Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Por que foca?

O foca, jornalista iniciante, tem grande dificuldade de encontrar um guia entre os textos técnicos publicados no Brasil. Com a pauta lhe queimando as mãos, ele se inquieta: por onde começar? Depois dos primeiros telefonemas, a dúvida: será que escolheu o caminho certo? Como fazer as perguntas adequadas, na hora da entrevista? E se esquecer uma questão crucial? Antes de voltar à redação, a angústia não cessa: estará a apuração correta? Como escrever? Será que o texto vai ser mudado pelo redator? Se estiver errado, quem vai lhe apontar os erros?

Essas são velhas e perenes questões para o jornalista, seja ele foca ou repórter maduro. Cada nova pauta, uma nova tarefa e muitas, muitas perguntas, nem sempre com respostas a tempo. Foca é o jornalista novato, bisonho – ou seja, não experimentado –, aquele que ainda pensa em fazer um curso de Jornalismo ou o jovem que está caminhando para essa profissão.

O foca nos Estados Unidos é cub, que em inglês significa filhote. A palavra cub também designa os escoteiros novatos, os lobinhos (Cunha, s/d).

Fala-se do foca no sentido afetivo, do aprendiz de repórter. Jogado na arena dos leões – as redações, com colegas vividos e conhecedores dos assuntos –, pressionado pelo tempo e pelas responsabilidades, ele se sente, por vezes, afundar nas incertezas e indecisões do dia-a-dia. Afinal, não é desejável que ele fique perdido na costa ártica, nas lonjuras do hemisfério austral – como seus homônimos, as focas –, isolado, sem respostas.

In-formar e publicar

Este Manual pretende oferecer apoio e solução para as dúvidas tanto dos focas quanto dos jornalistas mais experientes. E é por acreditar que o texto foi o início de tudo – a notícia se estabeleceu junto com o suporte papel – que procuro dar orientações sobre como escrever em estilo jornalístico, estilo este que apresenta dificuldades no início, mas que se torna muito claro a partir do domínio de determinadas ferramentas.

A nova mídia mantém os compromissos da imprensa para com o público. Se o jornalismo terá um novo suporte para cumprir sua missão no tempo – assim como houve a pedra, a argila, a madeira e o papel –, se será a tela do computador, do relógio de pulso ou do celular, não importa: a liberdade de expressão e de informação continua a ser uma das cláusulas constitucionais em todo o mundo democrático.

Ao jornalista cabe mostrar os vários ângulos da questão e resgatar o papel dos primórdios: a fim de melhor comunicar, o jornalista deve colocar a notícia na melhor forma – in-formar. O que ele tem mesmo a fazer é publicar, no sentido latino: deixar à disposição do público. A escrita ainda predomina, inclusive na rede mundial dos computadores.

Ferramentas básicas

Nos sites noticiosos da internet, o jornalismo se baseia na tradição impressa, até na metáfora das páginas. A ênfase deste livro é sobre o jornalismo impresso, o primeiro dos jornalismos, mas também é abordado o texto para a internet, um dos gêneros mutantes do jornalismo atual.

Este Manual do foca começou a ser escrito em 1986, quando principiei minhas aulas na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ). A carência de material prático para as disciplinas técnicas do curso de Jornalismo tornou-me uma colecionadora de documentos da rotina diária dos jornais. Fui juntando pautas, comentários, boas matérias publicadas, exemplos que pudessem corroborar minhas idéias a respeito do exercício da profissão e que constituíssem um método de transmitir conhecimento.

Quantas vezes surrupiei anotações e papéis deixados ao lado das máquinas de escrever… Passei a incorporar ao acervo também exercícios, textos escritos pelos alunos e bilhetes enviados pelo computador. Muitos colegas poderão identificar aqui suas contribuições. Espero que o tempo e a distância justifiquem a ausência de um pedido formal para a publicação e torço para que compreendam a intenção de editar um livro no qual a experiência vivida é o instrumento mais valioso.

Hoje, muitas pessoas falam com alguma familiaridade em matéria, gancho e deadline, termos do nosso jargão profissional. Outros apreciam a linguagem jornalística; só não sabem como iniciar um texto claro e compreensível, ao relatar um conto ou narrar um causo. Já os professores de Jornalismo poderão ter aqui um guia para as aulas, uma vez que os capítulos sistematizam um determinado modo de ensinar as ferramentas básicas da profissão.

Os verdadeiros jornalistas

Esta é uma obra para os que sentem algum apelo direcionado à profissão que o escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez qualifica como ‘a melhor do mundo’, ou que estejam pensando em aprendê-la para uso no dia-a-dia.

O documento que deu origem ao Manual do foca – uma apostila aplicada às aulas práticas – foi testado por estudantes das disciplinas Técnicas de Jornalismo e Redação, Reportagem e Entrevista, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Vários dos alunos estão hoje no mercado de trabalho. Quando encontro algum deles nas lides profissionais, não deixa de me ser grata a menção àquela antiga apostila e ao que aprenderam nas minhas aulas. Foi isso e o apoio dos professores da UnB, da Universidade Federal Fluminense e de outras universidades, com quem tenho me encontrado nos congressos, que me deram a força necessária para publicar.

O conteúdo deste Manual do foca está estruturado de maneira a estabelecer uma compreensão gradual do que é notícia e de como ela é processada nos meios de comunicação, especialmente nos impressos. São três partes: na ‘Parte i – Conceitos de notícia’ – estão alinhadas as definições básicas acerca de notícia, pauta e reportagem. Ao final do capítulo ‘A reportagem’, um momento para espairecer e matar a curiosidade com o teste ‘Você é bom repórter?’

Essa primeira parte é importante para alcançar a ‘Parte ii – Produção da notícia’ –, que tem como capítulos ‘A apuração’, ou seja, o modo de coleta dos fatos; e ‘A entrevista’, principal técnica de obtenção de dados para fins jornalísticos.

A ‘Parte iii – Redação da notícia’ – trata de ‘O texto jornalístico’ e mostra as qualidades do bom produto, incluindo o estudo dos modelos mais conhecidos no jornalismo ocidental: ‘O lide’ e ‘A pirâmide’.

Alguns textos mencionados ao longo do Manual estão em Reportagens, no ‘Anexo’. Também há um glossário com termos comuns usados nas redações.

Tenho a convicção de que quem sabe escrever para o meio impresso é capaz de se virar em qualquer outro, inclusive – aproveitando uma figura de linguagem – no meio líquido, se um dia for desenvolvido um teclado que possa ser manuseado na chuva ou no fundo do mar. Assim, qualificam-se os verdadeiros jornalistas: são profissionais até debaixo d’água. Os que ainda se emocionam, como eu, com uma boa matéria – esses são focas eternos.

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Jornalista e professora de Jornalismo