Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Os escritos de Cipriano Barata

Todas as informações biográficas e considerações citadas na Introdução são extraídas do meu livro Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade, Salvador: Academia de Letras da Bahia / Assembléia Legislativa do Estado, 2001 – e haverá notas apenas para o que não consta deste livro.

1. Trajetória desviante

O conjunto de textos apresentado a seguir, apesar de aparentemente fragmentado, permitirá pela primeira vez visão de conjunto de um dos mais vigorosos testemunhos (ao mesmo tempo relato, proposição, reflexão e tentativa de transformação política e social) no momento inicial de construção do Estado e da Nação e do surgimento da imprensa no Brasil, com ampla repercussão na época. Os jornais Sentinela da Liberdade e outros textos narram também o cotidiano da vida urbana e trazem estilo humorístico em alguns trechos e com frequência a escrita amplia-se para a transmissão oral, seja recebendo e registrando ‘vozes públicas’, como buscando propagar-se por estilo próximo ao da oralidade. A perspectiva alterna-se entre a mais ampla e a mais específica: narrativas e tomadas de posição sobre governantes, sobre as guerras de Independência, condições das prisões, acontecimentos internacionais, nacionais e locais e envolvimentos em rebeliões, além de poemas, canções de viola e ‘histórias de vida’ informais de personagens da política do fim do período colonial e do início da fase imperial.

Conhecer uma época ou determinados temas pelo prisma de uma trajetória individual é um dos desafios mais instigantes. Ainda mais no caso aqui publicado, quando o personagem teve trajetória singular e até inversa da maioria dos ‘grandes nomes’ que são lembrados historicamente: sua presença pública intensa, rumorosa e bastante conhecida em sua época, atraiu admiradores, seguidores entusiasmados e, ao mesmo tempo, inimigos e perseguidores implacáveis. Enfim, uma vida política tormentosa e fervente, no dizer do romancista e historiador Joaquim Manuel de Macedo. Mas que foi consideravelmente esfriada, obscurecida em suas dimensões e vista com lentes esmaecidas, quando não díspares, pela memória histórica, pela historiografia e até pelos acervos públicos. [É sugestivo verificar, por exemplo, que não se conhece um só original de documento impresso escrito por Cipriano Barata nos arquivos públicos da Bahia. Agildo Barata, bisneto de Cipriano, informou a doação à Biblioteca da Marinha, no Rio de Janeiro, de uma coleção dos jornais de seu antepassado – mas não há traço destes jornais em tal instituição.]

Cipriano Barata foi um dos primeiros e principais líderes políticos de âmbito nacional no Brasil que se formava em nação. Exerceu sua liderança não pelo poder burocrático, militar ou econômico, nem pelo peso da tradição ou pela crença religiosa, mas através do carisma e do convencimento (mesclando paixão e razão), da pregação da palavra pública impressa e falada, das atitudes e de um ideário que encarnaram em sua pessoa aspirações de expressivos grupos e todo um projeto nacional que, mesmo heterogêneo, não foi o predominante nos rumos da sociedade que se consolidava e transformava. Mesmo sem ter exercido qualquer emprego público (apenas um mandato de deputado, nas Cortes de Lisboa, e outro na Constituinte brasileira de 1823 que não chegou a assumir), atuou na cena pública de forma destacada, através da imprensa sobretudo, e também das mobilizações de rua e redes de sociabilidade e contato político que tinham âmbito interpessoal, espraiavam-se pelo meio rural, urbano e interligavam-se em diferentes províncias brasileiras, não sem dificuldades e tropeços, desde os anos 1790, ganhando maior visibilidade e impulso nas décadas de 1820 – 1830.

Cipriano Barata subsistiu em termos econômicos e sustentou sua família de várias formas: como profissional liberal através da medicina, com aulas particulares, por uma botica (farmácia), como lavrador arrendatário de um grande senhor de engenho, recebendo algum subsídio governamental quando esteve preso, pela venda de jornais que redigia e por auxílio solidário de amigos pessoais e políticos.

Tal trajetória individual articulou-se com um cenário histórico que correspondeu à crise do sistema colonial, à perda de importância política e econômica do ‘Norte do país’ (como então se dizia) e à emergência na cena pública de novos e complexos atores sociais e políticos (com diversificados e até então inéditos mecanismos de participação). Permeiam as páginas dos jornais redigidos por Cipriano como protagonistas: soldados, oficiais de média patente, lavradores arrendatários, profissionais liberais, clero regular e secular, camadas pobres urbanas livres, homens negros, pardos e brancos, além da presença nítida das mulheres na cena pública. Era a época dos primeiros passos, disputas e ensaios de construção de um Estado e uma nação no Brasil, com seus dilemas, contradições, mudanças e permanências. Neste sentido Cipriano Barata foi, em boa medida, desviante, mas sem destoar de seu tempo, por representar diversidade de proposições que não prevaleceram para o país em formação, enquanto que outras de suas lutas foram coroadas de êxito, ainda que com o duro (e paradoxal) preço de sua exclusão do jogo político e social.

Entre suas bandeiras que não vingaram (algumas naquele período, outras ainda hoje) para o desenho do Estado-nação estavam: a crítica ao predomínio do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, a denúncia de corrupção política de Desembargadores, a implantação do federalismo enquanto descentralização provincial, aumento e garantia da liberdade de expressão, colocar limites na grande propriedade fundiária e redefinir a posse das terras, desmantelar o aparelho repressivo das prisões existentes, republicanismo (mais ou menos latente) e anti-aristocratismo, liberdade de culto, fim do tráfico atlântico de escravos, eliminação gradual do trabalho escravo, combate ao predomínio britânico na economia e nos costumes e, também, ampliação dos direitos de cidadania para expressivos contingentes oprimidos do ponto de vista étnico e social.

Por outro lado, no campo da definição da nacionalidade e da modernização política, algumas das reivindicações colocadas foram almejadas, como a derrota do campo ‘absolutista-português’, pela qual Cipriano tanto se bateu, do ponto de vista político, administrativo, econômico e cultural; e a constitucionalização do país baseada nos postulados do moderno liberalismo político, ainda que sob vertente mais conservadora do que a desejada por Barata e seus correligionários.

