Os livros não estão mais onde sempre estiveram. Deixaram as livrarias, onde o leitor fazia suas escolhas manipulando-os, olhando capas, conferindo orelhas e referências do autor, e agora são encontrados em outros lugares. Nos supermercados, nas farmácias, nos quiosques, nas bancas de revista etc. E também no espaço virtual da internet.
A violência urbana, o trânsito e as notórias deficiências da defesa civil – defesa no sentido estrito: o cidadão encontra uma rua hostil, não mais o espaço urbano do encontro com o semelhante – tornaram-se aliados nas atrações domésticas que prendem os leitores em casa.
Se o objetivo da ida às livrarias era o de procurar por livros, a internet fez com que as livrarias trouxessem as estantes virtualmente para dentro de casa. Não apenas tradicionais livrarias efetuam vendas relevantes pela internet, ampliando as possibilidades tradicionais do reembolso postal, como sites que vendem tudo incluíram entre os itens a oferta de livros – como é o caso da Submarino, por exemplo. Simples consulta do internauta evidencia a afirmação: os livros estão lado a lado de celulares, notebooks, computadores, impressoras etc.
Pequenos livreiros
Matéria assinada por Xavi Ayén e publicada domingo (27/11) no La Vanguardia, de Barcelona, informa que a rede Carrefour já é o responsável pela segunda maior venda de livros da Espanha, superada apenas pelo tradicional El Corte Inglés, uma loja de departamentos muito conhecido de turistas do mundo inteiro, inclusive brasileiros, habituados à pluralidade de títulos à disposição.
As redes de megalivrarias, como a Fnac, ainda vendem bastante, mas em terras espanholas as pequenas livrarias, que antes alicerçavam o mercado livreiro, descem na preferência dos clientes à média de 1% ao ano.
A mudança de lugar levou a uma troca estratégica: não é mais o livreiro que escolhe entre as ofertas dos editores o que quer pôr em suas estantes. Agora, seguindo o modelo hegemônico nos EUA, o distribuidor tomou o poder e impõe aos livreiros autores e títulos. Na Espanha, El Corte Inglés, com 75 pontos de venda, adquire 15% das produções. Já o Carrefour, com 140 pontos, é responsável por 10% das vendas. A poderosa Fnac fica com 8%, vendendo-os em apenas 12 pontos de oferta, auxiliada por sua livraria virtual na internet. Com isso, tais clientes preferenciais conseguem descontos de até 40%, superando qualquer oferta de desconto das livrarias tradicionais a seus clientes consolidados.
O dado preocupante é que os grandes postos oferecem apenas o que o mercado quer e isso representa tão-somente 30% do que os editores publicam. Além do mais, refletindo os novos gostos impostos pelo mercado, surgem best-sellers que de nenhum modo refletem o interesse propriamente editorial dos leitores. Em resumo, um bom livro, de acordo com critérios de qualidade de leitores exigentes, deve ser garimpado nas pequenas livrarias, pois estão ausentes desses novos gigantescos vendedores. As vendas de livros do grupo Carrefour na Espanha apresentavam aumento anual de 20%. Em 2004 foi de 30%. A saída está na organização dos pequenos livreiros em associações que buscam compras coletivas com o fim de adequar-se à nova realidade comercial.
O poder dos distribuidores
No Brasil, não foi consolidado o exemplo da Editora Abril, que chegou a vender nas bancas, ainda na década de 1970, mais de 300 mil exemplares de obras de autores como Dostoiévski, Tolstói, Balzac e outros monstros sagrados da coleção Imortais da Literatura Universal, ou de milhares de exemplares da coleção Os Pensadores, cujo acervo contava com os maiores nomes da filosofia ocidental.
Advogada formada na prestigiosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, deu depoimento estarrecedor ao revelar, em conversa casual com os pais, o mal-estar de colegas que recebiam livros de presente em festas de aniversário e de amigo secreto. Não apenas os colegas de escola secundária, mas também os pais deles, esperavam cedês, roupas, bonés, chaveiros, ursos de pelúcia – enfim, tudo menos livros. O livro já era nos anos 1990, entre escolares, mesmo nas boas escolas, uma obrigação, não um objeto de desejo. O mercado de presentes ainda não tinha incluído o livro.
Um rápido olhar nas iniciativas mercadológicas próprias às festas de fim de ano mostra que as livrarias não tomam iniciativas que criem expectativas favoráveis ao livro. Nem mesmo uma oferta especial de bíblias ou livros religiosos tem vez nessas efemérides.
Os editores brasileiros em sua maioria não parecem se interessar pelo mercado. Não há campanhas publicitárias para o livro. Ao lançarem seus livros, os editores esperam que os autores, além de terem escrito os livros, busquem contatos entre amigos na imprensa para que eles os mostrem na mídia, principalmente por meio de resenhas favoráveis. E que façam lançamentos e noites de autógrafos.
Em resumo, os editores brasileiros lançam os livros e contam quase só com os autores para que eles cheguem aos leitores. Está mais do que na hora de mudar. Se o mercado nacional seguir o exemplo do mercado espanhol – e em muitos casos já está seguindo –, os grandes distribuidores determinarão o que editar e, naturalmente, determinarão também o que os leitores vão ler.
Opções de leitura
O outro braço comercial busca as maciças compra do governo federal, cujas listas de compras são feitas de maneira muito pouco transparente e sem discussão com a sociedade.
Por que acontece tudo isso ou por que não acontece nada diferente? Porque o mercado editorial brasileiro patina num contexto pré-capitalista: quer vender sem anunciar, vender sem levar o produto ao destinatário final, vender escondendo o que produz.
Por enquanto, as grandes exceções são as feiras de livros e as iniciativas tomadas na internet , mas ainda dependentes da procura, mais do que da oferta.
Tomem-se um exemplo rodoviário: a gasolina e o álcool estão ao alcance de qualquer motorista, o mesmo acontecendo com as peças de seu carro, os pneus, os borracheiros, os mecânicos. Se o motorista quiser ler, sentirá quanto dói uma saudade. As bibliotecas, por norma, estão com seus acervos desatualizados em mais de meio século. E hoje estar desatualizado um ano já é um sério problema.
As livrarias dos aeroportos são uma tristeza. Voar é com os aviões, mas os passageiros precisam rastejar num tipo de leitura cuja qualidade foi rebaixada em sua essência, reduzindo o livro a uma coisa que ele só oferecia como extensão: livros de fotos, guias de turismo, a inevitável auto-ajuda que, como Deus, parece estar em toda a parte, em todas as línguas, em todos os aeroportos.
Se o leitor não quiser aceitar a rendição, deve, antes de viajar ou na volta, buscar as pequenas livrarias ou pesquisar na internet. O atacado o subestima até as raias da irritação. Não é possível que o habitante da Galáxia Gutenberg seja considerado um aldeão ignaro que nada sabe de livros, a ponto de aceitar como únicas opções de leitura o que encontra nas livrarias cujas prateleiras foram ocupadas por meia dúzia das mais de três editoras brasileiras!
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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social