‘Fatos têm passado. Quando viram noticia são como uma pequena fotografia da realidade, mas não ocorrem isoladamente e têm sempre conseqüências. O fato vira notícia à medida que representa uma ruptura da ordem social, o novo, o inédito. Alguns acontecimentos diários são considerados notícia segundo critérios editoriais de cada veículo de comunicação. Ou seja, dependendo da relevância, da abrangência para a vida da sociedade ou de uma parcela dela, determinado fato merece ser comunicado a toda a sociedade.
A maneira como a imprensa transforma fatos em notícias tem sido objeto de permanente discussão entre jornalistas, a ponto de constituir categorias de jornalismo: factual ou de processos. Adjetivos à parte, o jornalismo tem não só a função de noticiar os fatos, tal como eles ocorrem, mas também de prover o cidadão de informações que possibilitem a compreensão de por que eles ocorrem, quais os interesses que estão em jogo, quais os acontecimentos que os antecederam e impulsionaram (o chamado processo), e quais as perspectivas, ou seja, os possíveis desdobramentos no futuro.
Apresentados dessa maneira, os fatos devem fazer sentido para o cidadão se situar em relação ao que se passa no mundo à sua volta, e essa informação deverá auxiliá-lo a tomar decisões de acordo com seus interesses pessoais e coletivos. Mas nem sempre o jornalismo cumpre completamente sua função. Às vezes, ele simplesmente noticia o fato sem explicá-lo e sem fornecer as informações necessárias à sua compreensão. Os fatos, apresentados dessa forma, parecem ter ocorrido de maneira mágica, muitas vezes são tratados de maneira espetacular, e geram impacto, não na vida do cidadão, mas no próprio cidadão, que se sente atônito, pego de surpresa, desinformado. Por não conseguir entender como, nem por que, tal fato aconteceu, muitos chegam a se achar até mesmo inferiores em relação a seus pares no convívio social. Somados, os fatos ‘mágicos’ provocam uma sensação de impotência no indivíduo. Expostos à avalanche de informação factual, muitos se acham ultrapassados ou incompetentes em relação à velocidade de como as coisas acontecem no mundo contemporâneo.
Calma leitora, calma leitor, antes de julgar a si mesmo, analise a competência de seu interlocutor, no caso, o jornalista, que pode não estar cumprindo completamente sua função.
A competição tecnológica proporcionou inúmeras maneiras de integrar o mundo a uma velocidade espantosa. Em algumas décadas, a informatização dos meios de comunicação levou as informações a trafegarem na velocidade da luz ou, dependendo do meio, quase isso. O volume de informações disponíveis a cada segundo é milhões ou bilhões de vezes maior que nossa capacidade de compreensão no período de toda uma vida. Essa velocidade e esse volume espantosos também impactam as agências de notícias, que em uma competição desenfreada disputam, a cada segundo, a cada minuto, a cada hora, quem publica mais notícias. Trata-se do jornalismo em tempo real, que advoga para si a capacidade de noticiar os fatos tão logo eles acontecem.
Nessa pressa, nessa angústia por vencer a competição, a qualidade da informação geralmente é prejudicada, se considerarmos as funções do jornalismo expostas acima.
Mas as agências, utilizando a tecnologia disponível, criaram formas de compensar a fragmentação da notícia instantânea com a adição, a agregação de matérias já publicadas referentes ao mesmo assunto, por meio de links, ou ligações, para matérias anteriores que permitem a leitora ou ao leitor ter acesso ao processo histórico, a diferentes pontos de vista sobre o mesmo fato e à perspectiva decorrente daquele fato. Ou seja, navegando pelos links, o cidadão pode completar e complementar sua leitura com as informações necessárias para compreender o assunto em sua real dimensão, no tempo e no espaço da conjuntura em que o fato noticiado se insere. Isso representa a necessidade de uma mudança de postura do público, adaptando-se às formas virtuais de acesso à informação proporcionadas pelo advento da internet. Não é mais como abrir uma página do jornal impresso e encontrar tudo ali, reunido num só espaço físico.
