Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Poetas, a mídia, as parecenças

Tanto Carlos Drummond de Andrade quanto João Cabral de Mello Neto alimentaram, ao longo de suas vidas, uma relação de amor e ódio com os jornais. Apesar de terem escrito poemas nos quais mencionam o jornal como objeto indispensável ao seu cotidiano e usarem notícias como fonte de inspiração, nem sempre foram receptivos a entrevistas e reportagens, chegando a repudiar a mídia. Dessas e outras histórias dá conta o historiador e crítico literário Fábio Lucas, que durante 30 anos estudou depoimentos, crônicas, cartas e poemas de ambos os escritores, no livro O Poeta e a Mídia – Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto, da Editora Senac São Paulo.

Carlos Drummond de Andrade reverencia a imprensa com o ‘Poema do Jornal’, em seu livro de estréia Alguma Poesia (1930): ‘Vem da sala de linotipos a doce música mecânica’. E João Cabral de Melo Neto, em Pedra do Sono, também sua obra de estréia, declara sua entrega: ‘No espaço jornal/esqueço o lar o mar/perco a fome a memória/me suicido inutilmente/no espaço jornal’. O poeta pernambucano, no entanto, costumava dar trabalho aos jornalistas. ‘João Cabral tinha uma personalidade muito particular. Provocado, respondia. Mas não tomaria iniciativa, salvo uma ou outra vez’, narra o autor.

Já o escritor mineiro, em certo ponto de sua vida, começou a se impacientar com o assédio dos meios de comunicação, em especial com os repórteres e estudantes despreparados que o procuravam sem conhecer sua obra. A ira veio em forma do poema, adicionado a partir da quinta edição da Antologia Poética: ‘Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz’. Nesse trecho ele deixa evidente seu exaspero: ‘Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta/quando nasceu./Ele não nasceu./ Não vai nascer./Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio com lápis em punho’.

No cômputo final, no entanto, Fábio Lucas sugere que o saldo foi positivo em favor da imprensa. Drummond começou sua carreira como jornalista, chegando a chefe de redação e, em seguida, tornou-se colunista. O escritor mineiro declarou, em entrevista a Gilberto Mansur, em maio de 1984, que preferia ser visto como homem de imprensa. ‘Me deram esse título de poeta, quando, na verdade, eu sou é jornalista. Eu fui jornalista desde rapazinho, desde estudante, e é aí que eu me sinto bem, muito à vontade’, declara. João Cabral também chegou ao final da vida bastante familiarizado com a mídia, dando entrevistas nas quais revela seu medo da morte e posições políticas.

O Poeta e a Mídia – Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto ajuda a entender o processo criativo de ambos os escritores, suas fontes de inspiração, envolvimentos políticos, alegrias e dissabores ao longo da carreira. ‘Por que escrevo é um negócio complicado (…) Eu sinto que me falta alguma coisa. Então, escrever é uma maneira que eu tenho de me completar’, diz João Cabral, em depoimento a Ricciardi Giovanni, publicado no livro Auto-retratos.

Um capítulo do livro é dedicado às polêmicas acerca da importância de Drummond e João Cabral. O autor se mantém imparcial, trazendo à luz as discussões sobre quem seria o maior poeta brasileiro de todos os tempos.

Por fim, o índice onomástico elaborado por Lucas é particularmente útil para aqueles que procuram referências cruzadas na obras dos escritores, suas declarações a jornalistas e citações sobre política, música, cinema e, obviamente, literatura. A lista é abrangente: há escritores como Miguel de Cervantes e Edgar Allan Poe; políticos, como Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva; jornalistas, como Alcino Leite Neto e Diogo Mainardi, entre outros nomes das artes e da imprensa.

Fábio Lucas é professor, tradutor e crítico literário. Além de lecionar em seis universidades norte-americanas, cinco brasileiras e uma portuguesa, dirigiu o Instituto Nacional do Livro em Brasília, a Faculdade Paulistana de Ciências e Letras, por dez anos, e a União Brasileira de Escritores de São Paulo. Fundou as revistas Vocação (1951) e Tendência (1956) em Belo Horizonte; é autor de 40 obras de crítica e ciências sociais, entre as quais Vanguarda, história e ideologia da literatura (1985) e Expressões da identidade brasileira (2002).