Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os erros da cobertura apressada

No meu livro O jornalismo dos anos 90 relato quase duas dezenas de casos de cobertura da mídia em que o ‘efeito manada’ produziu erros gigantescos.

Aparentemente, não se aprende. A mais nova reedição do caso Escola Base está na cobertura do acidente com o Airbus da TAM, que vitimou mais de duzentas pessoas; o ‘japonês’ do acidente aéreo foi um morto que não podia se defender: o piloto.

Com o choque inicial, logo após o acidente passou-se a uma busca frenética por culpados. Em um primeiro momento concentrou-se no governo, na pista de Congonhas, na falta de ranhuras no asfalto.

Deixou-se de lado o jornalismo para se ficar numa ladainha única, em que nenhuma outra hipótese era investigada. E essa algaravia escondeu outras interpretações comentadas por especialistas, mas que não chegavam às páginas dos jornais.

Mudança de rota

Nos poucos momentos em que se permitiu um pouco de jornalismo, descobriu-se que o avião em questão estava com o chamado reverso pinado – um reverso inoperante. Reverso é um sistema inverte o empuxe do motor, ajudando a frear a aeronave.

Seguiu-se um festival de explicações ‘técnicas’, de que o reverso não era relevante, que seria apenas um luxo a mais nas aeronaves, que importante eram os freios e ‘spoilers’.

Quando a caixa preta (que grava as conversas na cabine) foi enviada para os Estados Unidos, acompanhada por uma comitiva de deputados, o discurso começou a se inverter.

De repente, o reverso passava a ser importante porque, quando não está em funcionamento, exige uma nova posição dos manetes (os instrumentos que permitem ao piloto controlar a altura da aeronave). Se, na hora de pousar, o piloto não muda a maneira tradicional de colocar os manetes, os instrumentos eletrônicos de bordo interpretam como se ele estivesse querendo decolar. Em vez das turbinas reduzirem, elas aceleram.

Ora, havia duas explicações para eventuais problemas com os manetes: ou erro humano ou problemas mecânicos. Sendo a segunda hipótese, estariam comprometidas a TAM, as autoridades aeronáuticas e, provavelmente, a Airbus.

Aí se viu na cobertura uma mudança de rota inacreditável. Publicação capaz de atribuir ao governo responsabilidades até das precipitações pluviométricas, passaram a encampar a tese do erro humano, poupando as autoridades e sequer mencionando responsabilidades da TAM. O culpado passou a ser um morto, que não podia se defender.

Impor limites

Com a divulgação dos diálogos registrados na cabine, muda o quadro. Um piloto alerta o outro que o reverso esquerdo estava paralisado; o outro concorda. O que significa que pousaram sabendo como proceder. Nos diálogos, descobre-se que o ‘spoiler’ – um sistema de frenagem mais potente que o reverso – não funcionou, que os freios provavelmente não funcionaram. Pode ter sido erro dos pilotos? Pode, mas numa probabilidade muito baixa.

Semanas de cobertura intensiva desmentidas, todas as afirmações peremptórias desmascaradas, a voz do morto, saindo dos arquivos da caixa preta para absolvê-lo.

Como ficamos? Como fica o jornalismo?

Tem que haver limites para o show.

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A marcha da insensatez

Essa atoarda da chamada grande mídia em relação à situação do país está extrapolando os limites do razoável.

Faço parte do grupo de analistas que julga que o país está perdendo a maior oportunidade da história. Falta plano de vôo, pensamento estratégico, sucumbiu-se aos desígnios do mercado, deixou-se iludir e não se aproveitaram as oportunidades extraordinárias trazidas pelo boom da China.

Mas não é disso que os grandes jornais se queixam. Pelo contrário, têm aprovado incondicionalmente essa política econômica que permitiu aos detentores de capitais, nesse primeiro semestre, um dos maiores ganhos da história, e que continuou consumindo parcela expressiva do orçamento público em detrimento dos investimentos.

No entanto, desde o acidente com o avião da TAM – que, ao que tudo indica em decorrência de problemas técnicos e/ou falha humana – parece que nada funciona no país. Como assim?

É facílimo manipular a opinião pública, ainda mais quando se juntam veículos com poder de mercado.

Efeitos simultâneos

Se quiser medir o poder de manipulação da informação, montem-se dois grupos de leitores. Alimente-se o primeiro com noticiário exclusivamente negativo. Não precisa ir muito longe. Se um brigadeiro diz que a pista de Cumbica está ruim, e todas as associações de pilotos e usuários dizem que não, dê destaque apenas à declaração do brigadeiro. Em cada Ministério será possível encontrar falhas que, colocadas em manchetes, joguem quaisquer méritos para segundo plano.