Ao mesmo tempo em que buscava alianças e ampliar suas bases sociais, permeando e definindo suas postulações diante dos contextos, tentando driblar a repressão e atuar dentro das relações existentes e possíveis (numa sociedade hierarquizada, escravista e com relações sociais complexas), Cipriano Barata manteria uma coerência ética que o impediria de ‘mudar de campo’, como tantos fizeram, resguardando seus princípios fundamentais ao longo dos anos, recusando, ao que parece, oportunidades oferecidas de ascensão social e política dentro da ordem vigente. Posições que, defendidas com perseverança e coragem, ocasionaram repressões consecutivas que lhe deram, em vida, uma aura de heroísmo e martírio, embora nunca tenha sido mortalmente martirizado – tragédia que costuma ser coroada de sucesso póstumo na memória histórica e na historiografia.

2. Resumo biográfico

Cipriano José Barata de Almeida nasceu no dia 26 de setembro 1762, na freguesia de São Pedro Velho, Salvador, Bahia, que no ano seguinte deixava de ser capital do Brasil, cedendo lugar ao Rio de Janeiro. Filho do tenente (nascido no Reino de Portugal) Raimundo Nunes Barata e de Luíza Josefa Xavier (natural da América portuguesa), ambos brancos. Na verdade são escassas as informações sobre sua vida até 1822, quando faria 60 anos.

Sabe-se que Cipriano matriculou-se em 1786 no curso de Filosofia na Universidade de Coimbra, Portugal, e no ano seguinte nos cursos de Matemática e Medicina, no mesmo estabelecimento. Em 1788 registraram-se 14 faltas ‘sem justificativa’ à Universidade, ano em que foi interrogado pela Mesa da Inquisição em Coimbra, acusado de heresia. [As faltas estão registradas em Cipriano José de Almeida, Cartas de Curso, Filosofia, 1790, cota do Arquivo da Universidade de Coimbra, AUC-IV-2a. D-12-4, material gentilmente cedido e reproduzido pela assessora principal do arquivo, Ana Maria Leitão Bandeira. O interrogatório pela Mesa da Inquisição de Coimbra consta do Arquivo da Torre do Tombo, Lisboa, IANTT, Inquisição de Coimbra, Promotor – Caderno 123 / 2a. Série, Livro 415, documento encontrado e citado pelo historiador Alexandre Barata (2002), p. 43] Entretanto, foi aprovado ao longo dos quatro anos do curso em todos os exames e colou grau de Bacharel em Filosofia em 9 de julho de 1790 e recebeu diplomas de habilitação em Medicina e Matemática. Seu diploma universitário em Filosofia foi expedido em 14 de julho do mesmo ano (por coincidência, o primeiro aniversário da Queda da Bastilha, em Paris), assinado pelo Reitor, d. Francisco Rafael de Castro, tendo como professor examinador Teotônio José de Figueiredo Brandão [cópia do diploma de Cipriano Barata encontra-se nas Cartas de Curso, Filosofia, 1790, AUC, cit].

Cipriano foi, pois, um ‘coimbrão’ desviante – não fez parte da rede de mecenato luso-brasileira de d. Rodrigo de Sousa Coutinho e apoiaria, ao longo de sua trajetória, vários dos postulados da Revolução Francesa, como se pode ler nos textos transcritos adiante.

De volta para o Brasil, durante os próximos anos será lavrador arrendatário nos engenhos do Inácio Siqueira Bulcão na Bahia – condição que diferenciava Cipriano dos grandes proprietários, embora o colocasse em relação direta com estes. Neste período cuidava da alimentação de um cavalo e de ralas cabeças de gado e das roças de mandioca, isto é, atividades e plantações de subsistência, além de administrar a posse dos cinco escravos arrendados que trabalhavam para ele, aos quais dera, aliás, nomes bíblicos. ‘Aqui fico curando uns, e matando outros, sem dinheiro e agoniado pelas desordens da terra’, escreveria a um amigo, revelando já na correspondência privada o estilo irônico que marcaria seus escritos públicos décadas mais tarde.

Entre 1797 e 1798 denúncias contra Cipriano, na Bahia, são enviadas à rainha d. Maria I e ao Santo Ofício, acusando-o de ‘pregações incendiárias’ aos ‘rústicos povos’ e de práticas heréticas. Havia, pois, uma tensão, que se expressava, no âmbito pessoal, em angústia pelas desordens da terra diante do cotidiano de ritmos lentos e permanentes do mundo colonial baiano. O equilíbrio seria interrompido quando, em 12 de agosto de 1798, foram afixados ‘papéis sediciosos’ nas ruas de Salvador proclamando uma ‘República Bahiense’. Em 19 de setembro, Cipriano foi preso e teve seus livros e papéis pessoais apreendidos, acusado de participar dos episódios conhecidos por Conjuração Baiana. Durante mais de um ano detido, com a barba crescida, passa por interrogatórios, acareações: nega formal e reiteradamente qualquer envolvimento, apesar de evidências contrárias, e acaba absolvido em 5 de novembro de 1799. Quatro dias depois, foram mortos e esquartejados os quatro mártires da Conjuração Baiana, os ‘pardos’ Lucas Dantas do Amorim Torres, Manoel Faustino dos Santos Lira, Luiz Gonzaga das Virgens e João de Deus do Nascimento, com os quais Cipriano conspirara. (Neste mesmo ano, por coincidência, na capitania das Minas Gerais, Aleijadinho concluía as estátuas dos Profetas em Congonhas do Campo, no apogeu do Barroco mineiro). Posteriormente, Cipriano seria um dos únicos, talvez o único, a assumir publicamente e de modo positivo a participação nestes episódios, lembrando que estivera preso em 1798 ‘pelo bem da pátria’.

Neste período obscuro da vida de Cipriano Barata mesclam-se eventos públicos e domésticos. Em 22 de janeiro de 1808, a Corte Real portuguesa desembarca em Salvador, e decreta-se a Abertura dos Portos. No ano seguinte, registra-se o batismo de Veridiana Rosa Barata, uma das filhas de Cipriano, na Igreja da Matriz, rua do Passeio, Salvador.

