As imagens das manifestações dos “indignados” voltam aos jornais nas edições de sexta-feira (4/11). Na Folha de S.Paulo, é a principal fotografia da primeira página, tendo logo abaixo uma imagem dos estudantes que ocupam a reitoria da Universidade de São Paulo. Não se pode acusar a Folha de estar forçando uma comparação entre os dois acontecimentos, mas não há muitas outras maneiras de ler essa escolha editorial, principalmente porque as duas fotos são unidas pela legenda: “protesto lá” e “protesto cá”.
Aos outros grandes jornais não ocorreu fazer essa correlação, mesmo porque não há uma ligação direta entre eles: os protestos que começaram com o movimento “Ocupe Wall Street” têm como objeto questionar o sistema econômico e exigir das autoridades o fim de privilégios para o capital especulativo. Na USP, o que acontece é que um pequeno grupo de estudantes afiliados a tendências políticas sem contornos ideológicos definidos tenta pela força fazer retroceder uma decisão tomada democraticamente em assembléia.
Comparar os dois acontecimentos é tentar minimizar um dos fatos sociais mais importantes deste século – a revolta dos cidadãos nos países desenvolvidos contra os desvios do capitalismo.
Quadro claro
No caso das manifestações globais, a imprensa não tem condições de fazer a cobertura mais ampla e noticia pontualmente os fatos conforme eles se tornam mais agudos. Nas edições de sexta-feira (4), por exemplo, os acontecimentos e as imagens que chamam mais atenção ocorreram no porto de Oakland, Califórnia, onde houve depredações e uma ação violenta da polícia.
Os jornais brasileiros acompanham o noticiário das agências internacionais de notícias, mesmo porque não haveria como manter correspondentes ou enviados especiais em todos os lugares onde os cidadãos se concentram para manifestar sua indignação. Ainda assim, mesmo com os protestos espalhados por um grande número de cidades – a imprensa cita entre 900 e mil cidades em uma centena de países –, é possível identificar uma linha causal para essas manifestações.
É o mal-estar na globalização. Os cidadãos comuns, aqueles que precisam batalhar diariamente para manter seu bem-estar e assegurar uma vida digna para seus descendentes, percebem que boa parte de seus esforços é desviada para fazer o lucro de uma minoria de privilegiados.
Embora pareça um pouco genérica a afirmação, publicada pelos jornais, de que os “indignados” repudiam um sistema financeiro que, acreditam, beneficia principalmente as grandes corporações, é possível pintar um quadro bastante claro dessa percepção generalizada.
A culpa é dos gregos?
Quem acompanha os movimentos de protesto através das redes sociais tem acesso a muitos documentos que circulam entre as centenas de milhares de manifestantes e os milhões de cidadãos em todo o mundo que os apoiam. Alguns desses textos, como o artigo da ativista política americana Naomi Wolf, publicado na sexta-feira (4) pelo Estado de S.Paulo, são muito esclarecedores.
Uma das porta-vozes do “Ocupe Wall Street”, Naomi Wolf acusa os políticos americanos de se haverem desviado da democracia e afirma que as grandes doações de bancos – como o JP Morgan – a entidades policiais dos Estados Unidos têm estimulado as forças de segurança a aumentar a repressão contra os manifestantes.
A afirmação de que os protestos contra o sistema financeiro global são genéricos demais para serem definidos em material jornalístico não tem fundamento. Na organização das manifestações há cientistas de várias especialidades, escritores e jornalistas habituados a análises complexas da economia e da política. Eles fazem circular resumos de pesquisas sobre o estado do mundo que não se encontram nas páginas dos jornais.
Entre os documentos que circulam nas redes sociais destaca-se um estudo dos matemáticos James Glattfelder, Stefano Battiston e Stefania Vitali, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos (ver aqui o original em inglês e aqui a referência em português), demonstrando que a economia global é dominada por um grupo restrito de corporações – exatamente 147 companhias intimamente relacionadas, a maioria bancos – que controlam 40% de uma rede de 1.318 outras empresas.
Essa rede detém a maioria das ações das principais companhias do mundo, responsáveis por 60% das vendas na economia real de todo o mercado global.
Trata-se da primeira investigação sobre a arquitetura da rede internacional de donos do poder econômico, com a análise computacional da parcela de poder de cada um desses controladores. O estudo mostra como a estrutura do chamado “mercado” afeta a competição global, provoca instabilidades e transforma governos em reféns.
Evidentemente, esse quadro não está nem estará presente nas páginas da imprensa tradicional. Para os jornais, a culpa é dos gregos.