Comprova-se novamente que no Brasil a democracia não é um processo fluente, contínuo, mas um conjunto de impulsos e espasmos, muitas vezes contraditórios.
Na quinta-feira (21/2), ao acolher o pedido de liminar apresentado pelo deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), o ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres de Britto deu um tiro de misericórdia na funesta Lei de Imprensa implantada pela ditadura militar em 1967. Ao mesmo tempo reassegurou o primado da liberdade da expressão como fundamental para o Estado de Direito.
‘Imprensa e democracia são irmãs siamesas’, sentenciou o ministro. E completou: ‘O que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja’.
Reivindicação antiga
A decisão do STF é provisória, mas pode suspender imediatamente alguns processos orquestrados pela Igreja Universal contra a Folha de S.Paulo, que denunciou graves irregularidades no grupo empresarial do bispo Edir Macedo (ver ‘Intimidação e má-fé‘). A decisão do ministro pode ser vista também como resposta da Corte Suprema ao presidente Lula, que na terça-feira (19) considerou legítimas as ações judiciais da Igreja Universal contra jornais e jornalistas.
De qualquer forma, o pedido de liminar acolhido na quinta-feira vai criar a maior confusão porque colide com preceitos constitucionais já consolidados – caso da censura às diversões e espetáculos e da proibição de estrangeiros serem proprietários de empresas de jornalísticas.
O fim da Lei de Imprensa é reivindicação antiga, mas a consagração definitiva do princípio da liberdade de expressão exige estatutos legais muito claros e, sobretudo, muito coerentes. Democracia caótica é arremedo de democracia.
***
Ministro do STF suspende parte da Lei de Imprensa
Ranier Bragon e Lucas Ferraz # copyright Folha de S.Paulo, 22/2/2008
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto concedeu no início da noite de ontem liminar determinando a juízes e tribunais de todo o país a suspensão imediata de processos e ‘efeitos de decisões judiciais’ que tenham relação com 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa.
A liminar -decisão provisória, válida (caso não seja cassada) até o julgamento do mérito da ação- suspende, entre outras coisas, a possibilidade de jornalistas condenados por crime contra a honra serem punidos de forma mais severa do que pessoas condenadas pelos mesmos crimes, só que com base no Código Penal.
A Lei de Imprensa, sancionada em fevereiro de 1967 por Castello Branco, o primeiro general-presidente do regime militar (1964-1985), foi alvo de ação movida pelo PDT, por meio do deputado Miro Teixeira (RJ), que pede ao STF a sua total extinção sob o argumento de ela ‘é incompatível com os tempos democráticos’.
Na ação, o PDT pediu liminar para suspender os processos que tivessem relação com a lei de imprensa e, para tentar provar a urgência da medida, anexou cópia de reportagens e editoriais acerca das ações por danos morais movidas por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra órgãos de imprensa, entre eles a Folha.
‘Ao meu sentir, esses requisitos foram devidamente comprovados [`extrema urgência ou perigo de lesão grave´] pelo argüente [PDT] a partir dos documentos acostados à inicial’, diz Britto. Ele próprio manifestou dúvida sobre se sua decisão alcança o ponto da Lei de Imprensa que trata de pedidos de indenização por danos morais, que é o artigo 49. ‘Pode ser que por arrastamento o artigo 49 também seja suspendido.’
A liminar também suspende processos e decisões judiciais que tenham relação com artigo da lei que exige de órgãos de comunicação e jornalistas o depósito em juízo do valor da indenização caso pretendam recorrer das condenações.
‘A imprensa e a democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. (…) Não se pode perder uma só oportunidade de impedir que eventual aplicação da lei em causa, de nítido viés autoritário, abalroe esses tão superlativos quanto geminados valores constitucionais da democracia e da liberdade de imprensa’, disse Ayres Britto na sustentação de sua decisão.
Em entrevista, Ayres Britto disse que ‘a imprensa não é para ser cerceada, embaraçada. É para ser facilitada, agilizada’.
Boa parte da liminar abrange artigos da Lei de Imprensa que, em regra, já eram letra morta devido a jurisprudência firmada pelos tribunais superiores nos anos que se seguiram à Constituição de 1988.
Entre eles, estão os que 1) permitem censura a espetáculos e diversões, 2) vedam aos jornalistas a possibilidade de provar que publicaram a verdade caso os atingidos fossem altas autoridades da República, 3) permitem apreensão e fechamento de empresas de comunicação por mero ato do Executivo, sob o argumento de ‘subversão da ordem política e social’, e 4) impõem limites à indenização por dano moral.
Não há prazo para julgamento do mérito do pedido do PDT, o que deve ser feito pelo plenário do STF. Agora, Ayres Britto abrirá prazo para a AGU (Advocacia Geral da União) apresentar defesa da norma legal e para o Ministério Público Federal se manifestar.
Os processos cuja suspensão foi determinada são aqueles que tenham relação com os seguintes artigos da lei (5.250/ 67): 1º (só a parte inicial do 2º parágrafo), 2º (só o parágrafo 2º), 3º, 4º, 5º, 6º, 20º, 21º, 22º, 23º, 51º, 52º, 56º (a parte final), 57º (só os parágrafos 3º e 6º), 60º (parágrafos 1º e 2º), 61º, 62º, 63º, 64º, e 65º.
Consulte aqui a íntegra da Lei de Imprensa.
***
Liminar suspende partes da Lei de Imprensa
Felipe Recondo # copyright O Estado de S.Paulo, 22/2/2008
O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar parcial a uma ação impetrada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que pediu a suspensão de artigos da Lei de Imprensa, editada pelo governo militar, em 1967. Com essa decisão, todos os processos judiciais que invocaram a lei e estão em tramitação ficam suspensos, assim como as decisões com base em 22 dispositivos dela, até o julgamento do mérito, a ser feito pelo plenário do STF.
‘A imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja’, afirmou o ministro Britto em sua decisão.
Foram derrubados os artigos que regulam a punição de jornalistas por supostos delitos de imprensa e que prevêem penas mais severas que o próprio Código Penal. Enquanto a Lei de Imprensa prevê para o crime de calúnia uma pena máxima de três anos de detenção, o Código Penal prevê dois anos; para a injúria, a lei prevê um ano e o Código, seis meses; e para a difamação, a lei estabelece 18 meses e o Código, um ano.
Perdeu a validade também o artigo que prevê aumento de um terço das penas, caso haja calúnia e difamação contra os presidentes da República, da Câmara e do Senado, ministros do Supremo, chefes de Estado e diplomatas.
Fica igualmente suspenso o artigo que permite a apreensão de jornais e revistas que ofendam a moral e os bons costumes e a punição para quem vender ou produzir esses materiais. O restante da lei pode cair quando o assunto for levado ao plenário do Supremo, em data a ser marcada.
Na decisão liminar, o ministro derruba também as penas de multa para notícias falsas, deturpadas ou que ofendam a dignidade de alguém. Também cai a possibilidade de espetáculos e diversões públicas serem censurados.
A ação para a derrubada da lei – uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – argumenta que a Constituição de 1988, promulgada há 19 anos, estabelece princípios que são contraditórios com a maior parte dos artigos da Lei de Imprensa. Essa incompatibilidade, se reconhecida pelo STF, determinará a anulação da lei.
Entulho autoritário
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) saudaram ontem a decisão do ministro Britto como um gesto que remove um dos últimos entulhos remanescentes do período autoritário. ‘A revogação de dispositivos da Lei de Imprensa tem conteúdo libertário’, disse o jornalista Maurício Azêdo, presidente da ABI.
‘Essa decisão vai permitir avançar na derrubada de entulhos que dificultam o pleno exercício da liberdade de expressão’, afirmou Paulo Tonet Camargo, diretor do Comitê de Relações Governamentais da ANJ. Para ele, além dos vícios autoritários, a Lei de Imprensa tem dispositivos ‘que não deveriam estar nela’, como o registro de empresas jornalísticas e o direito de resposta.
Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj, disse que a derrubada de artigos da Lei de Imprensa é saudada com unanimidade pelas entidades patronais e trabalhistas da imprensa brasileira. ‘O que se espera agora é que o parlamento brasileiro defina uma lei democrática.’
***
Carlos Britto suspende artigos da Lei de Imprensa
Daniel Roncaglia # copyright Consultor Jurídico, 21/2/2008
O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar que suspende alguns artigos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67). O pedido foi feito pelo deputado Miro Teixeira (RJ-PDT) em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Com a decisão, processos com base nesses artigos devem ficar parados.
Até julgamento de mérito pelo plenário do STF, estão suspensos, por exemplo, as penas de prisão para jornalistas por calúnia, injúria ou difamação. Outro trecho inválido, por enquanto, é o que prevê censura para espetáculos e diversões públicas. Os artigos que trazem a possibilidade de se apreender periódicos e os que impedem que estrangeiros sejam proprietários de empresas de comunicação no Brasil também foram suspensos.
‘A atual Lei de Imprensa – Lei 5.250/67 –, diploma normativo que se põe na alça de mira desta ADPF, não parece mesmo serviente do padrão de democracia e de imprensa que ressaiu das pranchetas da nossa Assembléia Constituinte de 1987/1988. Bem ao contrário, cuida-se de modelo prescritivo que o próprio Supremo Tribunal Federal tem visto como tracejado por uma ordem constitucional (a de 1967/1969) que praticamente nada tem a ver com a atual’, afirmou o ministro.
Segundo Carlos Britto, alguns dos pilares da democracia brasileira são a informação em plenitude e a transparência do poder. ‘Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação (incisos IV, V, IX e XXXIII do artigo 5º) e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa’, argumentou.
‘Tudo a patentear que imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Uma a dizer para a outra, solene e agradecidamente,