É por demais oportuna a publicação desse livro, às vésperas de comemorarmos dez anos de ‘ombudsnato’ no Ceará, a partir da vivência de nossos jornalistas e profissionais de dezenas de instituições que adotaram a Ouvidoria como um processo cotidiano de relacionamento com o público e avaliações do desempenho de suas respectivas instituições e empresas.Cabendo ao nosso jornal o pioneirismo dessa iniciativa no âmbito privado do Estado, é pertinente a abordagem de estudiosos sobre a origem desse procedimento cultural. No mais das vezes, fazem referência à Folha de S. Paulo, pois O Povo e o citado jornal, até hoje, são quase únicos na América Latina a adotarem o ombudsman em seus quadros funcionais.É inquestionável, ante a decisão política de sua implantação, a existência de um consistente clima cultural dentro da própria organização, pois trata-se de um paradigma de altíssima qualidade. A partir de sua implantação, é praticamente impossível o retorno à situação anterior, sob pena de decesso de credibilidade da publicação, na qual os laços com o leitorado se dão numa relação aberta e podem ser desfeitos a qualquer momento, a partir do veto da compra do exemplar na banca da esquina. Por outro lado, ao contrário das demais mídias, o jornal é o único meio que transpõe gerações, passando o hábito de opção de leitura, de pai para filho, tornando-se, pois, uma relação complexa de tradição, sentimentos e crenças.Confesso aos leitores que por muitas vezes abri o computador e não me sentia tomado do melhor fundamento. Após insistentes reclamos de sua organizadora, a professora Adísia Sá, eis que de repente surge lucidamente o ponto de partida. Na primeira página de nossa edição inaugural em 1928, em vez da manchete e do retrato do cotidiano, Demócrito Rocha convidou o jornalista Matos Ibiapina que estabeleceu o que seriam os paradigmas da imprensa moderna. Ao lado, o editorial explicando o porquê da nossa missão. Estava estabelecido, então, o encontro, a complementaridade e o acolhimento da diversidade do outro em busca da unidade.Começávamos diferentes para os tempos de outrora.De acordo com Edgar Morin, subestimamos com freqüência o elemento mais importante da racionalidade ocidental, que não é tão somente a faculdade crítica, mas a faculdade autocrítica. E isso – prossegue Morin – evidentemente é a coisa mais importante em valor, mas não a mais importante em quantidade. Temos um fio condutor que parte de Montaigne e que chega a Levi-Strauss, por exemplo. Se somos capazes de nos criticar, começamos a ser capazes de compreender o outro. E no que diz respeito ao outro – reitera o filósofo – é um fenômeno fabuloso porque, no fundo, o outro é um outro ele mesmo e ao mesmo tempo o estranho. E isso se aplica também a cada um em relação a si mesmo, porque ninguém é mais estranho do que cada um para si mesmo. Antes, reconhecíamos o valor da introspecção. E hoje, em nome da psicologia objetiva, eliminamos o auto-exame, tão importante, porque compreendemos que há um outro em nós mesmos e que há um desconhecido em nós. Nesse momento, segundo Morin – a quem elegi como o outro nesse prefácio – isso muda nossa relação com o outro, porque o ‘outro’ não é somente o desconhecido, mas ele também pode sofrer como nós, amar como nós e sorrir como nós. Há algo – conclui – existente nas antigas civilizações que era a hospitalidade, ou seja, o caráter sagrado do outro e do estranho, mas extremamente relegado nessa nossa época de individualismo.O ombudsman, prezados leitores, é o acesso ao outro e a nós mesmos. É o símbolo da hospitalidade do jornal a sua legião de leitores.’Eis porque surgimos’, profetizou Demócrito Rocha no ato inaugural e ao finalizar nosso primeiro editorial, lado a lado com Matos Ibiapina. E todos nós outros, contemporaneamente, damos continuidade a sua caminhada na certeza de que, se vivo fosse, estaria em sua banca de jornalismo a pensar nos próximos passos.
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(*) Presidente do Sistema O Povo de Comunicação