Há em seguida notícias de Cipriano quando é proclamada a República em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, 1817. Acusado de articular o movimento na Bahia, é chamado pelo Conde dos Arcos que lhe ameaça cortar a cabeça. Dezenas de rebeldes são mortos. Barata, em Salvador, presta assistência direta aos presos do malogrado movimento republicano e luta pela anistia. Em 1820 eclode o Movimento Constitucionalista do Porto, com larga repercussão no Brasil. No ano seguinte chega a anistia aos presos políticos. Em 9 de fevereiro de 1821, Barata participa do levante armado que depôs o conde da Palma, último capitão general da Bahia. No dia 17 de dezembro Cipriano toma posse como deputado nas Cortes de Lisboa, eleito pela Bahia. Depois de estar envolvido (e de ter sobrevivido) a duas tentativas de republicanismo e separação de Portugal, Barata optava, neste momento, pela redefinição de direitos e liberdades no interior da monarquia luso-brasileira.

Ao longo de 1822 Cipriano realiza intensa atividade parlamentar, participando de duas Comissões (dos Negócios do Brasil e de Saúde) e trava duros debates em plenário. É perseguido e ameaçado pelos ocupantes das galerias e mesmo nas ruas de Lisboa. Ficou conhecido e ganhou ares míticos e simbólicos o episódio em que Cipriano agrediu fisicamente o marechal Luis Paulino Pinto de França, também baiano e deputado às Cortes, mas que defendia o envio de tropas à Bahia contra a Independência. Em 6 de outubro, Cipriano fugiu com mais seis Deputados para Londres (entre eles o padre Diogo Feijó e Antonio Carlos de Andrada), onde lançaram manifesto conjunto. Em novembro, embarcam de volta para o Brasil, chegando a Recife em dezembro. Pronunciamentos de Cipriano nas Cortes de Lisboa foram impressos no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Em 12 de outubro, iniciava-se o primeiro Reinado brasileiro com a aclamação do imperador.

O ano de 1823 viu surgir em 9 de abril o jornal Sentinela da Liberdade (saíram 66 números desta fase), redigido por Cipriano, que também escreveu oito números da Gazeta Pernambucana. Em 2 de julho, as tropas portuguesas são definitivamente expulsas pela população baiana armada e pelas tropas imperiais. Cipriano fez oposição ao ministério liderado por José Bonifácio. É eleito Deputado pela Bahia para Assembléia Constituinte, mas recusa-se a tomar posse. Publica o Manifesto à Bahia de Todos os Santos, por um Deputado às Cortes Gerais Constituintes de Portugal… e a Análise do Decreto de 1 de dezembro de 1822, sobre a criação da nova Ordem do Cruzeiro… No dia 17 de novembro, é preso em sua casa em Recife e levado para Fortaleza do Brum. Em dezembro encontra-se detido na Fortaleza de Santa Cruz, Rio de Janeiro. Surgem protestos contra sua prisão em várias províncias. Em novembro, a Assembléia Constituinte fora dissolvida pelo imperador.

A partir daí Cipriano Barata enfrenta um longo cativeiro que duraria quase todo o primeiro Reinado, a maior parte em isolamento e sem publicar seu jornal. Em 25 de março de 1824 foi outorgada a primeira Constituição brasileira, embora Cipriano continuasse detido de forma ilegal e sem acusação formal. No dia 2 de julho é proclamada a Confederação do Equador, abrangendo Pernambuco, Ceará, Bahia, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Cipriano pode ser considerado um dos preparadores doutrinários e práticos deste movimento, mas quando se dá a eclosão ele estava preso na Fortaleza do Laje, na baía da Guanabara e logo se vê condenado à prisão perpétua, apesar de escrever petições por sua liberdade.

Ainda na cadeia, em 1825, Cipriano sente-se ameaçado de morte pelo imperador e escreve o manuscrito Motivos de minha perseguição e desgraça em Pernambuco e Rio de Janeiro…. O tempo passa lento por detrás das grades, mas novos ventos sopram após a abertura da Câmara dos Deputados e do Senado. Cipriano é transferido de volta para a Fortaleza de Santa Cruz e em 1828 polemiza por escrito com o comandante da prisão. Em 1829 é escrita a Dissertação abreviada sobre a terrível masmorra chamada Presiganga existente no Rio de Janeiro.

Com a crise do primeiro Reinado mais aguda e a oposição a d. Pedro I subindo de tom, Cipriano é solto em 25 de setembro de 1830 e recebido por multidão no Cais Pharoux, Rio de Janeiro. Em dezembro chega na Bahia, depois de 9 anos de ausência, e é também recepcionado com festejos. Participa da oposição ao imperador e ao modelo de nação que se implantava.

Em 12 de janeiro de 1831, retoma seu jornal Sentinela da Liberdade, pela primeira vez na Bahia, do qual sairão 22 números desta fase em liberdade. No dia 7 de abril, d. Pedro I é levado a deixar o trono e o país, iniciando-se as Regências. Em 13 de abril, Cipriano envolve-se nas agitações de Mata Marotos em Salvador. Dia 28 de abril, é preso pelo visconde de Pirajá e embarcado para o Rio, onde em maio encontra-se encarcerado no Forte de Villegaignon, acusado de ‘haitianismo’. Em setembro, transferido para a Ilha das Cobras, é acusado de responsável pela revolta ocorrida na guarnição em outubro, quando ali se encontrava, motim reprimido, entre outros, pelo futuro duque de Caxias. Neste momento o futuro almirante Tamandaré prende correligionários de Barata na Bahia. Em dezembro, este é levado de novo para Villegaignon, publicando quando possível seu jornal do cárcere (36 números desta fase, até 1834, com o título variando de acordo com o local de prisão). Escreve o manuscrito Relação abreviada dos meus sofrimentos e sucessos desde o embarque a 4 de maio até a chegada a 26 do mesmo mês à capital do Rio de Janeiro. E publica três manifestos: Desengano ao público – ou – Exposição dos motivos de minha arbitrária prisão na Província da Bahia; Manifesto que ao respeitável público apresenta o Cidadão Cipriano José Barata de Almeida sobre a sua súbita, tirana prisão na Bahia, e remessa violenta para esta Corte, onde se acha ainda preso…; e Exposição de tramóia e falsidade que contra mim, João Primo, o Major reformado José Joaquim Leite, o Barão de Itaparica e outros, juraram as testemunhas subornadas pelos membros do Infame Clube do Gravatá, aristocratas… . Publica no jornal um estudo sobre o conceito de legitimidade.

Em janeiro de 1832, Cipriano está detido na fragata Niterói e lança seu jornal. No mês de agosto, o septuagenário é condenado a 10 anos de prisão com trabalhos forçados. É levado de volta para Bahia, onde conhece novos cárceres: Forte do Mar e a Presiganga (navio prisão), publicando seu jornal de forma esparsa. Casa-se no Forte do Mar com sua segunda esposa, Ana Joaquina, com quem já tinha seis filhos.

