Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Para ler com pulga atrás da orelha

Este livro do escritor Fernando Morais tem duas coisas irritantes -ou uma só, se você for militante de esquerda- e uma boa, tanto faz a sua opção política.

Morais é uma espécie de porta-voz da ditadura cubana no Brasil desde os anos 1970, quando seu best-seller A Ilha deixou maravilhada a “esquerda festiva” do país.

Pois fazia tempo que o grande “laboratório” do socialismo dito “real”, a União Soviética, tinha caído em desgraça quando os crimes do camarada Josef Stálin foram revelados.

Cuba virou ícone e Morais era um sacerdote. Mesmo em 2011, com a ditadura dos irmãos Fidel e Raúl Castro ainda no comando, matando ou botando na cadeia dissidentes, ele acha ali tudo maravilhoso. E foi esperto.

Morais escolheu um tema de livro que ajuda a causar simpatia para uma das mais velhas ditaduras do mundo: espiões cubanos nos Estados Unidos tentam evitar ataques terroristas contra seu país.

Pois, é fato óbvio, há muita gente ruim entre os exilados cubanos nos EUA. Com a queda do comunismo na sua origem, a União Soviética, grande sustentadora da economia cubana, muita gente achava que Fidel logo dançaria.

Não foi o caso, apesar da excitação entre os exilados cubanos na Flórida -para onde uma grande quantidade de cubanos se mudou durante décadas.

Como circo

Uma piada dos anos 1980 dizia que Cuba era o maior país do mundo: “a população está nos Estados Unidos, o governo na União Soviética, o cemitério em Angola”.

Exagero. Fidel nunca foi tão subserviente aos soviéticos. Nem morreram tantos cubanos na intervenção na guerra africana. Alguns dos veteranos da guerra em Angola viraram espiões nos EUA, infiltrados nos grupos anticastristas. Esse é o tema do livro, a coisa boa. Morais teve acesso a fontes inéditas e conta boas histórias humanas e de espionagem. Mas, claro, o ranço pró-Cuba e antiamericano é irritante.

E tão mais irritante é a mania de dar detalhes irrelevantes -e boa parte errados! Alguns são insignificantes, embora deixem claro o desleixo em parte da pesquisa.

Não há tanques russos com canhões de calibre 120 mm; não foram forças dos EUA que tentaram invadir Cuba no episódio da Baía dos Porcos em 1961, eram exilados cubanos com apoio norte-americano.

Não existem “caças-reatores” (de onde ele inventou isso?); um transatlântico de 300 metros de comprimento não tem apenas 70 toneladas; um MiG-29 interceptando aviões dos anticastristas não levava “seis mísseis ar-terra, um estoque de bombas guiadas a laser”.

É um livro que tem que ser lido com um circo de pulgas atrás da orelha.

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[Ricardo Bonalume Neto é jornalista da Folha de S.Paulo]