A TV retoma a sua função de grande arena política. E reafirma a velha hegemonia: vale o que aparece na telinha. Começa nesta terça o horário eleitoral na TV depois de uma semana marcada pelas excelentes entrevistas dos principais candidatos na bancada do Jornal Nacional da Rede Globo.
Apesar dos vaticínios dos futurólogos, comunicólogos e politólogos, apesar dos micros, celulares, i-Phones, i-Pods ou i-qualquer-coisa e apesar das gigantescas redes sociais, seus monitores não conseguiram substituir a realidade – ou pseudo-realidade – que se impõe através da TV. Teoricamente, a televisão nada decide, mas em determinadas situações, as situações-limite, é decisiva. A TV conta, conta muito porque doravante comandará o espetáculo eleitoral.
Fabricação de empatia
O rosto do candidato (a) em close, bonito (a) ou feio (a), com botox ou sem botox, com cabelos para cima, amarrados em coque ou sem cabelos, suas vozes e, sobretudo, suas convicções, continuarão chegando ao eleitor via TV. O pulverizado mundo digital, não obstante seu gigantismo e seus propalados poderes, não transmite o calor presencial oferecido pela TV. E talvez jamais conseguirá. Sua função é formar atitudes. A fabricação de empatias ocorre na TV.
A internet funcionou esplendidamente na eleição de Obama para destruir os preconceitos da sociedade americana e tornar palatável a hipótese de um negro na Casa Branca. Mas a figura, a voz, as palavras e o gestual de Barack Obama transmitidos através da TV foram os responsáveis pelo seu espetacular triunfo.
O debate sem debates da Band há duas semanas teve audiência insignificante, mas funcionou como aperitivo e ensaio geral. Foi mal planejado, mal estruturado, não repercutiu porque o resto da mídia não apostou nele. Com um pouco mais de confiança no poder da mídia convencional, a audiência teria sido bem maior. Acontece que a mídia está atarantada, ainda não decidiu se quer viver ou desaparecer.
Maravilhosa armadilha
Nas últimas eleições inglesas, a mídia mostrava-se inapetente, cansada, resignada com a perspectiva de entregar a batuta à Internet. Então veio a TV com a sua incrível capacidade de humanizar a figura focalizada e o fleumático eleitor inglês, ao invés de entregar-se à despersonalização digital, entregou-se com prazer ao antiquado e caloroso modelo de debate eleitoral.
A TV é uma maravilha. E uma perigosa armadilha – impossível enganá-la. O maquiador, o marqueteiro, a fonoaudióloga e o media trainer podem disfarçar uma ruga, a gotinha de suor no rosto, um bordão empobrecedor, um timbre desagradável na voz, a incapacidade de seduzir. Mas o tropeço numa frase, a gaguejada, o olhar assustado ou perdido em busca de uma palavra salvadora podem arruinar uma campanha impecável. Quem duvida deve rever a reconstrução ficcionalizada da famosa entrevista do ex-presidente Richard Nixon com o jornalista David Frost.
A potencialidade da TV como testemunha é infinita. Ela tem atrás de si mais de um século de história do cinema somado ao meio século da sua própria história de sucessos como veículo essencialmente jornalístico.
Contenção de riscos
Não é por casualidade ou capricho que os marqueteiros da candidata do governo empenham-se em atrair o eleitor internauta. Não querem correr riscos: uma mancada na rede de computadores pode ser rapidamente desfeita, corrigida, neutralizada, deletada. Instantânea e definitiva, a TV não perdoa, é fatal.
Eugênio Bucci reuniu no último domingo um admirável conjunto de informações e percepções extremamente oportunas a respeito da rentrée da TV em nosso espetáculo eleitoral (‘William Bonner para presidente?‘, caderno ‘Aliás’, Estadão).
Estas mal-traçadas pretendem apenas retomar o tema e lembrar que a história não é instantânea e, sendo assim, suas lições levam tempo para sedimentar. A internet é capaz de produzir ‘milagres’ em determinadas condições, não em todas.