Este livro tem uma idéia-chave: é preciso resgatar a comunicação e suas conexões com o mundo social do calabouço em que estão sufocadas, sem ceder à tentação de elevar as máquinas e os maquinistas à condição de paladinos de uma hipotética ordem democrática e participativa. O diagnóstico sublinha que, em um cenário midiático submerso em imagens e transmissões instantâneas de dados, as interlocuções, as permutas e as influências genuínas entre os atores envolvidos nos processos comunicacionais perdem consistência e se distanciam de propósitos humanizadores.
Isso nos faz pensar nos incautos e ingênuos que teimam em enxergar, na profusão dos apelos audiovisuais, o motor da diversidade cultural, sem atinar que os sentidos possíveis aparecem, com freqüência alarmante, sob o signo da mercantilização generalizada. Em meio às ondas de estímulos difundidos por telas e monitores, estamos cada vez mais ao alcance da maré vazante da reificação, a despeito da insistente retórica, de nítida inspiração neoliberal, de que, agora sim, podemos desfrutar de múltiplos prazeres e sensações.
É neste quadro que Luís Carlos Lopes insere a oportuna reflexão sobre as tecnologias e, principalmente, a cibercultura. No percurso conceitual que fundamenta sua crítica à supremacia da índole tecnológica nas formulações teóricas contemporâneas, Lopes dialoga com Philippe Breton, artífice da noção atualizada de parole que ajuda a questionar o domínio discursivo que sedimenta ‘a religião das máquinas’.
As paroles apresentam-se aqui como ‘veículos simbólicos para transportar os argumentos, as informações e as expressões de modo direto ou indireto’. No caso da parole informática, ambos, salienta Lopes, aprisionam-se na mesma insuficiência analítica, pois não problematizam as nuanças e os paradoxos, nem perseguem saídas adequadas diante da aceleração da vida por fluxos digitais.
Consenso e dissenso
Atordoados pelo desvio da paixão, tecnófobos e tecnofílicos alternam-se nas certezas inabaláveis e nos dogmatismos, o que os impede de reconhecer, como nos propõe Fernando Broncano, que a lógica da tecnologia, ou a sua própria racionalidade, se resume na capacidade de criar e aproveitar possibilidades.
A idéia de que se pode transformar sucessivamente o processo histórico-social, sempre a partir da intervenção da inteligência humana, implica aceitar também a constante incorporação à experiência cotidiana de artefatos, circuitos, sistemas e redes – engenhosas construções que modificam relações, práticas e destinos. O desafio dialético consiste em entrelaçar a feliz percepção de Broncano com uma categórica luta pela inclusão dos tantos e tantos cidadãos alijados, dramaticamente, dos benefícios do progresso material e tecnológico.
Admitindo ser inútil imaginar uma sociedade sem as tecnologias de informação, Luís Carlos Lopes adverte, de modo incisivo, que, ‘ao pretender substituir a cidadania política e concreta pela virtual, a cibercultura penetra em um reino movediço e se aproxima de posições políticas antidemocráticas’.
A meu juízo, a glorificação do ciberespaço como arena sem máculas colide com o verdadeiro encanto de um ambiente imprevisto como a internet: sua impureza orgânica e constitutiva, extensão fascinante das expectativas e contradições humanas. Creio que, se não se inventou algo que substitua a Ágora grega, as formas não totalizantes de democracia direta que se insinuam nos movimentos em rede e nos espaços virtuais entreabrem um campo promissor de tensões na fronteira do consenso com o dissenso, com chance de complementar as ações no território físico e socialmente vivenciado.
Fogo alto
Varar o céu das harmonias simuladas, dentro e principalmente fora da web, é pressuposto para conseguirmos debilitar o pensamento único, abalando ao mesmo tempo a ação danosa da mídia para amenizar a dominação com o verniz enganoso das interatividades controladas. Significa, em última análise, retomar a fecunda viagem com nosso autor, quando prega o reencontro da comunicação com os ‘elos civilizatórios perdidos’ na exacerbação do fetiche maquínico.
Em nenhum momento, a contribuição crítica de Luís Carlos Lopes esquiva-se do fogo alto das controvérsias, inclusive quando alveja as vertentes suaves ou ostensivas de naturalização dos fenômenos tecnológicos. Sua voz quer provocar o que ainda ontem parecia estável, recusando qualquer apologia de fuga da realidade concreta.
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Professor da Universidade Federal Fluminense; autor, entre outras obras, de O concreto e o virtual: mídia, cultura e tecnologia (Rio de Janeiro: DP&A, 2001) e Cultura mediática y poder mundial (Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2006).