Há pessoas que são maravilhosas – à distância (ainda me permito a crase, que não foi feita para humilhar ninguém). A americana Elizabeth Bishop, cujo centenário de nascimento foi lembrado (se tanto) no dia 8/2, era uma delas. Sua volumosa correspondência, que só guarda paralelo com a da inglesa Katherine Mansfield, é minha leitura permanente. Cada vez que volto às suas cartas descubro uma novidade, vejo as coisas por um enfoque diferente, percebo melhor a mim e ao mundo.
Mas pelo que consegui saber de madame Bishop, o melhor relacionamento com ela é esse mesmo. A pessoa que mais a amou, Lota Macedo Soares, sua companheira durante os 15 anos em que a poeta americana viveu no Brasil, se aproximou demais e se queimou. Ao tentar se reconciliar com a amante, que voltara para os Estados Unidos, deu com a cara numa parede de gelo, ficou desconcertada e se entupiu de barbitúricos até morrer, ao lado da amada, em Nova York.
A aparente indiferença de Bishop para com a desesperada Lota a tornou execrável para os amigos brasileiros e mais alguns americanos. Não havia, porém, maldade ou mau-caratismo na atitude. Elizabeth Bishop era uma solitária radical, uma órfã plena (perdeu o pai com meses e a mãe enlouqueceu pouco depois). Seu contato mais íntimo era com animais, o ar, a água, os elementos da natureza, a geografia.
Carne e osso
Com os seres humanos, a melhor via era a escrita. E como escrevia! Dava aos seus leitores a oportunidade de penetrar em sua mente e a partir dela olhar o mundo em torno com a acuidade e a sutileza de uma criança intelectualmente poderosa. Sua poesia é simples, exata, quase naturalista, pura. Um despojamento que só se estabelece nos corpos bem servidos de percepção, como o dela.
Parece fácil escrever quando a lemos. O problema é quando se tenta escrever algo parecido. Na criação universal, ninguém se parece a Elizabeth Bishop em suas excursões invisíveis por Ouro Preto ou Miami, Santarém ou Boston. Ela não era algo externo ao que via. Era como se estivesse em cada coisa, autora e personagem ao mesmo tempo. Teve grandes interlocutores na sua vasta correspondência, como Robert Lowell e Marianne Moore. Só não teve amigos de carne e osso. Por isso, um século depois que veio ao mundo, Elizabeth Bishop é um presente inesquecível para os que a conheceram – de longe.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)