Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nada mais que a verdade

[do release da editora]

Nasceu de maneira improvável, viveu intensamente e morreu à míngua. Não fosse esse o resumo fiel da história de um dos jornais mais polêmicos do Brasil, seria um bom título de primeira página. Quem não se lembra das manchetes antológicas do Notícias Populares? ‘Nasceu o diabo em São Paulo’; ‘Papai Noel assassinado no pacotão do governo’; ‘Broxa torra o pênis na tomada’. Eternizado como o ‘espreme que sai sangue’, o popular jornal do trabalhador colecionou fãs e inimigos na mesma proporção. Estes finalmente riram por último com a ‘execução’ do jornal, em janeiro de 2001. Dez anos se passaram e o velho NP segue sem substitutos na imprensa brasileira – bem como a principal obra sobre o jornal.

Em edição revista e atualizada, o livro Nada mais que a verdade – A extraordinária história do jornal Notícias Populares (256 p., R$ 63,90), lançamento da Summus Editorial, dos jornalistas Celso de Campos Jr., Giancarlo Lepiani, Denis Moreira e Maik Rene Lima, resgata os detalhes dessa rica história, lembrando fatos importantes e pitorescos – desde a fundação do jornal até a circulação da última edição, com 50 reproduções das primeiras páginas do jornal. A obra conta ainda com um novo prefácio do jornalista Marcelo Coelho e uma apresentação inédita de ninguém menos do que Ebrahim Ramadan, editor-chefe do NP entre 1972 e 1990. Mais que uma biografia do jornal Notícias Populares, este livro é um romance fantástico. Lançamento em 18 de janeiro, às 19h, no Bar Posto 6 (Rua Aspicuelta, 646 – Vila Madalena – São Paulo – SP).

O ‘sumiço’ de Roberto Carlos

A extraordinária história do NP começa em 1959. Depois de ser confinado por Stalin, durante dez anos, nas minas de carvão da Sibéria, o jornalista romeno Jean Mellé desembarca em São Paulo para fugir dos fantasmas da perseguição comunista. Menos de cinco anos depois, acuado pelas próprias lembranças, o ex-preso político alia-se a Herbert Levy, conservador parlamentar paulista, e cria uma arma para contra-atacar o Última Hora, jornal que ambos consideravam o grande veículo de propaganda esquerdista no Brasil, criado por Samuel Wainer e historicamente ligado a Getúlio Vargas.

Assim nasceu o NP, em 1963. Era a esperança da União Democrática Nacional (UDN), de Levy e Carlos Lacerda, para conter a influência popular do rival Última Hora. A vocação política do NP, porém, teria curta duração. Após a tomada do poder pelos militares e o fim da ameaça comunista, o NP foi vendido, em 1965, para Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, da empresa Folha da Manhã, que hoje edita a Folha de S.Paulo. Mellé permaneceu como editor do NP. Com o fim do Última Hora, que também havia sido adquirido por Frias e Caldeira Filho – e acabou sendo preterido em relação ao NP –, Mellé pode, enfim, imprimir mudanças no jornal e o NP começou a ganhar as feições de um jornal popular: com ênfase na parte policial e esportiva, as preferências do povo.

E Mellé não poupou esforços para ampliar as vendas do jornal. Com um faro indiscutível para manchetes explosivas, ele usou e abusou de clichês e dos inúmeros fenômenos jornalísticos. Certa vez, pelos idos de 1968, o jornal estava sem manchete e Mellé pediu a um repórter que telefonasse para Roberto Carlos para produzir alguma reportagem. Tentando localizar o cantor, o repórter ouviu do diretor da TV Record que o cantor estava em Nova York, mas não era possível localizá-lo. Certo de que o assunto estava encerrado, o repórter levou a notícia a Mellé. Ele por sua vez decidiu ‘esquentar’ a notícia e soltou a seguinte manchete: ‘Desapareceu Roberto Carlos’. No dia seguinte, centenas de fãs cercaram a redação em busca de notícias sobre o ídolo. Revoltado, o diretor da Record exigia um desmentido, mas Mellé, no dia seguinte, apenas manchetou: ‘Acharam Roberto Carlos’. Nos dois dias, o jornal vendeu 20 mil exemplares a mais.

Fechamento pegou de surpresa os jornaleiros

A intensidade era a tônica do NP. O jornal viveu um período difícil depois da morte de Mellé, em 1971. Com a troca de comando, as vendas despencaram de 100 mil para 25 mil exemplares. Mas Ebrahim Ramadan, contratado como novo editor, mudou novamente os rumos da história. Para alavancar as vendas, ele investiu em uma overdose de crime e sexo nas páginas do jornal. Para o bem e para o mal, figuras folclóricas, como a mula sem cabeça, as almas penadas, os monstros e os demônios tornaram-se personagens importantes no universo do Notícias Populares, ao lado de alienígenas e outras aberrações.

Em maio de 1975, o Notícias Populares publicou a história do bebê-diabo, que se tornaria um marco no jornalismo brasileiro. O jornal investiu na história bizarra, levando a população a acreditar no nascimento de um menino com chifres e rabo em São Bernardo do Campo. A credulidade popular era tamanha que o NP começou a inventar uma saga para o bebê-diabo. O caso permaneceu na primeira página do jornal por 27 dias, nos quais pessoas ligavam para a redação jurando que viam o bebê-diabo e informando seu paradeiro. A cobertura de Carnaval do NP era outro caso à parte: até os leitores de outras publicações não resistiam às toneladas de fotos picantes tiradas pelos salões de São Paulo, com suas hilárias legendas.

Com o lançamento do jornal Agora, em 1999, pela mesma empresa que o editava, o NP foi desprestigiado. Sem dinheiro para melhorar sua estrutura ou grandes campanhas, a redação começou a fazer milagre com a minguada verba que era reservada ao jornal. O anúncio do fechamento do NP, em 20 de janeiro de 2001, pegou de surpresa até os jornaleiros.