Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os haitianos chegaram. O que fazer com eles?

Poucos jornais têm dado destaque em suas páginas ao êxodo haitiano. É uma fuga em massa, principalmente, para a América do Norte e do Sul, entre outros. Tem-se a impressão que eles são invisíveis. Ou seja, não é notícia. O fato é que cada vez mais os haitianos buscam refúgio no Brasil. Para chegar aqui, esses imigrantes, que são homens em maioria, entram, principalmente, pelo Amazonas e Acre. O trajeto é feito de avião, ônibus e barco. Eles fogem da miséria, da pobreza, do abandono das nações que prometeram ajudá-los. Mas não o fizeram. Ao certo, não se sabe quantos já chegaram. Segundo nossas autoridades, 1.534 solicitaram a permanência no país. Na verdade, o número é muito maior e não revela a totalidade dos que estão aqui em situação irregular. A cada dia que passa eles vêm.

Para que fiquem no Brasil, existem alguns trâmites burocráticos. Primeiro, não são refugiados políticos. São vítimas de uma catástrofe natural – o terremoto de 2010. De acordo com especialistas, é provável que recebam o visto de residência humanitária, que não lhes possibilita permanecer em definitivo em terras brasileiras. Segundo, existe a dificuldade com a língua. Duas línguas são oficiais: o créole e o francês. Poucos falam o português. No Haiti não existem indústrias e, consequentemente, a mão-de-obra não é especializada. Muitos deles que estão aqui são pedreiros, carpinteiros, padeiros, entre outros. Contudo, aqui não faltam esses profissionais. Por fim, há o caso dos professores universitários e advogados. Nosso país conta com essa mão-de-obra qualificada. O que vai acontecer quando os haitianos trouxerem suas famílias? Será que nossas escolas estarão devidamente preparadas para recebê-las, no caso, às crianças?

Mídia deu maior destaque à tragédia japonesa

Por fim, os que permanecerem vão encontrar várias pedras pelo caminho, entre elas o preconceito. Por exemplo, africanos, paraguaios e bolivianos que vivem no Brasil, na sua grande maioria, têm péssima qualidade de vida e são discriminados. A maioria vive em guetos. O Brasil não é uma democracia racial. É claro que nossa cultura é sincrética e mestiça. Contudo, não somos tão hospitaleiros como se diz. Isso é mito. Recebemos bem estrangeiros com dinheiro. O mesmo não vale para imigrantes pobres. O fato é que a mídia não deve se furtar de discutir a questão. Afinal, ela é de interesse de toda sociedade. Aliás, é preciso que o poder público – governo – saiba o que pensa o cidadão comum.

O drama haitiano vem desde o terremoto de 2010, que matou 230 mil pessoas e destruiu o país. Ou seja, até o momento pouco foi reconstruído e os escombros estão de pé no lugar das edificações. Serviços essenciais praticamente não funcionam. De outro lado, em março deste ano, o Japão, também foi duramente castigado por um terremoto. Menos de 100 pessoas morreram. Apesar de todo o sofrimento humano e o apoio da comunidade internacional, em breve o país será reconstruído. Na verdade, por ser uma economia rica e desenvolvida, não interessa que o Japão mergulhe numa profunda e grave crise econômica. Na verdade, isso pode ter efeitos catastróficos para as demais economias capitalistas do mundo. É por isso que o Haiti não teve o mesmo tratamento. Não tem representatividade internacional. Passados dezesseis meses, para eles o cenário é o mesmo. Em uma palavra: abandono. A mídia como um todo se calou e deu maior destaque e cobertura à tragédia japonesa.

Por que o Haiti não é pauta?

O Brasil e a comunidade internacional não podem deixar o Haiti entregue à própria sorte. Além de ser a primeira República negra das Américas, temos em comum a herança africana. Por isso, não podemos ser insensíveis e fechar os olhos para os problemas desse povo que tanto sofre. Como nós, que migramos, principalmente para a Europa e EUA, eles buscam melhores condições de sobrevivência. Recebê-los é uma maneira de marcarmos presença efetiva no cenário mundial. É bom lembrar que somos membros – temporários – do Conselho de Segurança da ONU. Por fim, a mídia impressa adota a mesma postura do Brasil e da comunidade internacional ao ignorar este povo que tanto sofre. Tem mais: aos olhos da mídia impressa, por que o Haiti não é pauta?

Enfim, tenho a mesma opinião do professor Omar Ribeiro Thomaz, em entrevista aoJornal da Tarde (26/6, pág. 3A): “Eles estão indo em grande número para outros países. É espantoso que o Brasil, que quer desempenhar papel de potência regional e até mundial, não tenha capacidade de incorporar algumas centenas de indivíduos.”

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[Ricardo Santos é professor e jornalista]