Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O encanto dos Jogos Pan-americanos

Não me lembro se era a revista Manchete, ou Fatos & Fotos. Só sei que lá estavam, em fotos grandes e posadas, numa matéria que guardei por muitos anos, os heróis brasileiros das 11 medalhas de ouro nos Jogos de Winnipeg, Canadá, em 1967.

A revista sumiu há muito tempo, mas guardo na memória a imagem do elegante tenista Thomaz Koch, todo de branco, campeão nas simples e duplas, sorrindo ao lado do parceiro Edison Mandarino. Lembro-me também do altivo velejador Joerg Bruder, posando com seu finn; do lendário Nelson Pessoa montado no cavalo que lhe deu o ouro por equipes na prova de saltos; das meninas do basquete, com a bola, sentadas na quadra; do nadador José Sylvio Fiolo, com o peito nu repleto de medalhas (duas de ouro e uma de bronze); do esgrimista Artur Teles; dos judocas Akira Ono e Takeshi Miura. Na verdade, só não me recordo dos velejadores Nelson Piccolo e Carlos Henrique de Lorenzi, vencedores da classe snipe

Sempre que tento descobrir porque gosto tanto dos Jogos Pan-Americanos, volto às fotos de Winnipeg em 1967. Depois tive outros motivos para me afeiçoar aos Jogos, mas naquela época eu era apenas um adolescente. Estava a dois meses de completar 15 anos e muita coisa mudava em meu corpo e minha mente. Cresci e passei a me impor no futebol, a ponto de me tornar titular dos times de campo e salão do colégio, comecei a tocar bateria, arrumei a primeira namorada, enfim, de uma hora para outra o mundo ficou cheio de sensações e significados. Espelhar-se em ídolos do esporte é uma das características dessa fase e provavelmente por isso aqueles heróis do Pan calaram tão fundo em mim.

Talvez, acostumado a admirar as diabruras do Santos de Pelé, não tivesse a dimensão exata do esporte, que distribui emoção e glória para muitas outras modalidades além do futebol. Sim, meu interesse poliesportivo certamente nasceu ali, diante da imagem daqueles campeões impávidos, que me enchiam de orgulho por serem brasileiros tão versáteis, talentosos, confiantes, superiores.

Luta por medalhas

Muitos anos depois, como jornalista do Jornal da Tarde, tive a extrema felicidade de fazer minha primeira cobertura internacional nos Jogos Pan-americanos de San Juan de Porto Rico, em 1979. Preparei-me como poucos para o trabalho. Acreditava que, como a equipe de esportes do JT havia conquistado o Prêmio Esso de 1978 pela cobertura da Copa do Mundo da Argentina, eu e o jornalista Castilho de Andrade, designados para cobrir o Pan de Porto Rico, também teríamos chances de brigar pelo mais importante prêmio do jornalismo brasileiro.

O Jornal da Tarde deu um bom espaço para a cobertura e eu e o ‘Casta’ ainda fomos auxiliados pelos jornalistas Ney Craveiro e Luís Fernando Lima, do Estadão. Mas o diferencial do nosso trabalho foi criar pautas e enfoques diferentes. Segui o conselho do Fernando Sandoval, da IstoÉ, com quem dividi o apartamento no Holliday Inn, e fugi do factual em várias matérias.

Falei até da discutida semi-independência de Porto Rico, artigo que me valeu uma bronca do subeditor Belmiro Sauthier.

Dois meses depois, porém, quando estava em Ribeirão Preto cobrindo Comercial e Flamengo, o jornalista Sidney Quartier, esbaforido, veio avisar que eu e o Castilho havíamos ganho o Prêmio Esso de Informação Esportiva. Claro que foi uma das melhores sensações da minha carreira e é óbvio que eu a devo a tanta gente e à filosofia do Jornal da Tarde de abrir espaço para o noticiário esportivo. Mas, lá no fundo, eu sabia que tudo havia começado lá em 1967, ao ver os campeões daquele longínquo e romântico Pan-Americano.

