A primeira edição da obra de Miguel de Cervantes (1547-1616), datada de 1605 e 1615 em Madri, está agora disponível no portal da Biblioteca Nacional Espanhola, El ingenioso Don Quijote de la Mancha (Quixote, em espanhol medieval). Uma ideia que poderia ser utilizada aqui pela nossa Biblioteca Nacional, visto que nossos livros são os mais caros do mundo, mesmo o Brasil sendo um grande produtor exportador de papel.
No Brasil, o livro é conhecido comumente como Dom Quixote. O romance do ‘engenhoso fidalgo’ pode ser lido a partir de agora como qualquer e-book, virando as páginas da tela, trocando o tipo de letra ou seu tamanho. Ao trabalho de digitalização das 1.282 páginas da edição foram acrescentados diversos complementos para tirar mais proveito da obra, informa a BNE.
Estão incluídos ‘mapas interativos de rotas’, com os itinerários das viagens de Dom Quixote, uma cronologia de fatos relativos à obra, seu contexto – a vida no século 17, os livros de cavalaria – e seu autor, referências a outros livros da BNE, ilustrações e gravuras da época e links para enviar trechos por e-mail ou Facebook.
Os ventos dos pampas não brasileiros
Imagino as obras de Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, Monteiro Lobato, Jorge Amado etc. neste mesmo formato. Seria um deleite imensurável, além de que seria uma verdadeira inclusão digital e literária. Ao invés de patrocinar tantos eventos dos mesmo produtores ‘culturais’, seria muito mais útil que o Ministério da Cultura investisse em projetos similares ao espanhol.
A obra não foi simplesmente escaneada. É possível ouvir música e até ‘o som real das páginas’, ao serem viradas. À iniciativa sobre a obra-prima da literatura espanhola soma-se a apresentada no mês passado pela Real Academia Espanhola (RAE) e pelo YouTube, que permite que internautas do mundo todo exponham nesse site vídeos com a leitura do livro.
Eu havia iniciado a leitura de uma versão da obra máxima de Cervantes que estava em espanhol arcaico, em uma fotocópia de uma edição de 1929. Uma amiga uruguaia de muita estima havia emprestado o livro, mas como estava de mudança para Buenos Aires em menos de duas semanas, resolvi fazer a cópia para ser meu livro de cabeceira e de viajem. Assim, adentrei ao mundo hispânico poeticamente e por terra, pela fronteira entre Uruguaiana e Paso de los Libres, senti os primeiros ventos dos pampas não brasileiros.
Um modismo a ser copiado
Mesmo quem não domine o espanhol pode deleitar-se ao ler esta versão, pois ela está em um espanhol mais próximo do português que o atual. A dificuldade é que se vê literalmente as letras como foram prensadas à época, o que dificulta enxergar com clareza as palavras. Mas a tecla ‘Ver Transcripción’ transcreve o livro para o formato Times New Roman. Para ajudar nas primeiras páginas, você pode, caso queira, utilizar um tradutor, se não pretende fazer um curso de espanhol. Particularmente, mesmo não sabendo o idioma de Sancho Pança, creio que um dicionário para alguns termos já é mais que suficiente. Recomendo o Word Reference porque, além de traduzir termos, lhes dá contexto de uso.
Aos desavisados, o primeiro capítulo começa na página 26; muitos desistem no prólogo. Também existem outras contextualização que eram costume à época antes do texto em si. Aguardemos que além de péssimos costumes e modismos do exterior, este também seja copiado aqui no país.
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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC