Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O silêncio da imprensa

Em tempos de crise política, mensalões, dólares em cueca, renúncias, cassações, crimes insolúveis e amnésia, um fato intriga os observadores da cena política do país. O silêncio da mídia, com raríssimas exceções, sobre o caso Capiberibe. Ele senador, ela deputada federal. O episódio é muito interessante, principalmente sob a ótica da imprensa, haja vista que entre os personagens existe supostamente o dedo de um ex-presidente da República.


Em síntese é, no mínimo, algo estranho, pois os derrotados pelas urnas, candidatos do PMDB, acionaram o Ministério Público Eleitoral do Amapá, que não aceitou a denúncia de compra de votos por R$ 26 cada, em duas parcelas, pois não enxergaram credibilidade nas duas testemunhas de acusação. Muito menos o TER do Amapá, que absolveu o casal Capiberibe.


Ao contrário do Tribunal Superior Eleitoral que, em atitude questionável do relator, transformou o recurso especial do PMDB/AP em ordinário e reabriu as investigações, em vez de analisar a decisão do Tribunal Regional. O relator, inclusive, desconheceu o depoimento das testemunhas na Polícia Federal, no qual afirmaram ter recebido benefícios dos advogados do PMDB – agravante da suspeita de farsa. Em seu voto, o relator decidiu pela pena de perda dos dois mandatos e foi seguido pelo pleno do TSE.


Imprensa local dominada


A partir daí, iniciou-se no Supremo Tribunal Federal uma batalha jurídica entre as partes, com decisões sempre favoráveis ao PMDB por diferenças apertadas. A última sentença foi desempatada pelo presidente do Supremo, Nelson Jobim, a favor do PMDB. Vale ressaltar que Jobim é filiado licenciado do partido.


O caso da perda de mandato do senador socialista João Capiberibe e da deputada federal socialista Janete Capiberibe é um caso saboroso para a imprensa, pois pode ser uma farsa, a partir do passado dos personagens envolvidos. O casal Capiberibe, exilado por conta da luta contra a ditadura militar, ao retornar ao país posicionou-se contra as oligarquias que dominaram por muito tempo o Amapá. Desalojou-os do poder. Já seus opositores lutam para destruí-los, pois eles incomodam e impedem que os recursos públicos sejam tratados como se fossem particulares.


A imprensa brasileira está atolada na crise que assola a nação, mas deveria encontrar tempo para apurar uma estória desse calibre, eivada de suspeições e que conta, inclusive, com suposta participação do ex-presidente e hoje senador José Sarney (PMDB-AP). O caso Capiberibe é uma pauta imperdível, pois está embasado no testemunho de duas mulheres que acusam o casal de ter comprado dois votos por R$ 26 cada.


Infelizmente, a imprensa do Amapá é dominada pelo empresário Gilvan Borges, derrotado nas urnas por Capiberibe e beneficiário da sentença. Ele é dono de uma rede de emissoras comunitárias de rádio e televisão ilegal e parceiro do senador José Sarney, que domina o restante da mídia do estado do Amapá. Portanto, a imprensa local não tem interesse nessa pauta, pois foi e é utilizada para satisfazer as vontades de seus proprietários.


Lei em xeque-mate


Que a mídia local não apure, portanto, tudo bem, pois sabemos como funciona a maior parte da imprensa regional, mas a grande imprensa não pode deixar passar uma pauta tão rica em indagações. São muitas as perguntas sem resposta. Como viviam e como vivem hoje as testemunhas? Por que acusaram o casal? Por que tentaram mudar o testemunho? Qual a verdadeira participação de José Sarney no caso?


O processo demonstra claramente que os mandatos eletivos se tornarão inseguros a partir da perda dos mandatos dos Capiberibe, pois todos os derrotados nas urnas poderão pleitear, com testemunhos sem comprovação, o mandato no tapetão.


O mais incrível é que as redações da grande imprensa não tenham percebido as conseqüências que podem advir deste caso, que já dura quase três anos e coloca em xeque-mate a lei da compra de votos, a partir de sua má utilização.