Daniel Piza, jovem e competente jornalista, anunciou há poucas semanas (O Estado de S.Paulo) a morte do colunismo literário. Como? Falta de bons autores, e não exclui nem os remanescentes da antiga Academia. Tudo nota zero? Nem tanto. Se os colunistas deixassem de lado a eterna repetição das mesmas estrelas tutelares de 1922/1930/1945 encontrariam material de excelente nível. Estou surpreso até com o silêncio que pesa sobre coletâneas de bons autores e suas indagações sobre o homem e a vida neste Brasil cada mais incaiporado.
Querem um exemplo? Cito: A casa nossa de cada dia (UFPE) reúne uma profunda indagação dos aspectos objetivos e subjetivos da cidade. Os nomes são competentes e consagrados: Sérgio Paulo Rouanet, diplomata e professor da Universidade Nacional de Brasília (Unb), José de Anchieta Corrêa, filósofo e professor emérito da UFMG, Lúcia Leitão, professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFA (Alagoas), Luis Amorim, professor da PPDU da UFPE, Leonardo Bittencourt, da Universidade Federal de Alagoas UFA e Maria Aparecida Lopes Nogueira, da UFPE. Lúcia Leitão e Luis Amorim comandaram um ciclo de conferências sobre um tema candente. A socióloga Bárbara Freitag, da UnB, abriu o seminário, cabendo a Rouanet a palestra de encerramento.
Desigualdades que se acentuam
Pensam vocês que estas indagações notáveis ficaram circunscritas aos aspectos da obra e da vida dos arquitetos ilustres? Engano lego e cego. Há cidades inesquecíveis e Rouanet cita três: Recife, Rio de Janeiro e Paris. O que é a cidade e a nossa casa para os brasileiros sabendo, como sabemos, que temos cerca de 100 milhões de brasileiros com renda de um salário mínimo (R$ 465,00), incluindo-se aposentados do INPS, professores aposentados e da ativa do ensino elementar (antigo curso primário) e os felizardos do Bolsa Família do Patrus e Lula?
Quem entrou fundo na questão (quem fala em casa tem que entrar) foi o filósofo mineiro José de Anchieta Corrêa. Para ele, ambas – nossa casa e nossa cidade – são como extensões de nosso corpo. Lembro de Merleau-Ponty, para quem o próprio corpo é fundamento do espaço. Corrêa, depois de entrar na casa, avança e faz-nos perguntas: e o tempo vivido sem o espaço físico, a casa e a terra? O que é a terra sem o homem e o homem sem a terra?
Em um país dominado pelas elites coloniais e agora mercadores do dinheiro, a globalização (isto é civilização?) é cruelmente urbana. O que vale para elogios imediatos com assinaturas e designer de arquitetos famosos como Oscar Niemeyer e tantos outros. Daniel Piza não conheceu o pintor Vicente de Abreu (mineiro perseguido pelo golpe de 1964), o primeiro crítico de Niemeyer que, segundo Vicente, copiou os riscos de um colega stalinista (Vicente tinha as fotos) e estava longe da realidade brasileira. Como pensar a nossa casa de cada dia, se nossos políticos privilegiam os ricos e governo algum – principalmente o atual – teve a coragem de ‘corrigir’, apesar da herança histórica, as grandes desigualdades sociais que, entre nós, a cada dia mais se acentuam (José de Anchieta Corrêa), página 41, A casa nossa de cada dia.
Vivem no mundo da lua
Na verdade, o século 20 foi construído para as camadas mais beneficiadas da nossa economia (apenas 20% da população). Nunca se cogitou de a arquitetura ser também um saber de demolição do sistema de exclusão dos mais pobres. Ou seja: ser uma instituição destinada a lutar pela incorporação de valores éticos e pelo menos participar de uma revolução (não é comunismo não, gente!) em favor dos oprimidos. O pouco ou quase nada que se tentou foi no Congresso Mundial dos Arquitetos (UIA), em 1966 (Barcelona). Nada mais. E os arquitetos continuam no seu mister de projetar, inventar, deglutir e ‘mandar’ seus pensamentos que jamais figuraram nos riscos de Niemeyer. Para este tipo de gente, a casa se movimenta e vive, como diz o poeta João Cabral de Melo Neto, indecisa entre ser tempo-espaço (J.C.M.N. Obra Completa, volume II, Nova Aguilar, 2003).
Seja como for, o elitismo da profissão de arquiteto salta à evidência no livro. Os brasileiros citados (Niemeyer, Lúcio Costa, Milton Santos e Nestor Goulart Reis Filho) cuidam de ‘copiar’ as metrópoles norte-americanas. Pena que os autores parecem desconhecer que o dramaturgo Eugene Ionesco, já nosso visitante e amigo, declarou numa entrevista a Sérgio Buarque de Hollanda o que há de pior na cultura ianque, ou seja, os espigões verticais, quando teve início a derrubada das nossas imensas e belas vivendas. Por fim, lamentar que os brilhantes autores do livro nunca atacaram as primitivas ‘casas’ que servem de esconderijo para os nossos milhões de miseráveis que continuam abandonados no vasto interior brasileiro. Vejam como moram os nordestinos.
Falta de assunto ou mau jornalismo, como diz Daniel Piza, certamente não é o caso. E não é que Bárbara Freitag (Teoria da Cidade – Editora Papirus, col.VI) pelo menos fala em repensar a crise das cidades americanas nesta virada do 3º milênio? O mundo global está aí e pobres dos roceiros. Que tal acrescentar que o ano 3100 não chegará (lembram-se daquele a 1000 chegarás, mas 2000 não passarás). Conclusão? O meu sobrinho arquiteto, Namur Paiva Rocha, diz que os arquitetos vivem sempre no mundo da lua. O mundo de Wendell L. Wilkie (opositor e depois agregado de Franklin Delano Roosevelt) é o mundo de poucos. Foi certamente o que uniu Roosevelt e a indústria militar, que até hoje mantém o poder nos Estados Unidos.
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Jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais; co-autor do Código de Ética dos Jornalistas (1985)