Quando se analisam fenômenos ligados à realidade social, inclusive no campo da comunicação, é sempre útil recordar as palavras do prêmio Nobel de Literatura mexicano, Octavio Paz, para quem “a busca do futuro termina, inevitavelmente, com a conquista do passado”.
No início dos anos 70, o curso de Comunicação da UnB sofreu uma reestruturação profunda, cujas bases estão presentes até hoje, por meio da ação de alguns dos professores e pesquisadores remanescentes daquele período. Não se falava muito em cidadania naquela época. O contexto era outro. A preocupação imediata era a reconquista da liberdade e, para isso, buscavam-se formas alternativas de ação, que visassem principalmente a fazer com que a comunicação fosse colocada a serviço do desenvolvimento, que deveria ser concebido de maneira diferente da visão então dominante. Para isso, a inspiração era buscada em filósofos do tipo de Maritain e Mounier e, mais perto de nós, nas ideias básicas formuladas por pensadores como Paulo Freire.
Desenvolvimento não podia ser visto como sinônimo de crescimento e basear-se na experiência de alguns poucos países. Fatores culturais e sociais tinham que ser levados em consideração. E, no campo da publicidade, por exemplo, como hoje no de marketing, não questionassem sua função no controle da informação. Na medida em que essa concepção fosse implementada, necessariamente levaria a questionamentos sobre a democracia, então ausente no país, e estimularia ações que, hoje, caem nas preocupações dos que pensam em reforçar a cidadania para aperfeiçoar a democracia.
Quem se recorda da origem do nome Ceilândia?
Na realidade, a ação do conjunto dos integrantes do curso de Comunicação naquele período de reformas não era monolítica. Alguns optavam por limitar-se à formação técnica profissional e, por exemplo, em campos como o da publicidade, não se questionava sua função no controle dos meios de comunicação. Em realidade, o curso assegurava, com eficiência, creio, a formação básica profissional de jornalistas em todos os veículos (o que implicava atividades na área de rádio, jornal, televisão e cinema documentário), de profissionais para a publicidade e de especialistas em relações públicas, em particular, tendo em vista as características de Brasília, na área de relações públicas governamentais. Mas, a ambição do grupo, em geral, ainda que não formulada explicitamente (o que, aliás, não era possível), era mais ampla.
Todos, ou quase todos, sonhavam com a redemocratização do país e buscavam ver como a comunicação poderia colaborar para alcançar esse objetivo. O contato com especialistas do mundo inteiro que tivessem uma visão da comunicação voltada para o social – e, particularmente, com especialistas latino-americanos, como Juan Diaz Bordenave (Paraguai), Luís Ramiro Beltrán (Colômbia), Antonio Pasquali (Venezuela) e outros – foi, na época, um instrumento de abertura e de legitimação dessa corrente.
Na época, em tempos de ditadura, a atmosfera era escura, mas ninguém tinha dúvidas sobre o que fazer para transmitir aos estudantes o domínio de técnicas que lhes assegurassem um futuro profissional. Houve muita ação, experiências didáticas de cursos em bloco foram lançadas, o curso equipou-se para lançar jornais-laboratórios, preparar emissões de rádio e de televisão, elaborar documentários, lançar campanhas publicitárias, que inclusive receberam prêmios nacionais. Quem se recorda hoje, em Brasília, que o nome da cidade-satélite Ceilândia originou-se de uma ação organizada pelos estudantes de publicidade da UnB em torno de uma campanha de erradicação de invasões organizada no Distrito Federal?
Comunicação assegura coesão
Mas, o que ficou de permanente dessa época, a meu ver, estava mais vinculado à discussão da função da comunicação. No Brasil, na época, sem dúvida, foi na UnB que o Informe Mac Bride, de 1978, tornou-se objeto da atenção mais consciente. Embora criticado, inclusive dentro da UnB, esse documento, até hoje, em matéria de princípios, é atual. Mostrou, por exemplo, que havia necessidade de alterações no fluxo de informações entre as nações e, internamente, em cada país, de maneira a evitar que o fluxo se fizesse em mão única dos desenvolvidos para os países em desenvolvimento e, no interior dos países, de cima para baixo, exclusivamente.
Além disso, o conceito de notícias deveria ser ampliado de maneira a não englobar apenas os “acontecimentos”, mas “processos” inteiros. Por exemplo, a fome é um processo, enquanto uma greve de fome é um acontecimento. O informe demonstrava a necessidade de criação de políticas de comunicação que estimulassem e favorecessem processos de desenvolvimento endógeno, que deveriam beneficiar toda a população, sendo inadmissível o uso da comunicação apenas para fazer a população aceitar sacrifícios de um crescimento que nunca viria a beneficiar toda a coletividade. O informe é muito amplo. [Ver resumo comentado do informe no volume eletrônico nº 19 no site www.mardias.net. Para o texto completo do informe, buscar em www.unesco.org]. O que ficou foi a tentativa de se definirem as bases para uma nova ordem mundial de comunicação e o esforço de se definir o que seria o direito à comunicação, que compreenderia, pelo menos:
a) o direito de saber e de ser informado;
b) o direito de transmitir a outro a verdade tal qual cada um a vê;
c) o direito de debater.
Para isso, os laços de comunicação eram vistos como essenciais para formação e desenvolvimento de uma entidade nacional. A comunidade é uma combinação de grupos diversos do ponto de vista da classe social, da situação econômica e, muitas vezes, da filiação política ou religiosa, bem como de atitudes e opiniões. A comunicação assegura a coesão de toda a comunidade. Se o poder que confere a comunicação é explorado para reprimir e fazer calar as minorias ou dissimular as divergências reais, resulta disso uma alienação de uma fração dos cidadãos e, em consequência, um enfraquecimento da comunidade nacional. Aí também não se falava em cidadania, mas a base estava toda ali.
