O Liberal antecipou que a governadora Ana Júlia Carepa não seria convidada para integrar a delegação brasileira que foi a Zurique participar da oficialização da escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de futebol de 2014. Como ousou desmentir a folha dos Maiorana, a governadora foi castigada: sua presença, bem ao lado do presidente Lula e do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, foi minimizada na matéria de O Liberal.
Não que ela devesse ganhar o status de estrela do acontecimento, como foi tratada na matéria do Diário do Pará. O protagonista da sessão foi o governador do Amazonas, o também paraense Eduardo Braga. Ele tem um lobby forte na área ambiental, que pesará muito na escolha da sede amazônica dos jogos da Copa. Não é provável que, mesmo com todo seu glamour internacional, o Norte credencie duas das suas cidades. Logo, a retaliação de O Liberal acabou dando – mesmo que por via oblíqua – um tratamento mais próximo da realidade do que a folha dos Barbalho.
Mas não eliminou o ranço mal contido dos Maiorana contra a governadora. Se os cofres estivessem cheios, como na era dos tucanos, Ana Júlia já estaria sofrendo uma reação mais incisiva. Foi só irritação de O Liberal por mais um erro grave de informação que cometeu, muito simples de evitar se o jornalismo ainda tivesse prioridade na ‘casa’, ou há algum recado implícito na postura editorial do ex-líder do mercado?
O governo continua programando para o Diário do Pará, de Jader Barbalho, anúncios que não são veiculados no concorrente, que só recebe propaganda televisiva e radiofônica. É uma punição, uma medição de forças, um tratamento suasório, ou há algum acerto por trás dessa discriminação? Ela seria tácita, aceita pelos Maiorana? Estaria por conta do que virá quando a ‘casa’ for atrás do que julga lhe caber no convênio da Funtelpa com a TV Liberal, mesmo que precise recorrer à via judicial?
De qualquer maneira, se o governo estadual trata o jornal dos Maiorana a pão e água, enquanto adoça a folha dos Barbalho, o governo federal, que é do mesmo PT, direciona para O Liberal toda a publicidade obrigatória, como atas, editais e comunicados. Coincidência ou um elo da complexa cadeia de interesses?
Marketing da avenida
Só no dia da inauguração, 27, a prefeitura de Belém publicou nos dois jornais diários seis páginas sobre a inauguração da nova avenida Duque de Caxias: quatro em O Liberal e duas no Diário do Pará, diferença que talvez tenha procurado compensar o maior favorecimento à folha dos Barbalho na edição do Círio. Houve ainda outros ‘informes publicitários’ no dia seguinte, domingo.
O Ministério Público ou o Tribunal de Contas dos Municípios podiam verificar se houve critério nessa publicidade ou se o excesso correu por conta da campanha de reeleição do prefeito Duciomar Costa, que já está ostensivamente nas ruas. Podia também tirar as dúvidas sobre o valor da estrondosa obra, de urbanização, ‘revitalização’ e recapeamento asfáltico ao longo dos 2,6 quilômetros da avenida: se os 13 milhões de reais da boataria ou os 7 milhões do discurso oficial.
Agora, avenida verde, só mesmo no marketing.
Sem acordo
Maiorana e Yamada ainda não fumaram o cachimbo de paz, se é que pretendem fazê-lo algum dia. No domingo do recírio os Yamada patrocinaram uma página de ‘informe publicitário’ no caderno de negócios de O Liberal, para fechar o material sobre o encontro anual da associação dos supermercados, que presidem. Mas a veiculação publicitária ficou nisso. Nenhum anúncio atravessou do Diário do Pará e foi pousar na folha dos Maiorana. O jornal dos Barbalho recebeu peças à larga dos Yamada nesse período. O Liberal ficou só com uma página.
O segundo maior anunciante do Pará, depois do governo, continua achando que pode vender – tanto ou até mais do que antes – sem anunciar no outrora todo-poderoso grupo Liberal. Talvez até pudesse voltar a programar os veículos de comunicação se Romulo Maiorana Júnior suspendesse as imposições que fez aos Yamada, como se ainda fosse o todo-poderoso de outrora. Se não voltar atrás, deverá continuar sem os anúncios, parece ser a mensagem dos Yamada. Mensagem que pode se tornar um exemplo para os demais anunciantes da praça.
Custo
Nenhuma corrida no mundo tem tanto espaço para divulgação num jornal quanto a Corrida do Círio teve em O Liberal. Foram oito na edição seguinte à da maratona, disputada no final da quinzena em comemoração a Nossa Senhora de Nazaré. Só a listagem dos atletas que participaram ocupou seis páginas, graças a fotos publicadas e ao uso de generoso espaço na edição do material.
Tanta fidalguia se explica pelo fato de que o próprio jornal, mais a Rádio Liberal, realizam a corrida. Mas também porque a prefeitura de Belém banca a conta do patrocínio. Por se tratar de dinheiro público, a PMB não podia solicitar um pouco mais de comedimento no espaço, ou, seguindo o conselho da ministra do Turismo, Marta Suplicy (‘relaxe e aproveite’), arriscar o reconhecimento do Guiness a esse oneroso recorde?
A imprensa e a energia
Todas as 90 vagas que o Ministério Público ofereceu para um workshop sobre a hidrelétrica de Belo Monte dirigido a jornalistas, no mês passado, foram ocupadas. Os que se inscreveram apareceram no auditório do MPF, que lotou, para as quatro horas de duração da oficina, tendo à frente o jornalista e historiador Glenn Switkes, de uma ONG internacional que tem em São Paulo sua filial brasileira. Independentemente do que foi dito nas exposições e debates, a iniciativa merece ser registrada. O Pará é o sexto maior produtor de energia e o terceiro maior exportador de energia bruta do país.
Esses dois títulos em paralelo, quando confrontados, já mostram a dimensão do problema: o Estado usa internamente apenas parte da energia que é gerada no seu território. Parte considerável vai ser transformada fora dos seus limites. Essa energia não se traduzirá em desenvolvimento para si. Tanto porque a agregação de valor ocorrerá lá fora, como porque quem produz a energia e a transfere não cobra imposto; só quem a consome. Sobre a fração da energia destinada aos cidadãos paraenses incide a maior alíquota de ICMS do Brasil. É o preço que pagamos em nossas casas. Um destino iníquo, colonial.
Os jornalistas deviam saber do que tratam quando escrevem sobre energia, matéria fundamental no Pará dos nossos dias. Mas sabem realmente? O workshop promovido pelo MPF foi a primeira iniciativa para familiarizar os profissionais da comunicação com pelo menos um capítulo dessa história contemporânea: o aproveitamento da bacia do rio Xingu. As empresas jornalísticas é que deviam se preocupar com a qualificação ou reciclagem dos seu pessoal de redação. Mas como, se seus donos só se interessam pela energia que lhes chega na conta (elevada) apresentada pela Rede/Celpa?
Que venha logo um novo encontro, mesmo que as empresas continuem no seu estado letárgico sobre o papel da imprensa na realidade paraense.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)