É transferido para o Forte do Barbalho em 1833, de novo para o Forte do Mar (onde eclode uma rebelião da guarnição quando ele se encontrava detido) e ainda para a Presiganga. Em outubro, recebe votação para Senador pela Paraíba.

Ainda preso, é internado em 1834 no Hospital Militar de Salvador, doente, como atesta o longo título de seu jornal, onde se acumulavam as indicações dos locais de detenção. No primeiro semestre, consegue ser solto, sofre perseguições na Bahia e vai morar em Recife, com a família. Em julho, retoma o jornal Sentinela da Liberdade. Em agosto, novamente é votado para Senador pela Paraíba. Cipriano é votado para Regente (o eleito é o padre Feijó) e para o Senado por Minas Gerais. Combate a Cabanada (Alagoas e Pernambuco).

Cipriano Barata faz oposição ao governo das Regências. É candidato a Senador pela Bahia em 1835. Eclodem neste ano a Revolta Farroupilha (RS / SC), Cabanagem (PA) e rebelião de escravos malês (BA) e Cipriano posiciona-se diante destes movimentos. No âmbito familiar, seu sobrinho Bernardo José (que também estivera preso por motivos políticos) comete matricídio em Salvador e é em seguida morto pela polícia. Cipriano encerra definitivamente seu jornal em Pernambuco, em 26 de setembro, por coincidência, a data de seu 73 º aniversário. Muda-se então para Paraíba, mas as perseguições continuam e é forçado a sair de lá.

No começo de 1837 vai morar em Natal (RN), a convite do presidente da Província, e continua a clinicar e dar aulas particulares. Seu estado de saúde se agrava. Instala-se a política conservadora do Regresso no governo central e eclode a revolta Sabinada na Bahia. Cipriano Barata falece em 1 de junho de 1838.

3. Memória e historiografia

A memória de Cipriano Barata foi cultivada por sua própria família, ou em parte dela. A principal guardiã e transmissora desta memória foi uma de suas filhas, Veridiana Rosa Barata, no âmbito público e no doméstico. Veridiana esteve em contato com o historiador Alexandre Mello de Morais (1826 – 1882) na década de 1860 e possivelmente através dele doou para a Biblioteca Nacional (onde existe a mais completa coleção dos textos de Cipriano) o que restava na família do acervo paterno. Na folha de rosto de um destes documentos está escrito: ‘Pertence a Veridiana Barata’. Foi ela também quem redigiu circunstanciado e curioso relato sobre as prisões Regenciais de seu pai, em algumas das quais esteve para acompanhá-lo, endereçado ao mesmo Mello de Moraes [Carta de dona Veridiana Barata ao doutor Alexandre José de Mello Moraes, Rio de Janeiro, 6 de abril de 1868. Seção de Manuscritos, Fundação Biblioteca Nacional].

Veridiana casou-se com José Maria Candido Ribeiro (que faria o único retrato de Cipriano ainda em vida no Brasil, como se verá adiante) e tiveram vários filhos, criando o ramo dos Barata Ribeiro.

Foi desta mesma filha que surgiu expressiva linhagem política. Atanagildo Barata, filho de Veridiana, engenheiro e veterano da Guerra do Paraguai, esteve preso em 1894 por envolver-se na Revolta da Armada. Agildo Barata, filho de Atanagildo, capitão do Exército e líder comunista, esteve à frente da malograda insurreição de 1935 na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, da Aliança Nacional Libertadora – e dedica um capítulo de seu livro de memórias (2a. ed., 1978) a relatos da tradição oral familiar sobre Cipriano.

Outro filho de Veridiana, Cândido Barata Ribeiro, médico pediatra, republicano e abolicionista durante o segundo Reinado, seria o primeiro prefeito do Distrito Federal (RJ) com a proclamação da República, além de senador.

Outros descendentes conhecidos publicamente de Cipriano são o ator Agildo Ribeiro (filho de Agildo Barata), o cantor lírico e barítono Paulo Fortes (1923 – 1997, bisneto de Cândido Barata Ribeiro) e o escritor Diamor Barata.

Além das heranças familiares, é curioso ver em que momentos históricos o nome de Cipriano vem à tona, ainda que esporadicamente. Em 1848, na Revolta Praieira, Antonio Borges da Fonseca lembra Cipriano e, já nos anos 1860, num meeting com a presença do poeta Castro Alves, Borges torna a citar Barata. Envolvido nas últimas pelejas abolicionistas e nos primeiros movimentos operários, o baiano Manoel Querino, mulato, pobre e notável pesquisador autodidata, citava Cipriano em seus trabalhos, registrando ‘a veneração que se tinha por esse homem’. É Querino quem informa o surgimento, em Belém do Pará, 1900, de uma agremiação de ‘idéias avançadas’ cujo emblema era uma barata, em ‘homenagem ao insigne patriota’. Na passagem dos 150 anos do falecimento de Cipriano foi organizada na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, uma homenagem, à qual compareceram historiadores, jornalistas e descendentes do personagem.

No âmbito da historiografia alguns trabalhos merecem destaque. Pelo pioneirismo, os verbetes biográficos de Joaquim Manoel de Macedo (que propunha indulgência com o que considerava ‘excessos do velho Barata’) e do escritor português Manoel Pinheiro Chagas (elogiava o patriotismo e lamentava alguns ‘exageros’ de Cipriano), ambos de 1876. Mello Moraes estampa um artigo biográfico nas páginas do seu Brazil Histórico seis anos depois, mas sem utilizar todo o material que lhe fora passado por Veridiana, embora publicando o retrato do biografado.

Na esteira das comemorações do Centenário da Independência publicam-se duas pequenas e superficiais biografias de Cipriano, em meio a coletâneas com outros nomes, feitas por Heitor Moniz e Affonso de Taunay. E no mesmo intenso ano de 1922 (fundação do PCB, rebelião tenentista e Semana de Arte Moderna), Luis da Câmara Cascudo inicia pesquisa sobre Cipriano Barata, que seria impressa em 1938, no Estado Novo. Foi um trabalho mais substancial – e um dos primeiros publicados pelo famoso folclorista –, trazendo à tona novos documentos e informações, porém marcado por um colorido estilo de redação onde os recursos literários e imagísticos em alguns momentos se sobrepõem à pesquisa e desenham um personagem que se distancia do que se encontra na documentação. Gustavo Barroso, conhecido intelectual integralista, escreveu um rápido artigo biográfico sobre Barata e as Sentinelas que surgiram sob sua influência, comparando-o aos ‘vermelhos’ (comunistas).