Ação multidisciplinar
O livro que professores e pesquisadores da Faculdade de Comunicação elaboraram será uma referência, sem dúvida. Ele dá um retrato do que significa, hoje, ao final da primeira década do século 21, a comunicação para professores e pesquisadores na UnB. E eles ousam fazê-lo em um momento em que a incerteza é o que prevalece. Face à perda de leitores dos jornais e ao desaparecimento paulatino dos recursos publicitários, à supressão de postos de jornalistas, chega-se ao ponto de se anunciar o fim dos jornais. Sintomático dessa situação é o fato de um jornal que, desde o início do pós-guerra, no final dos anos quarenta, Le Monde, era dirigido e controlado pelos jornalistas, agora, para não falir e desaparecer, é obrigado a aceitar uma recapitalização que, provavelmente, vai transformá-lo em uma empresa igual a todas as demais, dependente, para sobreviver, da publicidade e controlada por grupos econômicos.
No entanto, o jornal provavelmente não desaparecerá. Terá de mudar, mais do que já o fez, terá de recorrer a novos instrumentos tecnológicos, será obrigado a utilizar outra linguagem, mas os caminhos a seguir não são claros. Ser professor de Comunicação hoje não é tarefa fácil. O problema é debatido nas páginas deste livro. O leitor terá uma visão de mudanças que ocorrem neste campo no mundo inteiro e de tendências que apenas se esboçam. Não há certeza, mas os professores e pesquisadores da UnB não hesitam em continuar a transmitir aos estudantes as técnicas conhecidas a serem utilizadas nos meios atualmente existentes e ousam mesmo lançar-se no campo das perspectivas com base nos dados e informações atualmente disponíveis. Além disso, insistem na necessidade de concentrar a atenção na realidade social e mesmo estimular a utilização das novas tecnologias para o desenvolvimento de meios de comunicação alternativos. Há um trabalho teórico profundo, acompanhado de propostas de ações concretas.
Nos anos 70, o curso de Comunicação da UnB inovou, abrindo campo para atividades multidisciplinares como as que eram resultantes da interface entre comunicação e educação e da tentativa de unir o tecnológico e o social por meio de ações com a Faculdade de Tecnologia, representada pela figura emblemática do professor Lourenço Nassib Chehab, que aliava a competência técnica ao conhecimento dos fatores antropológicos e culturais. Os professores de hoje vão mais longe, enfrentam a realidade do desenvolvimento técnico e tratam de realidades sociais que se tornaram importantes, como o tratamento da cidadania depois dos anos 60. E, com certeza, mais adiante, logicamente, vão acabar também tratando de problemas que antes não eram vistos como tais, como o da imigração e o da precariedade no trabalho, esta última objeto de atenção no livro. Uma ação multidisciplinar e interunidades se imporá nesses campos.
Amor romântico
O livro levanta questões sérias, como a da análise da utilização dos princípios da cidadania para efeitos exclusivamente mercadológicos, o que leva também a crer que, no futuro, esses mesmos pesquisadores serão levados a pesquisar a ação de empresas diversas, tanto privadas como públicas, que, no Brasil, aderiram ao programa Global Compact, das Nações Unidas. Uma ação interdisciplinar com representantes de várias outras unidades da UnB na análise desse tipo de ação seria muito útil na consolidação das ações reais da cidadania no país.
Hoje, no mundo inteiro, na área de educação, a grande questão está em se saber se a educação conseguirá manter-se como um bem público implementado por instituições que exercerão um serviço e uma função pública. O desenvolvimento da internet favorece a comercialização da educação e, nas organizações internacionais, estimula-se a aceitação dos esforços da Organização Mundial do Comércio em transformar educação, em particular o ensino superior e o ensino à distância, em mercadoria. O serviço público, tradicionalmente, requer que seja prestado a todos, de maneira permanente e com capacidade de adaptação às modificações da sociedade, inclusive as transformações tecnológicas. O combate é grande para se manter a ideia de serviço público em educação, mas se trata de um combate necessário.
O livro menciona a questão do jornalismo e da comunicação também como serviços públicos e esse é um tema fundamental. Recentemente, a Universidade das Nações Unidas decidiu criar um instituto de formação e pesquisa em Barcelona. Tratará do diálogo intercultural baseado na diversidade e na aceitação do outro, mas dará uma atenção especial, em suas ações, à educação e à comunicação, por meio da ação da mídia. Seguramente, em algum momento, juntamente com os professores de educação da universidade, esses pesquisadores serão levados a reforçar a preocupação em formar os cidadãos à cidadania, sabendo que, para isso, uma formação específica terá de ser prevista para a utilização da pletora de informações que são postas à disposição de cada um de nós. Hoje, o risco é grande de que o indivíduo se perca diante de tudo o que está disponível.
O livro dos professores de Comunicação da UnB revela sua capacidade de tratar de questões que afetam o indivíduo humano em sua integralidade e, para isso, analisa inclusive o tema do amor romântico em Hollywood, que, como se assinala, “com alcance quase mundial, configura-se como uma das principais fontes para ecoar comportamentos, atitudes e maneiras de ser e viver”. Além de ser capaz de dar uma visão de conjunto sobre os estudos de comunicação na UnB hoje, este livro inclui um toque profundamente humanista. Ainda que alguns não o queiram admitir, o amor romântico tem um peso fundamental no desenvolvimento e na construção de cada ser humano.
Por fim, em síntese, os professores de Comunicação da UnB buscam estimular o realismo sem deixar de lado a utopia, necessária para se transformar o mundo e para se criar uma sociedade melhor e mais justa. O caminho está certo.