Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O destino da floresta

A imprensa acompanha por alto as discussões sobre o Código Florestal no Senado, passando aos leitores a convicção de que a causa está sacramentada por meio de um acordo entre os grandes partidos e o governo federal.

Pelo teor do noticiário dos últimos dias, a pendência estaria decidida, não da forma como pretendiam os ambientalistas nem de acordo com o projeto de terra arrasada defendido no relatório parido na Câmara dos Deputados, assinado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Mas nada disso está definido. Parte dos senadores pretende adiar a votação para o ano que vem e uma ação do representante do PSOL, ao exigir o cumprimento de formalidades regimentais, como a leitura completa do requerimento de urgência, atrasou a decisão.

Manobra regimental

Paralelamente ao noticiário sobre os debates no Senado, os jornais divulgam novos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, cujos satélites registram uma nova alta no desmatamento da Amazônia, que coloca o estado de Rondônia outra vez no topo do ranking dos destruidores de florestas.

Os dados correspondem a fatos ocorridos no mês de outubro e são relacionados ao aumento da atividade econômica em torno das obras de usinas hidrelétricas no Rio Madeira.

Um estudo preliminar sobre o aumento da destruição já incomodava a delegação brasileira presente à 17ª Conferência do Clima, que se realiza na África do Sul. Uma das preocupações dos ambientalistas é que a aprovação do Código Florestal produza constrangimentos internacionais se o Brasil assinar compromissos pelo corte de emissões de gases nocivos ao meio ambiente e, por conta da nova lei, não for capaz de cumpri-los.

O novo impasse em torno do projeto de legislação ambiental foi provocado pela demanda de senadores do Nordeste do país, que tentam introduzir no Código autorização para a produção de camarão em manguezais, geralmente situados em Áreas de Preservação Permanente.

Se for considerada atividade de interesse social, a pesca de camarão e coleta de crustáceos poderá ser liberada nessas regiões – o que, na opinião dos ambientalistas, equivaleria a tirar delas o status de áreas preservadas, dada a impossibilidade de controlar o acesso.

Um acordo nesse sentido já havia sido negociado entre os grandes partidos quando o representante do PSOL decidiu usar o regimento para adiar a votação do regime de urgência. Não fosse essa manobra, e a aprovação do Código Florestal estaria na manchete dos jornais ainda nesta semana.

O mito da “opinião média”

Os ruralistas, evidentemente, apoiam a demanda dos parlamentares do Nordeste quanto à liberação dos mangues para atividades pesqueiras. A despeito de todo o conhecimento científico a respeito da importância dessas zonas alagadas para a renovação da fauna marinha, eles querem que os manguezais deixem de ser considerados áreas de preservação.

Da mesma forma, querem impedir que os comitês de bacias hidrográficas tenham autoridade para decidir sobre a necessidade de aumento da proteção nas margens dos rios mais ameaçados pelo desmatamento.

Os debates transmitidos pela TV Senado dão um retrato mais claro do pensamento da bancada ruralista do que o noticiário dos jornais, e permitem entender os riscos que corre o patrimônio ambiental do Brasil e as próprias chances de um projeto de desenvolvimento sustentável, se prevalecer tal mentalidade predadora.

A ação dos representantes do que há de pior no agronegócio pode ser observada em variados aspectos, como, por exemplo, no projeto de divisão do estado do Pará.

Curiosamente, a questão ambiental não é contemplada no noticiário sobre o plebiscito para a criação dos estados de Carajás e Tapajós. No entanto, é quase uma obviedade que, sem um projeto de desenvolvimento sustentável, a divisão do Pará vai produzir novas zonas de pressão sobre a floresta amazônica.

Os defensores da divisão citam o desenvolvimento econômico que favoreceu o centro-oeste do país com as divisões dos estados de Mato Grosso e Goiás e o surgimento de Mato Grosso do Sul e Tocantins, mas poucos se referem ao modelo de desenvolvimento que se instalou na região. Cria-se riqueza, aumentam-se as exportações de produtos básicos, mas aumenta a desigualdade social e depreda-se o patrimônio ambiental.

Da mesma forma, os debates em torno do novo Código Florestal passam longe de propostas para o desenvolvimento econômico sustentável. O acordo que quase foi votado tem como argumento principal, entre os ruralistas, o alcance de uma suposta “opinião média” dos brasileiros, sem que seus propagandistas expliquem onde e como foi colhida essa opinião.

A imprensa compra esses argumentos e o Código pode ser afinal aprovado sem que a sociedade tenha participado de uma decisão que pode afetar profundamente as futuras gerações de brasileiros.