Afogada nos acontecimentos do dia a dia e limitada pela própria natureza do material de que é feita, a imprensa tradicional abandonou nas duas últimas décadas a prática das grandes reportagens, aquelas que ajudam o público a compreender melhor certos temas complexos.
Junto com a reforma que transformou jornais e revistas em coleções de notas curtas e relatos apressados, veio a perda da capacidade de oferecer reflexões de maior alcance e de refletir o pensamento de grandes camadas da população.
Enfim, a imprensa vem parecendo menos relevante por se tornar cada menos representativa da sociedade.
Eventualmente, mas ainda raramente, uma publicação se dispõe a penetrar em determinado tema e oferecer aos seus leitores algo mais do que o escândalo da semana ou declarações de seus personagens prediletos.
É o que faz nesta semana a revista Época com a reportagem sobre pesquisa realizada pela ONU com quinhentos mil brasileiros nos últimos seis meses.
O resultado é um mapa para compreender a visão da sociedade sobre seus próprios problemas e as expectativas da população a respeito das prioridades que deveriam ser dadas nas políticas públicas.
A reportagem é importante não apenas pelas respostas, que apontam a preocupação dos brasileiros com a construção de uma sociedade mais justa e ética, mas por chamar a atenção para o erro que significa avaliar o desenvolvimento de um país apenas pela evolução do seu Produto Interno Bruto.
Ao contrário do que normalmente se revela nas consultas apressadas à opinião pública, nas quais aparecem com mais destaque os problemas circunstanciais, a pesquisa da ONU ressalta que os brasileiros se preocupam em primeiro lugar com a educação e apontam como causas das mazelas nacionais a falta de valores, a corrupção e a desigualdade.
Está aí um ponto de partida interessante para uma nova agenda nacional, que poderia ser assumida pela imprensa: em vez de dar tanta importância às picuinhas da política, aos escândalos do dia e a indicadores isolados de desenvolvimento, bem que se poderia propor uma pauta mais ambiciosa, da qual pudessem resultar reportagens sobre os problemas reais do País e as reformas estruturais que podem conduzir a soluções.
Quando quer, a imprensa pode entender o Brasil.