O estudo mais significativo sobre a vida e obra de Cipriano veio de um historiador monarquista e conservador, Helio Vianna (1945): rigoroso, honesto e eficiente na pesquisa documental, embora limitado do ponto de vista interpretativo, seu texto ainda hoje é incontornável para o tema.

Visivelmente baseado em Vianna, mas alterando profundamente sua linha interpretativa, Caio Prado Junior escreve um ensaio sobre Barata colocando-o como personagem destacado da ‘história revolucionária’ do Brasil. Em posição próxima a de Caio Prado, Fernando Segismundo traça o esboço da vida do jornalista baiano valorizando-o como democrata e defensor da liberdade de imprensa. Era o período nacional-popular dos anos 1945-64, que rendeu ainda dois ensaios sobre Barata, incluídos em obras mais amplas dos respectivos autores: Otávio Tarquínio de Sousa e Nelson Werneck Sodré.

No bojo da campanha pela anistia, 1979, Cipriano é lembrado pelo historiador Roberto Martins, mesmo ano da edição do livro de Carlos Guilherme Mota sobre a idéia da Revolução, com amplas citações a Cipriano. João Alfredo de Sousa Montenegro publica pioneira análise sobre os fundamentos ideológicos e o pensamento político de Cipriano. Desde os anos 1980, o historiador Luis Henrique Dias Tavares vem pesquisando e analisando a trajetória política e as idéias de Cipriano Barata, a partir da Conjuração Baiana e além dela, trazendo abordagens e elementos novos: tais pesquisas foram incluídas num de seus livros (2003).

Comecei a interessar-me pela trajetória de Barata mal saído da adolescência, em 1978, período de importantes greves, como a dos metalúrgicos paulistas e canavieiros pernambucanos, que gerariam transformações no cenário político e aprofundariam a crise da ditadura civil militar no país. Publiquei um pequeno livro sobre o personagem em 1986, fiz sobre ele minha Dissertação de Mestrado (1990) e publiquei outro livro (2001), ampliando pesquisas e reformulando abordagens.

A partir dos anos 1990 surgiram, no meio acadêmico e fora dele, trabalhos especializados que tratam de aspectos da vida e da obra de Cipriano Barata, trazendo novos ângulos e perspectivas (v. Bibliografia). Convém assinalar ainda que nunca havia sido feita, até então, qualquer publicação póstuma, reedição ou edição crítica de algum texto de Cipriano Barata.

4. Métodos e critérios da edição dos documentos

Os textos aqui transcritos não constituem, ainda e infelizmente, a coleção completa dos escritos de Cipriano Barata. Porém, e felizmente, formam a coleção completa existente nos acervos consultados, majoritariamente da Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) [e também exemplares esparsos do Arquivo Público Estadual de Pernambuco, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Arquivo Nacional (RJ) e da Biblioteca Brasiliana de José Mindlin (SP)]. A busca em outros arquivos públicos foi, até agora, infrutífera [foram compulsados, além dos citados, os seguintes arquivos públicos: Rio de Janeiro, Arquivo Histórico do Museu Imperial e Real Gabinete Português de Leitura; Salvador (Arquivo Público Estadual e Instituto Histórico da Bahia); São Paulo (Bibliotecas da USP e Biblioteca Municipal); Belo Horizonte, Arquivo Público Mineiro; Paris (Bibliothèque Nationale, Bibliothèque Sainte Geneviève {Fonds Ferdinand Dennis}, Archives Nationales e Archives du Ministère des Affaires Étrangères); Biblioteca Nacional de Lisboa e Biblioteca Nacional de Caracas (Venezuela)]. Dos 186 números de jornais que sabemos redigidos por Cipriano Barata, estão aqui transcritos 88 (Sentinela da Liberdade, à exceção de duas Gazeta Pernambucana), além de todos os 7 manifestos / dissertações por ele escritos, alguns até então inéditos (encontravam-se em manuscritos), inclusive os anônimos sobre os quais foi possível estabelecer autoria – e mais três textos diversos e os pronunciamentos nas Cortes de Lisboa. Estão indicados nas respectivas Partes (embora não publicados) todos os textos avulsos de Cipriano que nos chegaram ao conhecimento, como correspondência privada e pública, interrogatórios, processos, petições e outros escritos, com as respectivas indicações de onde se encontram.

Desta forma, os textos, pronunciamentos e até alguns poemas e canções que vieram à tona entre 1821 e 1835, ao serem reunidos pela primeira vez podem ser chamados de obra. Ainda que em geral formulados de maneira circunstancial (isto é, no calor das circunstâncias e embates) e em condições muitas vezes adversas, eram, porém, embasados e interligados por determinados objetivos, concepções e visão de mundo. Cipriano Barata, embora culto, erudito, dotado de linguagem própria e estilo peculiar de escrita, não elaborou um conjunto orgânico de obra, como conseqüência de suas opções de vida e das situações que enfrentou – embora tal inexistência de um conjunto individual mais amplo e articulado de publicações impressas tenha caracterizado no Brasil a geração de homens públicos e letrados à qual Cipriano pertenceu. A análise das diversas facetas desta obra, entretanto, foge aos objetivos desta edição e ao longo das notas críticas e comentários indicam-se apenas algumas pistas.

Os documentos da presente edição foram agrupados em seis Partes, por critério cronológico e do contexto em que surgiram, gerando assim razoável coerência temática. No início de cada Parte há Comentários, que buscam informar, ainda que de maneira breve: os contextos em que os textos foram escritos e as principais questões em debate; as tipografias e tipógrafos, periodicidade, números dos exemplares transcritos e os ausentes; co-autores ou personagens diretamente envolvidos na produção; outros escritos do personagem no mesmo período; questões de identificação de autoria, quando cabíveis.

