Uma pergunta que surgiu nos debates da Conferência Estadual de Comunicação do Paraná, realizada no último fim de semana (6 a 8/11), em Curitiba, foi ‘como saber quais os deputados paranaenses que são concessionários do serviço público de radiodifusão?’ Respondi que, se depender das informações disponibilizadas pelo governo federal, não há como saber.
Recontei, então, a estranha história do sumiço do cadastro geral de concessionários de radiodifusão que esteve no site do Ministério das Comunicações entre novembro de 2003 (ministro Miro Teixeira) e o início de 2007 (ministro Hélio Costa) e… desapareceu (ver, neste Observatório, ‘Recadastramento e direito à informação pública‘).
E o cadastro geral?
Quando o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) assumiu o Ministério das Comunicações (MiniCom), em janeiro de 2003, declarou à Folha de S.Paulo que tornaria público o cadastro com os nomes de todos os sócios das emissoras de rádio e de televisão no país. De fato, cumpriu a promessa onze meses depois, em novembro de 2003. O cadastro passou a estar disponível no site do MiniCom.
É inacreditável, mas foi a primeira vez que o público tomou conhecimento dessa informação. Os decretos legislativos confirmando as outorgas são publicados no Diário Oficial da União trazem apenas os nomes das empresas. Não especificam os nomes de seus sócios. Dessa forma, o interessado só saberia quem eram os titulares das concessões se fosse às Juntas Comerciais e cartórios de registro de documentos em cada um dos mais de 5.500 municípios brasileiros onde exista um concessionário e rádio ou televisão.
O cadastro dos concessionários deste serviço público, por óbvio, é uma informação básica. Sem ele, pouco se consegue saber sobre o sistema brasileiro de radiodifusão. O cadastro permite, por exemplo, o cruzamento dos nomes dos concessionários com a relação de nomes dos deputados estaduais e federais no exercício do mandato. O resultado do cruzamento oferece uma primeira idéia de quem são e quantos são os deputados concessionários de RTV. Primeira idéia porque os ‘laranjas’ e os parentes não são detectados nos cruzamentos nominais.
Anatel: a informação fragmentada
Com o ‘desaparecimento’ do cadastro do site do MiniCom, o interessado em informações oficiais, depois de algum tempo, pode recorrer àquelas disponíveis no site da Anatel. Lá não existe um cadastro geral com a relação de concessionários, mas sim dois bancos de dados: o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco) e o Sistema de Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (Siscom).
No Siacco pode-se pesquisar o ‘perfil das empresas’ por nome (razão social ou nome de fantasia?) ou CNPJ e, a partir daí, chega-se ao quadro societário e/ou à diretoria das entidades, em geral, incompletos. Vale dizer: aquele que já souber o nome e/ou o CNPJ de concessionários de radio e televisão no Brasil (?!) poderá confirmar dados complementares.
Já no Siscom a busca pode ser feita por localidade e por serviço. Vale dizer: aquele que quiser compor um cadastro completo deverá pesquisar município por município (?!).
Do cadastro geral de novembro de 2003 regredimos para uma informação totalmente fragmentada que, na prática, impede a construção de um quadro geral das concessões e dos seus concessionários. No entanto, não se pode afirmar que a informação oficial não existe. Ademais, sempre aparecerá um funcionário do MiniCom ou da Anatel para ‘mostrar’ que ela está lá, embora, sim, fragmentada.
Segredo de Estado?
Qual seria a razão para se tratar uma informação que é pública por sua própria natureza – a relação dos concessionários de um serviço público – como se fosse um segredo de Estado dificultando de tal forma o acesso?
Um dos muitos pontos positivos da nova lei do serviço de audiovisual argentina (ver aqui o texto completo da Lei 26.522, promulgada em 10/10/2009) é, exatamente, determinar a transparência das informações sobre os concessionários. Vale reproduzir, por exemplo, o que reza a letra (e) do Artigo 72:
ARTICULO 72. Los titulares de licencias y autorizaciones de servicios de comunicación audiovisual deberán observar, además de las obligaciones instituidas, las siguientes:
(…)
e) Cada licenciatario o autorizado debe poner a disposición, como información fácilmente asequible, una carpeta de acceso público a la que deberá sumarse su exhibición sobre soporte digital en internet. En la misma deberán constar:
(i) Los titulares de la licencia o autorización,
(ii) Compromisos de programación que justificaron la obtención de la licencia, en su caso,
(iii) Integrantes del órgano directivo,
(iv) Especificaciones técnicas autorizadas en el acto de otorgamiento de la licencia o autorización,
(v) Constancia del número de programas destinados a programación infantil, de interés público, de interés educativo,
(vi) La información regularmente enviada a la autoridad de aplicación en cumplimiento de la ley,
(vii) Las sanciones que pudiera haber recibido la licenciataria o autorizada,
(viii) La(s) pauta(s) de publicidad oficial que recibiera el licenciatario, de todas las jurisdicciones nacionales, provinciales, municipales y de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, detallando cada una de ellas.
Quando poderemos ter normas legais semelhantes a essas em nosso país?
O que fazer?
Considerando a quase inacessibilidade aos dados oficiais no Brasil, é preciso registrar a consolidação do Projeto Donos da Mídia, coordenado por James Görgen, que disponibiliza hoje informações coletadas de diferentes fontes, sobre emissoras e retransmissoras de TV; rádios AM, FM, comunitárias, OT e OC; operadoras de TV a cabo, MMDS e DTH; canais de TV por assinatura e ainda sobre as principais revistas e jornais impressos.
Não há como se justificar, diante da cidadania, as dificuldades históricas em relação ao acesso aos dados – públicos e privados – sobre os concessionários do serviço público de radiodifusão. Dessa forma, lutar pela transparência dessas informações – tanto por parte do governo federal como por parte dos próprios concessionários – é uma causa formidável.
Quem sabe ela não poderia ser também abraçada, por exemplo, por organizações como a Artigo 19, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que têm dado inequívocas demonstrações de zelo pelo direito à informação, sobretudo em relação ao que consideram o ‘uso abusivo de recursos judiciais contra veículos de comunicação, jornalistas e defensores de direitos humanos’?
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia, com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009)