O problema desse tipo de tecnologia é quando os links não funcionam ou quando o editor os esquece de agregá-los às matérias, na hora de publicar. Aí a leitora ou o leitor corre o risco de ser surpreendido pelo fato ‘mágico’, produzido pelo jornalismo factual em tempo real.
Esta Ouvidoria recebeu nesta semana uma mensagem da leitora Amanda Vieira em que ela afirma: ‘Na nota publicada no dia 9 de maio, ‘Obras de transposição do São Francisco começam mês que vem, diz coordenador’, faltou contextualizar o debate que está colocado em torno dessa obra. Embora a ação no Ministério Público tenha sido mencionada na reportagem, fica a impressão de que é apenas mais uma ação de teimosia do Ministério Público (já que as demais ações foram derrubadas), e não fruto dos debates qualificados sobre esse tema.’ A leitora sugere que seja feita uma matéria para explicar ‘o real alcance da obra do São Francisco, pois fontes ambientalistas mostram dados que derrubam a proposta e contrariam os argumentos utilizados pelo governo.’
Em resposta à demanda da leitora, a Agência Brasil respondeu que eles acompanharam o debate em torno das obras e veicularam dezenas de opiniões diferentes sobre o projeto: ‘Ouvimos autoridades, moradores, integrantes de movimentos sociais, pesquisadores e técnicos de órgãos públicos.’ Segundo a redação, além da cobertura factual, que segue naturalmente as novidades, como a concessão da licença prévia pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), em março, e a apresentação das propostas de empresas interessadas na execução da obra, na semana passada, a cobertura incluiu pautas que resultaram inclusive em duas grandes séries de reportagem desde 2005, quando o projeto ganhou visibilidade. Concluindo sua resposta, a Agência recomendou que se considerasse a leitura cumulativa e o histórico da cobertura. Ou seja, que a leitora seguisse os links e utilizasse mecanismos de busca.
Na matéria em questão, a ação movida pelo Ministério Público, longe de parecer ‘teimosia’, como afirma a leitora, é o contraponto, a opinião contrária que relativiza a afirmação do coordenador do projeto. Para ele é certo o início das obras no mês que vem, mas a leitora tem na mesma matéria a informação sobre a ação contraditória do Ministério Público, que interpôs entre a certeza do coordenador e a realidade a objeção jurídica a que as obras realmente comecem. Assim, a leitora fica sabendo qual é a vontade do governo e que há um movimento contrário ao início das obras, caracterizando pelo menos duas posições em relação ao desenrolar dos fatos.
Para saber qual é ‘o real alcance da obra do São Francisco’ a leitora poderá acessar as matérias linkadas àquela a que a leitora se referiu. Como essas são relativamente poucas em face do universo de 440 matérias publicadas sobre o assunto, apenas de julho de 2006 até agora, a leitora tem ainda à sua disposição o mecanismo de busca da Agência, pelo qual receberá a lista integral do que foi publicado, refletindo o debate anterior e o atual dessa disputa mais que secular entre parcelas da sociedade civil e o governo sobre a transposição do Rio São Francisco. Ao lado da matéria, a leitora ainda dispõe também de informações visuais e esquemáticas sobre essa polêmica, representadas em mapas e pequenos textos reunidos em gráficos informativos e ilustrativos publicados na página da Agência – os infográficos.
A referida matéria, por não abordar o contexto em que os fatos ocorrem nem a referência ao processo histórico em curso deu um pouco menos de trabalho à redação da Agência Brasil e dará um pouco mais de trabalho à leitora que quiser se inteirar sobre o assunto. O fato de a tecnologia disponível permitir acesso a ingredientes fundamentais da informação por meio de links, infográficos e mecanismo de busca não isenta a Agência de se aprofundar na questão. Mas, no caso, quem deverá completar o trabalho do jornalismo em tempo real será a própria leitora. Quem não tiver tempo para isso, ou não quiser se dar esse trabalho, ficará apenas com a ‘magia’ do fato.
Até a próxima semana.’