Nunca mais cobri um Pan, mas até hoje acompanho a todos com carinho e atenção. Gosto da competição por reunir os povos americanos, por dar a pequenas e pobres nações a oportunidade de viver momentos de orgulho e sonho. Gosto, principalmente, porque ela é generosa com os brasileiros, que podem lutar de uma maneira mais justa e digna pelo pódio.

É evidente que a Olimpíada, realizada sempre no ano seguinte ao Pan, tem um nível técnico bem superior. A participação de poderosos países da Europa, além de Japão, China e Austrália, tornam a luta por medalhas dramática e, quase sempre, frustrante para nações emergentes, como o Brasil.

Histórias de superação

Ninguém discute que uma medalha olímpica tem muito mais valor. Mas daí a desmerecer os Jogos Pan-Americanos, a segunda competição poliesportiva do mundo, vai uma grande distância. O Pan não é só esporte. É uma rara oportunidade de congraçamento entre americanos do Norte, Centro e Sul. Ainda bem que ao menos a imprensa brasileira entende o significado e a importância destes Jogos que reúnem o universo complexo e desigual das Américas.

Há de tudo no Pan: das potências esportivas Estados Unidos e Cuba, secundados por Canadá, México, Brasil e Argentina, até nações que se sentiriam felizes com uma medalhazinha de bronze. Aí está o encanto. Aí está a história humana e comovente que move as batalhas esportivas.

Verdadeiros deuses do esporte começaram sua carreira vitoriosa nos Jogos Pan-Americanos. O nadador norte-americano Mark Spitz e os triplistas brasileiros Ademar Ferreira da Silva e João Carlos de Oliveira estão entre eles. O Pan exige atenção total do espectador, pois a qualquer momento, em qualquer modalidade, pode estar nascendo uma estrela.

Finalmente, o Pan dá ao brasileiro a possibilidade de torcer e sonhar com medalhas em quase todas as modalidades. Ainda mais quando os Jogos são realizados em nosso país, como neste 2007. Na primeira vez em que a competição foi disputada no Brasil, em São Paulo (1963), a equipe nacional ficou em segundo lugar, superada apenas pela norte-americana. Agora, teremos novamente o privilégio de testemunhar histórias de superação e sucesso que só poderão ser explicadas pela magia que acompanha os Jogos Pan-Americanos desde o longínquo 1951, quando Buenos Aires deu o primeiro passo para o congraçamento esportivo das Américas.

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Texto da quarta capa

O que vale mais: a marca inalcançável de um superatleta, ou a façanha improvável de um competidor que pela primeira vez coloca seu país na galeria dos campeões? Não importa. Desempenhos assombrosos e dramas tocantes convivem apaixonadamente nos Jogos Pan-americanos desde 1951.

Segunda maior competição poliesportiva do mundo, com 42 países e 5.500 atletas, o Pan é essencial para o desenvolvimento esportivo das nações americanas. Ele tem o dom de transformar jovens talentosos em deuses do esporte. Foi assim com Mark Spitz, Carl Lewis, Cassius Clay, Adhemar Ferreira da Silva e centenas de outros.

Você sabia que todos os cubanos que conquistaram medalhas de ouro na Olimpíada de Atenas competiram no Pan de Santo Domingo? Ou que o salto triplo do Brasil subiu ao pódio em oito edições seguidas (1951 a 79)? Estas são algumas das 100 mil informações contidas neste livro.

Com fotos e diagramação deslumbrantes e impressão de primeira, Heróis da América, a história completa dos Jogos Pan-americanos – trabalho de cinco anos do jornalista e escritor Odir Cunha – é obra imprescindível para todos que amam o esporte.

Com capítulos sobre cada edição dos Jogos, curiosidades, medalhas do Brasil, todos os pódios de 1951 a 2003, estatísticas, perfis dos principais atletas e referências históricas, este não é apenas o livro mais completo sobre os Jogos Pan-americanos. É uma obra-prima da literatura esportiva que não pode faltar na sua biblioteca.

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Jornalista e escritor