode desejar. O melhor, para autores como para candidatos, é vencer nas livrarias, vencer nas urnas, em vez de impedir que adversários disputem.
Chega de censura! Agora, passemos a outro célebre censurado: Dalton Trevisan. Mas quem se lembra quando e quem o censurou? Gilberto Mansur, que dirigia a revista Status e promovia concursos literários que premiaram, entre outros, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, sabe toda a história.
Talvez tenha sido Jorge Luis Borges quem disse algo assim: que outros se jactem de livros que escreveram, eu me orgulho dos que li! E quando, além de ler, você conhece os autores? Como seria nossa vida se os acadêmicos fossem de fato imortais e de repente você encontrasse Machado de Assis numa esquina?
Conheci o Vampiro de Curitiba – já era, então, este o nome pelo qual era conhecido – nos tormentosos porém fabulosos anos setenta. Era domingo, ele lia os jornais expostos na banca de revistas. Acabara de lançar O pássaro de cinco asas, que eu tinha degustado com aquele raro prazer que somente podem ter leitores de Dalton Trevisan, capazes de ler e ouvir em seus contos magistrais também o que ele não diz.
Não sei se alguém já observou em alguma resenha, ensaio, livro: Dalton respeita o leitor, não o toma por burro, infesta de elipses tudo o que escreve. Conversamos um pouquinho, outro dia mais um pouco, depois eu enviei um pequeno livro que o Álvaro Pacheco tinha lançado com um ensaio sobre ele. E desde então, cumprindo o ritual que me propôs e aceitei, eu o encontro periodicamente em Curitiba para uma conversa sempre inesquecível. Marco encontro por telegrama.
Poucos consolos
Poucos dominam a arte do conto tão bem como Dalton Trevisan. Alguns críticos fazem restrições, do tipo: tal livro é bom, mas agora deu-se em repetir ad nauseam. Nem todos o criticam por inveja, é claro, mas não diminuem aqueles que apreciam o seu ‘samba de uma nota só’. Bach, Mozart e Beethoven também fizeram muitas músicas que se enquadram nesse juízo. É só rodar um pequeno trecho que já sabemos que é de um deles.
Semana que vem, dia 14, Dalton completará 80 anos. De um dos contos o eterno tema: ‘Eis o ponto final na minha tese: Capitu sem enigma. Esfinge sem segredo. A epígrafe você sabe de quem: ‘se a filha do Pádua não traiu, Machado de Assis chamou-se José de Alencar’. É o último dia de apresentá-la ao Mestre e Orientador’. O conto chama-se O Mestre e a Aluna. O ponto de vista é o da aluna. E posso imaginar o sorriso maroto do autor incrustando a si mesmo como epígrafe num novo conto sobre o velho tema. ‘O que, na minha vez, faria Capitu? Não se sacrificou ao marido e senhor para sua ascensão social? [Devo o mesmo a esse asno pomposo e pançudo?]’.
Os censores pátrios, sempre atentos, não ignoraram nosso vampiro nos anos setenta. E ‘baratas leprosas, com caspas nas sobrancelhas’, proibiram um conto dele. Quem escreve, tem poucos consolos, principalmente no Brasil, mas uma coisa é certa: depois dos leitores, o tempo é nosso melhor aliado.