A interrupção do fornecimento de energia elétrica que deixou no escuro mais da metade do país na noite de terça-feira (10/11) produziu um apagão geral também na imprensa e nos principais protagonistas da política nacional.
Desde o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, até os comentadores polivalentes que pululam na mídia, sempre dispostos a pontificar sobre qualquer coisa, contam-se aos montes as declarações sem sentido, análises sem pé nem cabeça e tentativas de manipulação de um episódio cujas causas reais ainda não estavam claras nas edições dos jornais de quinta-feira (12).
Oficialmente, a pane foi causada pelo mau tempo. Um raio teria desativado o sistema de transmissão na cidade paulista de Itaberá, provocando o efeito dominó que derrubou a rede interligada por grande parte do país. Os técnicos também investigam a ocorrência de um raio sobre um transformador numa estação de Furnas, no município de Mogi das Cruzes.
No festival de desencontros, o ministro das Minas e Energia tentou desviar o foco do sistema de distribuição. Afinal, Furnas pertence à cota de cargos do PMDB, do qual Edison Lobão é um dos luminares. Como os dois incidentes ocorreram no estado de São Paulo, houve também quem tentasse jogar a origem do problema no colo da Cesp.
Informação e especulação
Em meio às evidências de que ocorreram tempestades com fortes descargas elétricas junto às torres de transmissão, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vai na contramão das explicações oficiais. Segundo técnicos do Grupo de Eletricidade Atmosférica do Inpe, o instituto não detectou descargas elétricas próximas às linhas de transmissão na região de Itaberá. No entanto, a reportagem do Estado de S.Paulo localizou pelo menos uma testemunha de que fortes raios perto da linha de transmissão coincidiram com o início do problema.
O que se leu e ouviu nas 24 horas seguintes ao incidente caberia num festival de besteiras capaz de orgulhar o lendário Stanislaw Ponte Preta. A política contaminou as discussões técnicas e a imprensa não soube – ou não quis – separar informação de especulação.
Tudo indica que, junto com a eletricidade, o Brasil sofreu também um apagão de inteligência.
Uma questão grave
É bem provável que a politização do problema energético acabe por dissimular a questão central: o modelo brasileiro de produção e distribuição de energia é adequado para as dimensões do país e suas características demográficas? Quais são os outros riscos a que a população pode estar submetida, além da falta de energia?
Essas e outras questões vêm sendo debatidas em seminários e encontros setoriais há anos, praticamente sem cobertura da chamada grande imprensa. Decisões importantes são tomadas sem que a sociedade tenha a oportunidade de se informar a respeito de todas as alternativas.
Uma coleta cuidadosa no noticiário sobre o apagão desta semana permite observar que incidentes desse tipo são muito comuns por todo o mundo. Nos Estados Unidos e na Europa, tempestades de neve costumam interromper o fornecimento de energia, com blackouts que podem durar dias.
O problema não está na ocorrência, praticamente inevitável, mas na sua extensão e frequência.
Estado de alerta
Ainda com base no que publica a imprensa desde quarta-feira, é preciso levar em conta também que as mudanças climáticas deverão tornar ainda mais vulneráveis as grandes redes de transmissão interligadas, por causa da previsão de tempestades mais freqüentes e cada vez mais intensas. A ocorrência de raios deve aumentar 18% no território brasileiro nos próximos dez anos, conforme lembra o Globo.
Finalmente, convém também destacar a oportunidade da crise para informar a sociedade sobre outras vulnerabilidades do setor de geração e distribuição de energia do Brasil. Talvez seja hora de ouvir as vozes dos especialistas que defendem há anos a busca de fontes alternativas mais eficientes e seguras. Paralelamente, cabe a discussão do modelo de desenvolvimento, excessivamente concentrado nas grandes cidades do sudeste do país.
Por outro lado, convém observar que o apagão prolongado trouxe a evidência de um risco adicional: segundo a Folha de S.Paulo, as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2 entraram em alerta pela primeira vez na noite de terça-feira (10), porque não havia energia para o sistema de resfriamento dos reatores.
A questão é séria demais para a imprensa ficar dando espaço a picuinhas de políticos ociosos.