Corajoso, lúcido e sereno, meu velho colega Carlos Eduardo Lins da Silva, o ombudsman da Folha de S.Paulo, tocou em várias feridas do veículo onde trabalha e apontou caminhos para a imprensa em geral durante a sabatina a que foi submetido no auditório do jornal na segunda-feira (21/9) [ver ‘Ouvidor sabatinado: `Jornalistas são arrogantes e não querem ser melhorados´].
O ponto central da sua fala, a meu ver, foi quando defendeu com veemência a criação de mecanismos de autorregulação pelas próprias empresas de comunicação.
‘Ou os jornais se autorregulam para melhorar ou eles vão ser regulados por alguém, e vai ser muito pior para todos’.
Faz muitos anos que defendo esta mesma tese em seminários e debates sobre os rumos da nossa imprensa. Este ano, com o enterro da Lei de Imprensa, que já foi tarde, e o fim da regulamentação da profissão de jornalista, ficou um vazio legal, deixando o setor sem qualquer marco regulatório ou regras do jogo que por todos possam e devam ser respeitadas.
A sociedade hoje não tem mais como se defender da sua imprensa, pois sequer o direito de resposta dos cidadãos é respeitado no tempo e no espaço necessários.
Lins da Silva foi direto ao ponto ao tocar na questão:
‘Os jornais, a imprensa, os jornalistas são arrogantes, prepotentes, não gostam de ouvir críticas em nenhuma hipótese e não querem ser melhorados (…). Por que o ombudsman, que é uma forma modesta de autorregulação, não se dissemina no país e no mundo? Porque os jornais e a imprensa não gostam de ser regulados nem por si próprios. A autorregulação é uma premência para a liberdade de imprensa’.
Três fatores
Já temos no Brasil o belo exemplo do Conar (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária), que está completando 30 anos de atividades em defesa da ética na propaganda, com a participação de anunciantes, agências e representantes da sociedade civil.
Foi o exemplo que usei ao defender a criação do Conselho Federal de Jornalismo, quando ainda trabalhava no governo. A pedido das próprias entidades representativas dos jornalistas, foi elaborado pelo Ministério do Trabalho e enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei que nada mais era do que a autorregulação do exercício da atividade jornalística.
Na época, em 2004, o governo foi acusado de querer controlar a imprensa, e o projeto sofreu um massacre brutal em toda a mídia, sendo logo retirado da pauta. Se o projeto era ruim, poderia ter sido modificado e melhorado no Congresso, ou mesmo sumariamente rejeitado, mas não se admitiu sequer a discussão da proposta, como sempre acontece quando se trata de regulamentar o trabalho de jornais e jornalistas.
‘O diploma eu sempre achei que é uma falsa questão’, disse Lins da Silva na sabatina, com o que concordo. ‘Não há necessidade de uma formação de quatro anos em escola superior para alguém ser jornalista, é totalmente irrelevante’.
Tudo bem, meu caro Carlos Eduardo, estamos de acordo também neste ponto, até porque eu não tenho diploma e você se tornou um professor-doutor em jornalismo… Mas você há de reconhecer, como disse na sabatina, que precisamos de mecanismos de autorregulação – e isso deveria valer tanto para as empresas como para nós, jornalistas.
É preciso criar instrumentos para fiscalizar o acesso e o exercício da profissão, assim como faz a OAB com os advogados. Neste caso, não basta ter diploma, é preciso ser aprovado no exame da Ordem. Diploma à parte, por que não se pode fazer o mesmo na nossa profissão?
Você mesmo diz que ‘80% dos erros que saem do jornal podem ser atribuídos a três fatores: pressa, preguiça e ignorância. E acho que isso não tem muito como mudar, a não ser com um controle firme do comando da Redação’.
Pergunta singela
A julgar pelos recentes episódios ocorridos na Folha – o falso ‘dossiê Dilma’ e a previsão do jornal de que 4,4 milhões de brasileiros deveriam estar hoje infectados pela gripe suína –, que você mesmo lembrou na sabatina, só este controle não basta.
É preciso que haja uma instância superior, como a Comissão de Ética do Conar, que seja capaz de punir os abusos e obrigar as empresas a corrigir seus erros, como acontece na propaganda.
É louvável a posição da Folha de manter o cargo do ombudsman por tantos anos e publicar em suas próprias páginas as duras críticas que Lins da Silva lhe fez em sua sabatina.
Mas não consigo me esquecer de um episódio muito engraçado toda vez que se fala em ombudsman. Ainda trabalhava no jornal, em meados dos anos 80, quando surgiu a idéia de se criar pela primeira vez este cargo no Brasil.
Um dos primeiros profissionais convidados para ser o ombudsman da Folha foi Augusto Nunes, hoje também blogueiro, então recém-saído da Editora Abril. Depois que a direção do jornal lhe explicou detalhadamente quais seriam suas tarefas, ele deu uma de desentendido e fez uma singela pergunta:
‘Mas se é para apontar os erros do jornal não seria melhor fazer isso antes e não depois da publicação?’.
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Jornalista