Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘Na semana passada, o leitor José Ivo, que se identificou como contador, pediu licença para manifestar sua indignação ao ser quase obrigado a ler o que chamou de ‘profecias’ de uma fonte ouvida pela Agência Brasil na cobertura sobre o programa do governo federal intitulado Supersimples. Segundo ele, quanto mais se joga um assunto na mídia, mais se convence o público de que o programa ‘é bom, ou é ótimo, e assim sempre será’, mas adverte que isso não passa de propaganda do governo.

Ele recomenda fazer uma pesquisa por amostragem com ex-optantes do Simples, e avaliar profundamente o que acontecerá com aqueles que aderirem ao Supersimples. Para o contador na grande maioria das microempresas não haverá redução de impostos, como consta nas matérias, muito menos nos índices citados: 20%, 50% e 80%. Ele conclui dizendo: ‘Só vamos esperar para avaliar um pouco mais à frente o quanto vai aumentar a arrecadação do governo, aí ficará mais fácil medir’.

A partir da observação do leitor, a Ouvidoria analisou 34 matérias publicadas na Agência entre 22 de novembro de 2006, data em que foi aprovado o Supersimples pelo Congresso Nacional, até 31 de julho, data limite para as empresas aderirem ao programa, depois prorrogada para 15 de agosto.

O enfoque da cobertura procura destacar as ‘vantagens’ do programa – palavra utilizada 14 vezes nas matérias analisadas –, em termos de ‘facilitar a abertura e o dia-a-dia das empresas, ampliar o mercado, facilitar o acesso ao crédito, a tecnologias e a se associarem para comprar e vender em conjunto’. No entanto as matérias não explicam como, ou por meio de que medidas concretas, o governo espera proporcionar essas ‘vantagens’.

Para termos uma comparação com outro segmento de empresas, podemos relacionar as medidas anunciadas para as micro e pequenas a uma medida hipotética do governo, por exemplo, isentando ou dobrando o imposto de renda da indústria automobilística. Sem dúvida, uma medida dessas causaria um rebuliço no mercado de automóveis e a Agência Brasil provavelmente correria para ouvir as montadoras sobre o impacto das medidas no preço final dos veículos, no nível de emprego da indústria ou nos índices de crescimento da economia.

Talvez o impacto do programa do governo seja o equivalente a isso para quem mantém seu pequeno negócio, só que na cobertura da Agência sobre o Supersimples, nenhum pequeno empresário foi ouvido para saber como ficará sua empresa ou o preço dos produtos ou serviços que fornece após a implantação do novo sistema tributário.

Apesar do assunto ser exatamente esse – o sistema tributário brasileiro, as matérias não o discutem, não o enfocam. Ele só foi lembrado quando a reportagem entrevistou, no dia 29 de julho, a diretora de estudos técnicos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Clair Hickmann. Segundo ela, ‘o sistema é paliativo e pode diminuir um pouco a carga tributária, mas não soluciona todos os problemas do sistema tributário brasileiro’. E a discussão, na cobertura da Agência Brasil, termina aí.

Muito mais do resumir a cobrança de oito impostos em um só, essa medida muda a base de arrecadação e tributação do governo e atinge cada tipo de empresa de maneira diferente. Para chegar a isso são necessários inúmeros cálculos que podem levar a distorções, injustiças ou até ao aperfeiçoamento da legislação tributária. As informações sobre como o governo chegou a isso são vitais para que os contribuintes tirem suas próprias conclusões, mas elas não estão contempladas na cobertura da Agência.

Um bom momento para a Agência discutir isso seria quando o secretário executivo do Comitê Gestor do Simples Nacional, Silas Santiago, disse que 913.151 empresas, o equivalente a 87% das solicitações de opção, têm pendências com a Receita Federal. Faltou à reportagem perguntar ao secretário por que um percentual tão elevado de empresas está inadimplente. Será que elas são más pagadoras do fisco porque querem ou porque o sistema tributário tem problemas? Em vez disso as matérias da Agência destacam a ‘oportunidade excepcional’ de as empresas devedoras solucionarem suas pendências parcelando seus débitos em até 120 vezes.