Os textos a seguir transcritos tiveram sua ortografia atualizada, sob determinados critérios. Foram atualizados: substantivos comuns, nomes próprios e algumas formas de conjugação de verbos e, na pontuação, o uso de ponto e vírgula tão freqüente na sintaxe da época. Foram ainda corrigidos erros de tipografia / impressão. Não foram atualizados nem alterados os usos de: letras maiúsculas / minúsculas, pontos de exclamação, interjeição, reticências e ponto final; estilo, redação e construção da frase; palavras de época que tenham saído de uso ou desaparecido e citações em língua estrangeira. Optou-se por colocar entre aspas as citações de outros autores feitas pelo autor (às vezes ele usava aspas, outras travessão). O objetivo foi manter a mais estrita fidelidade aos escritos do autor, adequando-os, porém, à gramática atual, para facilitar a leitura, compreensão e citação.

Onde aparece a palavra ‘ilegível’ entre colchetes {ilegível}, significa que os trechos em questão encontram-se rasgados, com furos, manchados ou com algum impedimento no suporte material que impeça a leitura. Da mesma forma, estarão entre colchetes as eventuais intervenções do editor no texto original.

Aparecem em itálico: citações em língua estrangeira, títulos de livros e de periódicos e as passagens em que o próprio autor usava itálico como forma de destacá-las. Para cada exemplar, transcreveu-se sempre as informações da folha de rosto: título completo, número, data, tipografia, preço, epígrafe e outras, mas não foram transcritos os números de página dos exemplares.

As notas do editor do presente trabalho entram como notas de rodapé e buscam esclarecer os seguintes aspectos: episódios e personagens citados, com rápidas contextualizações e esboços biográficos; expressões do vocabulário político; palavras que caíram em desuso ou expressões típicas da época; citações de autores, livros e periódicos; anotações sobre o estilo do autor; remissão de temas, episódios e personagens recorrentes; lembretes e balizas de contexto que facilitem a compreensão de possíveis sentidos de algumas afirmações do autor; alguns conceitos chave do pensamento do autor, como povo, pátria, revolução, escravidão, república, federação e legitimidade, entre outros. As notas do próprio autor dos documentos aparecem no corpo do texto, precedidas das numerações ou sinais usados originalmente, quase sempre números entre parêntesis ou asteriscos.

Importante esclarecer que existiram outros jornais com o título de Sentinela da Liberdade em várias províncias brasileiras (e no exterior) nos anos 1820-30, e mesmo depois, embora intermitentes. E tais periódicos homônimos que não se encontram transcritos aqui não foram redigidos por Cipriano Barata. Na verdade, o jornal de Cipriano foi o primeiro cronologicamente (abril de 1823) e também a matriz da qual surgiram os demais naquele contexto, que se filiavam ao mesmo ideário político e faziam explícitas referências à sua liderança. Esta rede de comunicação e sociabilidade política, dentro dos limites da sociedade da época, abrangeu também outros veículos que, sem a semelhança do título, propagavam as mesmas palavras de ordem e postulados, com diferenças pessoais e locais. Tais expressões, que apareceram de Norte a Sul no território que se forjava em nação, merecem estudo aprofundado.

5. Cronologia: vida e obra de Cipriano Barata

1762 – Cipriano José Barata de Almeida nasce em 26 de setembro 1762, na freguesia de São Pedro Velho, Salvador, Bahia.

1763 – Salvador deixa de ser capital do Brasil, cedendo lugar ao Rio de Janeiro.

1776 – Declaração de Independência das 13 colônias inglesas da América do Norte.

1786 – Matricula-se no curso de Filosofia na Universidade de Coimbra, Portugal.

1787 – Matricula-se nos cursos de Matemática e Medicina, no mesmo estabelecimento.

1788 – Interrogado pela Mesa da Inquisição em Coimbra, acusado de heresia.

1789 – Queda da Bastilha em Paris. Conjuração Mineira.

1790 – Bacharela-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra e retorna ao Brasil. Nos próximos anos será lavrador nos engenhos do Inácio Siqueira Bulcão na Bahia.

1791 – Início da insurreição dos escravos em São Domingos (Caribe).

1792 – Tiradentes é enforcado no Rio de Janeiro.

1798 – Denúncias contra Cipriano, na Bahia, são enviadas à rainha d. Maria I e ao Santo Ofício, acusando-o de ‘pregações incendiárias’ e práticas heréticas. 12 de agosto, afixados ‘papéis sediciosos’ nas ruas de Salvador proclamando uma ‘República Bahiense’. Em 19 de setembro, Cipriano foi preso acusado de participar da Conjuração Baiana.

1799 – Absolvido em 5 de novembro de 1799. Quatro dias depois, foram mortos e esquartejados os quatro mártires da Conjuração Baiana. Na capitania das Minas Gerais, Aleijadinho concluía as estátuas dos Profetas em Congonhas do Campo, no apogeu do Barroco mineiro.

1808 – Em 22 de janeiro, a Corte Real portuguesa desembarca em Salvador, e decreta-se a Abertura dos Portos.

1809 – Batismo de Veridiana Barata, uma das filhas de Cipriano, na Igreja da Matriz, Salvador.

1817 – Proclamada a República em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte durante três meses. Cipriano é acusado de articular o movimento na Bahia. Em seguida, presta assistência aos presos do malogrado movimento republicano e luta pela anistia.

1820 – Movimento Constitucionalista do Porto, com larga repercussão no Brasil.

1821 – Anistia aos presos políticos. Em 9 de fevereiro de 1821, Barata participa do levante armado que depôs o conde da Palma, último capitão general da Bahia. No dia 17 de dezembro Cipriano toma posse como deputado nas Cortes da Lisboa, eleito pela Bahia.

1822 – Atuação parlamentar e fortes embates em Lisboa. Em 6 de outubro, Cipriano fugiu com mais seis Deputados para Londres Em novembro, embarcam de volta para o Brasil, chegando a Recife em dezembro. Pronunciamentos de Cipriano nas Cortes de Lisboa foram impressos no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Em 12 de outubro, iniciava-se o primeiro Reinado brasileiro com a aclamação do imperador.

1823 – Surge em 9 de abril o jornal Sentinela da Liberdade, redigido por Cipriano, que também escreveu oito números da Gazeta Pernambucana. Em 2 de julho, as tropas portuguesas são definitivamente expulsas da Bahia. Cipriano é eleito Deputado pela Bahia para Assembléia Constituinte, mas recusa-se a tomar posse. Publica o Manifesto à Bahia de Todos os Santos, por um Deputado às Cortes Gerais Constituintes de Portugal… e a Análise do Decreto de 1 de dezembro de 1822, sobre a criação da nova Ordem do Cruzeiro… No dia 17 de novembro, é preso em sua casa em Recife e levado para Fortaleza do Brum. Em dezembro encontra-se detido na Fortaleza de Santa Cruz, Rio de Janeiro. Em novembro, a Assembléia Constituinte fora dissolvida pelo imperador.

