Durante a crise do gigantesco vazamento de óleo da British Petroleum, no ano passado, o autor americano Eli Pariser pediu a duas pessoas, que ele conhecia e vivem na mesma região do país, que googlassem “BP”. No primeiro resultado de buscas, uma delas recebeu notícias sobre o desastre ecológico e suas consequências. A segunda busca gerou informações sobre as ações da companhia e dicas financeiras. E daí?, perguntará o leitor que, além de não viver de pesca na Louisiana, não investe em ações de companhias de petróleo.
O exemplo acima ilustra o argumento do livro recém-lançado por Pariser, The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding From You (A Bolha do Filtro: O Que a Internet Está Escondendo de Você). E o você do título é qualquer internauta.
Lá vem mais uma ludita acenando com cenários orwellianos, dirá o homo ciberneticus, em beatitude constante com sua existência digital. Reconheço que há uma espécie de racha ideológico alimentado pela ignorância da grande maioria dos leitores, e me incluo entre eles, sobre as entranhas da tecnologia da informação. Vivemos numa gangorra bipolar em que os especialistas inspiram euforia ou depressão sobre o significado de viver online.
O livro de Eli Pariser é um bom exemplo. Não deve ser tomado como prova do fim dos tempos, mas soa um alerta válido e ilumina um fato que grandes corporações de mídia gostariam de manter obscuro: vivemos cada vez mais em casulos de informação, zonas de conforto impostas por modelos matemáticos. Daí os resultados tão diferentes quando duas pessoas googlaram “BP”.
Potencial sinistro
Outra experiência narrada por Pariser, um ex-diretor do MoveOn.org, o movimento à esquerda do espectro político americano que ajudou a mobilizar o voto pró-Obama, se passou no Facebook. Ele notou que seus amigos conservadores começaram a sumir das atualizações de sua página. Só recebia notícias de seus amigos politicamente liberais. O gigante da mídia social havia decidido que, por surfar em sites progressistas, Pariser devia “se afastar” da companhia de direitistas.
A personalização das ferramentas de busca para otimizar a venda de publicidade foi vendida como uma conveniência para combater o excesso de informação irrelevante. E, de fato, é muito prática se você está buscando uma farmácia aberta durante 24 horas no seu bairro. Mas, se há um desastre ecológico em curso e uma ferramenta de busca que seleciona para você dicas de ações da companhia responsável pelo estrago, caímos no paternalismo do algoritmo que faz escolhas por nós.
O autor de The Filter Bubble alega que, por ser silenciosa e invisível, a bolha seletiva criada por sites como o Google, Yahoo e o Bing tem um potencial sinistro de moldar e limitar nosso acesso à informação. E, se consideramos o instrumento da seleção em regimes autoritários, ela adquire controles mais amplos. Enquanto a história de fazia nas ruas do Cairo, o incauto que buscasse “Praça Tahrir” poderia ser dirigido a pacotes turísticos. Eli Pariser sugere que as corporações sejam mais transparentes sobre os métodos que usam para traçar nosso itinerário online.
Morte do esquilo
Os algoritmos usados nas buscas – e é bom lembrar que algoritmo não pensa -, ao passarem de árbitros da seleção de anúncios a editores invisíveis do conteúdo que acessamos, vão induzindo o que Pariser define como um estado de autodoutrinação progressivo. Passamos a consumir informação que nos interessa e o conhecimento do mundo vai sendo engessado, como no exemplo dos amigos de Pariser no Facebook, pela companhia de gente com preocupações políticas idênticas.
Pariser lembra que a exposição à diferença do outro é uma proteção preciosa para não esquecermos dos limites da nossa compreensão da realidade. E argumenta, com razão, que é da natureza humana buscar conforto e reafirmação. Neste admirável mundo novo da personalização e do hiperentretenimento, diz ele, quantos vão clicar “curtir” no topo de uma notícia de guerra civil na África?
Pariser sugere que aos internautas seja dado um acesso muito maior a recursos de controle dessa seleção nada natural. É uma forma de resistir à engenharia da visão de mundo, promovida sem reservas pela mídia social. Ele diz que uma das inspirações para o livro foi um comentário do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg: “Um esquilo que morre no seu jardim tem mais relevância para você atualmente do que gente morrendo na África”. Se é cada vez maior o número de pessoas apenas preocupadas com a morte do esquilo, o que isso representa para o futuro da sociedade?
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[Lúcia Guimarães é jornalista em Nova York e colunista do Estado de S.Paulo]