Ao segundo grupo, forneça apenas notícias positivas. Fale dos superávits da balança comercial, como se nada tivesse a ver com efeito-China. Celebre a apreciação do câmbio, como se fosse sinal de saúde da economia. Mostre o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o PAC da Tecnologia, o PAC da Saúde, o PAC da Educação. Destaque os recordes sucessivos do setor imobiliário, o bom desempenho da indústria de máquinas e equipamentos, e esconda todos os setores que estão sendo dizimados pelo câmbio.

O primeiro grupo achará que tudo está perdido e o segundo que o país está à beira do paraíso. Toda essa diferença em cima de uma mesma realidade, valendo-se apenas do poder de manipulação da informação.

Quando se tem equilíbrio, se mostra o certo e o errado, passa ao leitor objetividade e, ao governo, pressão certa. Analisa-se um problema localizado e cobra-se a sua solução.

Quando se cria essa zorra em que, aparentemente, nada funciona, a intenção não é resolver nada. Ao leitor desnorteado por tantos problemas apresentados simultaneamente, sem nenhuma proposta de solução, a única alternativa que ocorre é mudar tudo. Como? Pedindo a cabeça do responsável maior pelo suposto caos: o Presidente da República.

Aí se geram dois efeitos simultâneos, ambos radicalizantes. De um lado, um público indignado, querendo a cabeça do presidente. Do outro, um público indignado, querendo o fígado da mídia.

Pior: quando a crítica ao Lula extrapola e assume ares de campanha sistemática, desarma todas as críticas relevantes que deveriam ser feitas aos inúmeros problemas reais que existem na administração pública.

Até onde irá essa marcha da insensatez, não sei. (L.N., 1/8/2007)

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O pessimismo contra a esperança

Dizem que as guerras são o principal motor do nacionalismo. No final do século 19 e início do século 20, os Estados Unidos se converteram em nação – e em potência – guerreando.

Enfrentaram espanhóis, mexicanos, ingleses. Depois, ajudaram na vitória aliada na 1ª Guerra. No Brasil, mesmo sem guerra, a figura do ‘inimigo externo’ ou do ‘inimigo interno’ sempre foi invocada em diferentes ocasiões, para fortalecer governos ou oposição.

Não se recomenda guerra para unir nações. Nos EUA, além da guerra, uma espécie de missão histórica, defendida por pregadores religiosos, em muito contribuiu para o expansionismo americano. Invadiam-se países em nome da civilização. Por mais pérfido que pudesse soar, no plano interno funcionava.

Não é, nem jamais será o caso do Brasil. Mas urge encontrar bandeiras políticas que unam o país. A cada dia que passa, mais se amplia a radicalização e o fosso separando dois países: um sob influência da mídia; outro sob influência do lulo-petismo e do forte sentimento antimídia da população. É um jogo de perde-perde, em que os únicos vitoriosos são os oportunistas dos dois lados.

País radicalizado

Em que pese melhorias na atividade econômica, o país continua sem rumo, tanto do lado do governo quanto da oposição. Se Lula tivesse montado uma política econômica imprudente, a economia poderia ter degringolado. Mas sua falta de coragem para montar uma política econômica pró-ativa fez a economia patinar. Agora, se comemora 4,5% de possibilidade de crescimento, contra 8% de crescimento, em média, dos países emergentes.

Nos últimos anos, em segmentos selecionados da opinião pública, sedimentaram-se convicções firmes sobre os rumos do desenvolvimento. Há valores bastante claros, como a questão da gestão e da qualidade, da pesquisa e desenvolvimento, o papel da inovação, a ênfase na educação, as políticas sociais, as novas possibilidades abertas pela agroenergia, os caminhos da integração continental.

Mas tudo isso se perde nessa imensa zorra em que se transformou a discussão política, nessa radicalização que não poupa ninguém, nem país, nem a racionalidade, nem governo, nem mídia.

Se a intenção for 2010, é tiro no pé. O país radicalizado no governo Lula, persistirá radicalizado em qualquer outro governo que venha a sucedê-lo. A dificuldade que FHC encontrou com a oposição, Lula está encontrando e seu sucessor encontrará. E como se sai desse atoleiro? E como se une o país em torno de uma agenda comum?

Lideranças responsáveis

É uma sinuca de bico. Do lado do governo, há iniciativas pontuais louváveis em algumas áreas. Mas nada que permita compor uma agenda de nação, capaz de ser percebida por todos os setores.

Do lado da mídia, uma radicalização absurda e fora de época. Começou com pelo menos três anos e meio antes da hora. O que se vai fazer? Manter durante todo esse período o fogo aceso?

Se houvesse lideranças responsáveis dos dois lados – governo e oposição – a esta hora estariam negociando uma trégua, um pacto em torno de objetivos comuns. Sem isso, o pessimismo irá vencer a esperança. (L.N., 3/8/2007)

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Jornalista