1824 – Em 25 de março, outorga da primeira Constituição brasileira. No dia 2 de julho é proclamada a Confederação do Equador, abrangendo Pernambuco, Ceará, Bahia, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Cipriano escrever petições por sua liberdade e é condenado à prisão perpétua.

1825 – Escreve o manuscrito Motivos de minha perseguição e desgraça em Pernambuco e Rio de Janeiro….

1826 – Início do Parlamento (Câmara dos Deputados e Senado) no Brasil.

1828 – Transferido para a Fortaleza de Santa Cruz (RJ), Cipriano polemiza por escrito com o comandante da prisão.

1829 – Escrita a Dissertação abreviada sobre a terrível masmorra chamada Presiganga existente no Rio de Janeiro.

1830 – É solto em 25 de setembro e recebido por multidão Rio de Janeiro. Em dezembro chega na Bahia, depois de 9 anos de ausência, e é também recepcionado com festejos. Faz oposição a d. Pedro I.

1831 – Em 12 de janeiro, retoma seu jornal Sentinela da Liberdade, pela primeira vez na Bahia. No dia 7 de abril, d. Pedro I é levado a deixar o trono e o país, iniciando-se as Regências. Em 13 de abril, Cipriano envolve-se nas agitações de Mata Marotos em Salvador. Dia 28 de abril, é preso pelo visconde de Pirajá e embarcado para o Rio de Janeiro, onde em maio encontra-se encarcerado no Forte de Villegaignon, acusado de ‘haitianismo’. Em setembro, transferido para a Ilha das Cobras, é acusado de responsável pela revolta ocorrida na guarnição em outubro, quando ali se encontrava. Em dezembro, é levado de novo para Villegaignon, publicando quando possível seu jornal do cárcere. Escreve o manuscrito Relação abreviada dos meus sofrimentos e sucessos desde o embarque a 4 de maio até a chegada a 26 do mesmo mês à capital do Rio de Janeiro. E publica três manifestos: Desengano ao público – ou – Exposição dos motivos de minha arbitrária prisão na Província da Bahia; Manifesto que ao respeitável público apresenta o Cidadão Cipriano José Barata de Almeida sobre a sua súbita, tirana prisão na Bahia, e remessa violenta para esta Corte, onde se acha ainda preso…; e Exposição de tramóia e falsidade que contra mim, João Primo, o Major reformado José Joaquim Leite, o Barão de Itaparica e outros, juraram as testemunhas subornadas pelos membros do Infame Clube do Gravatá, aristocratas… . Publica no jornal um estudo sobre o conceito de legitimidade.

1832 – Em janeiro de 1832, está detido na fragata Niterói e lança seu jornal. No mês de agosto, é condenado a 10 anos de prisão com trabalhos forçados. É levado de volta para Bahia, onde conhece novos cárceres: Forte do Mar e a Presiganga (navio prisão), publicando seu jornal de forma esparsa. Casa-se no Forte do Mar com sua segunda esposa, Ana Joaquina, com quem já tinha seis filhos.

1833 – É transferido para o Forte do Barbalho em 1833, de novo para o Forte do Mar (onde eclode uma rebelião da guarnição quando ele se encontrava detido) e ainda para a Presiganga. Em outubro, recebe votação para Senador pela Paraíba.

1834 – Ainda preso, é internado em 1834 no Hospital Militar de Salvador, doente, No primeiro semestre, consegue ser solto, sofre perseguições na Bahia e vai morar em Recife, com a família. Em julho, retoma o jornal Sentinela da Liberdade. Em agosto, novamente é votado para Senador pela Paraíba. Cipriano é votado para Regente (o eleito é o padre Feijó) e para o Senado por Minas Gerais. Combate a Cabanada (Alagoas e Pernambuco).

1835 – Faz oposição ao governo das Regências e é candidato a Senador pela Bahia. Eclodem a Revolta Farroupilha (RS / SC), Cabanagem (PA) e rebelião de escravos malês (BA). Encerra seu jornal em Pernambuco, em 26 de setembro.

1836 – Vai morar na Paraíba, mas tem que sair de lá por novas perseguições.

1837 – Muda-se para Natal (RN). Seu estado de saúde se agrava. Instala-se a política conservadora do Regresso no governo central e eclode a revolta Sabinada na Bahia.

1838 – Cipriano Barata falece em 1 de junho.

6. Iconografia de Cipriano Barata

[Estas análises iconográficas não constam de meu livro (2001)]

Existem dois retratos de Cipriano feitos quando ele vivia. O primeiro foi de autoria de Domingos Sequeira (1768 – 1837), o famoso pintor português que realizou numerosas obras, expressando artisticamente Portugal do absolutismo ilustrado e do constitucionalismo, através de pintura histórica e alegórica. Esta imagem, cujo original encontra-se no Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa, fez parte da galeria dos deputados das Cortes de Lisboa em 1822, dos quais Sequeira foi contratado para registrar os rostos, entre os quais Barata – que tinha, portanto, 60 anos. Vemos aqui os traços de Cipriano que correspondem às descrições físicas escritas: branco, magro, lábios finos, sobrancelhas delgadas, nariz também delgado, rosto nervoso revelando intensidade de emoções e olhar ligeiramente irônico, sem perder um certo aplomb racionalista. Seu cabelo estava curto, grisalho, e a roupa dentro dos padrões ocidentais vigentes entre as camadas médias – destoando, aqui, das descrições que o apontam como figura ‘exótica’ de longos cabelos, roupas utópicas típicas da Bahia e mesmo de um certo ar briguento e ‘selvagem’ que estaria subjacente à sua personalidade. Nesta imagem Cipriano tem mais o ar de um homem de letras ou escritor patriótico de fins do século XVIII e início do XIX – o que caracterizava, aliás, sua inserção social. Na verdade, as descrições que falam de Barata trajando roupas utópicas e que funcionavam como emblemas políticos como casaco de algodão da terra, chapéu de palha, ramo de café nas mãos e longos cabelos brancos surgem em 1831, portanto, nove anos depois deste retrato.

