Carlos Eduardo Lins da Silva é um excelente jornalista que sempre desempenhou com dignidade os papéis que assumiu: repórter, chefe de redação, professor universitário, sindicalista, líder comunitário.
Então, foi por suas qualidades que a Folha de S.Paulo o escolheu para substituir Mário Magalhães, quando o oitavo ombudsman do jornal saiu brigado com a direção, conforme deixou bem claro na sua coluna de despedida, em 06/04/2008:
‘…O meu mandato se encerrou anteontem. Embora o estatuto autorize a renovação por mais dois períodos, não houve acordo com a direção do jornal para a continuidade.
A Folha condicionou minha permanência ao fim da circulação na internet das críticas diárias do ombudsman. (…) Não concordei. Diante do impasse, deixo o posto. (…) Sou o primeiro a ter como exigência, para renovar, o retrocesso na transparência do seu trabalho.
A partir de agora, os comentários produzidos pelo ombudsman durante a semana só poderão ser conhecidos por audiência restrita, de funcionários do jornal e da empresa, que os recebe por correio eletrônico. Os leitores perdem o direito.’
Portas fechadas
Mário Magalhães saiu atirando, o que lhe valeu a solidariedade de jornalistas e leitores. A Folha, tentando desfazer a má impressão, tratou de substituí-lo por um profissional íntegro e respeitado. Mas houve quem concluísse, apressadamente, que teriam pinçado alguém mais dócil às imposições patronais.
Tais desavisados chegaram a especular que, por ser cinquentão, o substituto se comportaria com mais cautela, evitando agastar-se com o reizinho para não ser demitido quando findasse seu mandato de ombudsman. É como são vistos os profissionais veteranos: supõe-se que, na ânsia de preservar um emprego que pode ser o último, se disponham a quaisquer indignidades. Mas, às vezes, acontece o contrário: para não mancharem sua longa e digna carreira, resistem bravamente às propostas indecentes que surgem no seu caminho.
Venho há muito tempo encontrando as portas da Folha parcial ou totalmente fechadas, cada vez que tento exercer meu legítimo direito de resposta e apresentar o outro lado. Isto me pôs em contato com vários profissionais que exerceram o papel de ombudsman. De todos, Carlos Eduardo foi o que me deixou melhor impressão.
Novo puxão de orelhas
Houve quem defendesse, fingindo acreditar, os erros e abusos cometidos pelo jornal. Houve quem tentasse enrolar-me, prometendo providências que nunca eram tomadas. Carlos Eduardo abriu o jogo: concordava com alguma das minhas queixas, iria comunicá-las à redação e defendê-las, mas não tinha como impor a publicação das versões retificadoras que lhe mandara. Sua autoridade não chegava a tanto. Apesar dos maus precedentes, acreditei nele desde o primeiro momento. Senti que estava sendo sincero e não, como poderia ser o caso, tentando ficar bem com os dois lados.
O caso da ficha falsa de Dilma Rousseff confirmou plenamente minha avaliação. Carlos Eduardo teve comportamento exemplar, discordando publicamente das desculpas esfarrapadas da redação. Ou seja, ficou comprovado que ele adota a posição correta, mas seu parecer não é levado em conta.
Na coluna de domingo (5/7), ele novamente puxa a orelha dos editores, não lhes deixando qualquer margem de manobra para continuarem esquivando-se ao que há muito se impõe: um pedido público de desculpas a Dilma Rousseff.
Adesão oportunista ao culto a ídolos
É com satisfação que reproduzo na íntegra a argumentação do ombudsman:
‘Pela quarta vez, volto ao tema da reportagem de 5 de abril em que reprodução de suposta ficha criminal da ministra Dilma Rousseff dos tempos da ditadura foi publicada.
Depois de a ministra ter contestado que a ficha fosse autêntica, o jornal reconheceu não ter comprovado sua veracidade. Considerei insuficientes as justificativas para os erros cometidos e sugeri uma comissão independente para apurá-los e propor alterações de procedimentos para evitar repetição.
A Redação, no entanto, considerou a averiguação encerrada. Na semana retrasada, a ministra me enviou laudos por ela contratados que atestam a falsidade do documento.
Ao noticiar a existência dos laudos no domingo, o jornal, em termos tortuosos, sugeriu que ainda há dúvida sobre a fidedignidade do documento porque o original cuja reprodução ele publicara não foi examinado.
Se a Folha quer mesmo esclarecer o assunto, é simples: deve identificar a fonte que lhe enviou eletronicamente a ficha (assim, o público avaliará sua credibilidade) e instá-la a fornecer o documento original para exame de peritos isentos e pagos pelo jornal.
Só isso elucidará o caso, embora para leitores especializados em artes gráficas, nem seja necessário. Alguns me mandaram material convincente para comprovar a fraude.
Um deles, André Borges Lopes, diz que `trata-se de falsificação tão grosseira que qualquer técnico do departamento de arte do jornal poderia detectar os indícios de fraude em cinco minutos de análise´.’
De quebra, a coluna dominical de Carlos Eduardo traz também uma análise primorosa sobre a adesão oportunista da Folha ao culto a ídolos, defendendo a posição de que o jornalismo impresso deveria ser, isto sim, um ‘contraponto de civilidade à obsessão da mídia eletrônica por celebridades’. Recomendo com entusiasmo o texto, disponível aqui [rolar a página].
Orgulho-me de tê-lo como colega de profissão; é um dos poucos a quem ainda faço tal elogio.
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