Os estudantes que, hoje, procuram os velhos profissionais de Realidade como fonte para seus trabalhos acadêmicos não se dão conta de que muito do comportamento atual – como a liberdade para namorar ou ‘ficar’, o desprezo pelo tabu da virgindade, a igualdade de direitos da mulher, a possibilidade de casar, descasar, casar de novo – começou a despontar como mudança de comportamento no período 1966-1968.
Os trabalhos universitários estão muito mais concentrados em uma eventual postura de resistência da revista ao regime de exceção. Realidade, considerada por muitos a revista mais importante do país, viveu, registrou e, de certa forma, até influenciou essa mudança de comportamento que ocorria em todo o mundo e, na época, chegava ao Brasil.
Mas poucos (ou nenhum) dos trabalhos dão importância a essa relevante participação e influencia da revista no cotidiano brasileiro. A resistência ao regime não ocorreu, pelo menos de forma explícita ou direta.
A criatividade na pauta e na finalização mostrava uma revista contestadora e irreverente, mas que nunca foi para o confronto. Uma equipe extremamente unida (onde havia, sim, pessoas engajadas em organizações que lutavam contra o regime autoritário) permitiu essas saídas criativas e passou a imagem de oposição.
Os mesmos trabalhos acadêmicos falam em uma revolução no Jornalismo. De fato houve, mas com uma fórmula adequada apenas para aquele momento histórico das comunicações, antes das grandes redes de televisão e da internet.
Para a Academia
Um dos melhores trabalhos sobre a revista, a tese de mestrado de Adalberto Leister Filho, chama Realidade de uma ‘revista de autores’, em contraposição às formulas pasteurizadas que viriam a seguir, nas revistas semanais. Mas transcreve poucos trechos desses autores e também não discute cada um deles. Autores que tinham seus estilos pessoais, diferentes, nos textos que eram publicados, mas eram extremamente unidos entre si, em uma equipe coesa.
Recentemente, além dos estudantes de Jornalismo que procuram profissionais de Realidade para seus trabalhos, surgiram os estudantes de História. É significativo: Realidade começa uma espécie de migração acadêmica, das aulas de Jornalismo para as de História.
O jovem editor Jose Luiz Tahan (criador da Tarrafa Literária, de Santos), em uma troca de ideias com Jose Hamilton Ribeiro, percebeu, com sua visão empresarial, algum tipo de lacuna em tudo o que já se falou sobre Realidade. O resultado foi a ideia de um livro, que, no começo, tinha o nome de Projeto dos três Zés. Encontrar o caminho – um livro que mostrasse a maneira diferente e criativa com que Realidade tratava os mais diversos assuntos – foi um processo coletivo de criação, como se usava na própria revista. A realização foi possível também graças ao paciente trabalho de pesquisa de Ligia Martins de Almeida na cansativa tarefa de analisar e catalogar as matérias nas volumosas e amareladas coleções de Realidade.
Depois, a própria Ligia voltou aos seus tempos de editora de revistas e cuidou dos títulos, legendas e de todo o acabamento. O projeto visual de Alberto Mateus – que começou sua carreira com Eduardo Barreto e, depois, continuou com Jaime Figuerola, antigos diretores de arte de Realidade – enriqueceu, com méritos, o trabalho.
Por conta do cenário político, muita coisa já foi, sim, escrita, falada e pensada sobre Realidade. Está em artigos, livros e teses de mestrado. Então, por que voltar ao assunto? É simples: ainda falta mostrar a influência da revista na mudança dos costumes no Brasil, a mudança na maneira de fazer jornalismo, como tratava cada tipo de assunto e o estilo individual de seus repórteres-autores.
Apenas mostrar. As análises ficam para os acadêmicos.
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Roberto Civita
Este livro conta a história e reproduz algumas das melhores reportagens de Realidade, a publicação que revolucionou o mundo das revistas brasileiras em plena ditadura militar. Seus autores – José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro – integraram a extraordinária equipe de jornalistas que criou a revista e lembram, aqui, tanto o clima dos primeiros anos como muitas das saborosas histórias dos seus bastidores.
Iconoclasta, irreverente, investigativa e corajosa, Realidade renovou a arte da reportagem, questionou tudo, derrubou tabus, revelou um país praticamente desconhecido para uma nova geração de leitores e entrou na história como exemplo de jornalismo inesquecível e transformador. Não deixe de ler! (Roberto Civita, primeiro diretor de Realidade e editor do Grupo Abril)
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