Quanto aos números de empresas atingidas pela medida, as matérias são contraditórias. A Agência publicou em 25 de junho uma matéria na qual o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, afirma que até aquela data apenas 4,5 milhões dessas empresas haviam optado pelo novo sistema de arrecadação dentre as 13,2 milhões cadastradas pela Receita Federal do Brasil. Já a matéria publicada em 31 de julho dizia que o governo comemorava que até aquela data, 2,8 milhões de empresas haviam aderido ao Simples Nacional. O número, segundo o secretário Silas Santiago, foi uma ‘surpresa agradável para o governo’. Outra matéria, publicada no dia 2 de julho, informava que, segundo a Receita Federal, o novo regime vai resultar em menos burocracia e reduzir a carga tributária para 2,5 milhões de micro e pequenas empresas.

Quanto à possível redução dos impostos, as matérias reproduzem diversas vezes que, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a maioria das micro e pequenas empresas pagará menos impostos e que a redução média será de 20% para quem já opta pelo Simples Federal, podendo chegar a 50% dependendo do estado em que a empresa estiver instalada e, para aquelas que agora poderão optar pelo Supersimples, a redução poderá ser de até 80%. Tudo isso sem apresentar um único cálculo ou estudos de caso que pudessem levar a essa conclusão. Provavelmente é isso que o leitor chamou de ‘profecias’.

Quando uma matéria ou cobertura contêm opiniões pessoais das fontes, que exprimem julgamentos de valor ou opiniões sem embasamento em argumentos objetivos e consistentes, portanto sem favorecer o entendimento do porquê se chegou a determinado julgamento ou opinião, elas podem ser consideradas tendenciosas. Essas matérias podem ter a intenção de induzir a opinião do público a uma determinada conclusão. O Manual de Jornalismo da Radiobrás, na página 56, diz que ser honesto com o público é reconhecer que ele tem direito à informação mais completa possível, sem ocultar nenhum interesse e sem buscar o convencimento do cidadão, dotando-lhe das informações necessárias para que ele forme livremente sua opinião.

Outra característica que pode tornar uma matéria ou cobertura tendenciosa é a inclusão de adjetivos e advérbios dispensáveis, que nada acrescentam à informação.

No caso da cobertura do Supersimples, esse procedimento chegou a atingir os títulos das matérias. Na matéria ‘Mais de 1,3 milhão de empresas já fazem parte do Simples Nacional’, publicada em 3 de julho, o emprego do advérbio ‘já’ e da expressão ‘mais de’ deixa isso claro. Por que o título não falou das empresas que ‘já’ rejeitaram, que ‘ainda’ não decidiram ou que seriam ‘menos de 1,4 milhão’?

Analisando a cobertura a partir do enfoque, das abordagens e escolha das fontes, a Agência Brasil publicou 24 matérias com opiniões favoráveis à medida do governo, cinco com opiniões isentas e uma com opinião contrária, além de quatro notas que não continham opiniões.

Somente ao meio-dia de 31 de julho, data em que vencia o prazo inicial de adesão (ou rejeição?) ao Supersimples, a Agência publicou uma matéria chamada ‘Entenda as mudanças para os pequenos empresários com o Supersimples’. Mas, ao contrário do que diz o título, o texto não facilita o entendimento, apenas relata, em um quadro comparativo, o que muda no regime tributário das micro e pequenas empresas, na versão do governo. Pressupõe-se que um ‘entenda’ deva ter uma função didática e como tal deveria conter exemplos práticos e explicações que pudessem ajudar a compreender as mudanças e a tomar a difícil decisão de aderir ou rejeitar o programa.

Segundo a matéria publicada em 31 de julho às 17h20, ‘Adesão ao Simples Nacional surpreende governo, diz secretário do Comitê Gestor do Sistema’, até esse dia, 2,8 milhões de empresas haviam aderido ao Simples Nacional. Talvez, muitas delas, sem informações suficientes para entender por que o fizeram.

Até a próxima semana.

Na coluna da semana passada cometi uma imprecisão. O leitor Gildenor Araújo escreveu para a Ouvidoria protestando. Segundo ele ‘como Ouvidor o Senhor deveria em seus textos ser o mais próximo da verdade dos fatos comentados. No texto sobre tragédias sublimares o Senhor passou duas informações não corretas: a 1ª foi a tonelagem do avião da TAM que todos sabemos pesava 62,5T na hora do acidente; e a 2ª quanto ao número de mortos no mesmo avião que não foi 200 e sim 199 (uma vida vale muito).’

O leitor tem razão, fica aqui nosso reparo e o pedido de desculpas, afinal a precisão é um dos preceitos fundamentais que devemos preservar no jornalismo.’