O segundo retrato aparece estampado nas páginas do jornal Brazil Histórico, de 1882, acompanhando a biografia de Cipriano escrita por Mello Moraes, conforme já indicado. Não há referência de autoria. Entretanto, Agildo Barata, em seu citado livro de memórias, informa que o retrato de seu bisavô Cipriano foi desenhado quando este se encontrava nas prisões da Regência por seu avô José Maria Candido Ribeiro, pintor, desenhista e impressor. José Maria, nesta ocasião, conheceu Veridiana Barata (então com pouco mais de 20 anos) e ambos casaram-se. Como Veridiana esteve em contato com o historiador Mello Moraes e transmitiu-lhe documentos sobre o pai, talvez não seja ousado avançar que o retrato em questão, publicado por Mello Moraes, fosse o mesmo – e único até então conhecido no Brasil – de Cipriano Barata feito por José Maria Candido Ribeiro, que tornou-se seu genro. Em tal imagem vemos um Cipriano, já na faixa dos 70 anos, calvo, de cabelos brancos e longos e rosto mais sofrido, olhar severo, além de certo tom de amargura expressa na boca e nos sulcos do rosto (e a técnica da impressão, de litogravura, parece escurecer a pele do personagem). Afinal, o ar mais denso da expressão explica-se: Barata passara sete anos consecutivos preso, apenas seis meses em liberdade e encontrava-se novamente detido ao ser retratado. Os traços físicos correspondem a outras descrições escritas: magro, cabeça larga indicando estatura pequena do corpo, olhos vivos e feições enérgicas. Ignora-se a localização do original desta imagem, que foi usada na capa de meu primeiro livro (1986) sobre o personagem.

Entretanto, um dos retratos mais difundidos de Cipriano Barata é póstumo. Feito por Oscar Pereira da Silva (1867-1939), encontra-se em exibição no Museu Paulista (Ipiranga, São Paulo) – portanto, no âmbito da elaboração de uma memória visual da Independência. Este pintor, como se sabe, pertenceu ao estilo acadêmico, com ênfase em obras figurativas e na pintura histórica. Discípulo de Vitor Meirelles, Oscar Pereira da Silva seguia os mesmos procedimentos que este para realizar pintura histórica, fazendo pesquisas em fontes iconográficas e textuais, dentro da preocupação realista. Mas ao mesmo tempo, impregnava suas composições artísticas das visões de mundo e do contexto em que vivia – pois Oscar, embora fluminense, fez carreira paulista entre fins do XIX e início do século XX, momento de afirmação de uma tradição histórica que privilegiava o papel de São Paulo na elaboração da Independência e da nação brasileira. Nesta linha, pintou também outros personagens, como Tiradentes e José Bonifácio. Tudo indica que o pintor tenha conhecido as duas imagens de Cipriano citadas acima e algumas descrições textuais – tanto que pintou Cipriano também no detalhe de outro quadro onde recria os debates das Cortes de Lisboa, no qual o paulista Antonio Carlos de Andrada aparece como figura central da composição. No retrato de Cipriano, este é apresentado de cabelos brancos e envelhecido, mas sua fisionomia perpassada de certa tristeza parece, na pintura, ter perdido algo dos traços nervosos ou vigorosos que o caracterizavam, ficando assim mais em consonância com o clima harmonizador do passado nacional que caracterizou a época.do Centenário da Independência.

Há também o retrato de Cipriano Barata feito pelo pintor baiano Henrique Passos em 2000, sob encomenda do editor Luis Guilherme Pontes Tavares para a capa da edição de meu livro sobre o personagem. Henrique Passos fez criteriosa pesquisa histórica, aliando-a a sua sensibilidade artística que se expressa em pinturas históricas e paisagens. Neste quadro, que foi doado à Academia de Letras da Bahia, o artista como que sintetizou as imagens anteriores, recriando ao mesmo tempo a expressão racional do homem de letras, o ar ligeiramente irônico e vigilante (alerta), seus traços nervosos, a cabeleira branca, as vestimentas utópicas, segurando nas mãos, à maneira dos portraits de personagens históricos, o jornal Sentinela da Liberdade, e também um ramo de café e chapéu de palha, símbolos com que Cipriano buscava expressar visualmente seu ideário.

7. Abreviaturas

ACIB – Arquivo da Casa Imperial do Brasil – Museu Imperial (Petrópolis).

AMAF – Archives du Ministère des Affaires Étrangères (Paris).

AN – Arquivo Nacional (RJ)

APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia

APEP – Arquivo Público do Estado de Pernambuco

CEHB – Catálogo de Exposição da História do Brasil (1981 {1881})

COR – Antonio Álvares Pereira Coruja, Compendio da Orthografia da Língua Nacional (1848).

DMS – Antonio Moraes Silva, Diccionario da Língua Portugueza (…) (1922 {1813})

FBN – Fundação Biblioteca Nacional (RJ)

GP – Gazeta Pernambucana.

HV – Helio Vianna (1945).

IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

INOC – Innocencio Francisco da Silva e Brito Aranha, Diccionario Bibliographico Portuguez. 1858 – 1914.

LHDT – Luis Henrique Dias Tavares, História da Bahia (2001).

NDA – Novo Dicionário Aurélio Eletrônico (FERREIRA, 1999).

NWS – Nelson Werneck Sodré (2 a. Ed., 1978).

SLFB – Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá: Mudada despoticamente para o Rio de Janeiro, e de lá para o Forte do Mar da Bahia; donde generosamente brada ALERTA!!!

SLFN – Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá hoje presa na Guarita Fragata Niterói no Rio de Janeiro. Alerta!!

SLGP – Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco.

SLIC – Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá Hoje Presa na Guarita da Ilha das Cobras no Rio De Janeiro.

SLIV – Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá Hoje Presa na Guarita de Villegaignon no Rio de Janeiro.

SLMD – Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá: Mudada despoticamente para o Rio de Janeiro, e de lá para o Forte do Mar da Bahia, depois para a Presiganga, logo para o Forte do Barbalho, e de novo para o Forte do Mar, e segunda vez para a Presiganga, por fim para o Hospital donde bradou Alerta: agora rendida, substituída por um camarada que vigia na cidade, e corajosamente Brada ALERTA!!!

SLPG – Sentinela da Liberdade na sua primeira Guarita, a de Pernambuco, onde hoje brada Alerta!!

SLQP – Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá.

Tip. – Tipografia

VIT – Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidario das Palavras, Termos e Frases que em Portugal Antigamente Se Usaram (…)(1865).

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Historiador