Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quando triunfa o acaso

Em 2006, a poderosa rede norte-americana de televisão CBS anunciou seus programas em 35 milhões de ovos, vendidos como de costume nos supermercados. Utilizou raio laser para imprimir os anúncios nas cascas dos ovos. Foi um sucesso impressionante.

Este é um dos casos relatados em Idéias Vip, livro ainda sem tradução no Brasil. Uma das orelhas informa que seu autor, German Castaños, é colunista de Emprendedores News, um dos portais da internet, em espanhol, mais visitados. Seu tema preferido é a criatividade empresarial.

O pequeno volume, de apenas 116 páginas, traz como subtítulo: Casos extraordinários de criatividade e inovação. Nele vêm narrados casos de idéias que, dando errado, acabaram dando certo por outros caminhos. Triunfou o acaso. A Humanidade deve muito acaso, que, segundo os surrealistas, têm suas leis, ainda que as desconheçamos.

Em 1977, um engenheiro de conhecida companhia foi encarregado de produzir um novo adesivo, bem resistente. Foi um fracasso. Resultou num poder aderente muito fraco. Mas tornou-se um êxito comercial em outra função. O engenheiro viu que um colega de trabalho na mesma firma , a 3M (Mineração e Manufatura de Minnesota), estava usando pedaços do adesivo que não dera certo: marcava as páginas dos cantos do dia no coro da igreja que ambos freqüentavam. Para aquela função o poder de cola era suficiente. E surgiu o post-it.

Carrapicho

John Pemberton vendeu por 2.300 dólares os direitos de um xarope que inventara para a dor de cabeça. O remédio não funcionou, foi um fracasso para a enxaqueca, mas sua fabricação resultou num outro produto, de consumo de massa, um dos mais vendidos em todos os tempos: a Coca-Cola.

Fred Smith tirou nota baixa em sua dissertação de mestrado. A banca avaliou que não era boa idéia usar aviões exclusivamente para transportar correspondências, sem levar nenhum passageiro. Em 1973, o ex-aluno demonstrou na prática que estava certo. Fundou a Federal Express (FedEx), a primeira companhia a fazer nos EUA o que o correio brasileiro também já faz há alguns anos, com o nome de Sedex: entregar a correspondência ao destinatário no dia seguinte ao que foi despachada. A empresa do ex-aluno hoje faz entregas em 220 países.

Em 1946, Perry Spencer, engenheiro da Raytheon, testava um gerador de alta freqüência. Gostava de comer chocolate e trazia uma barra no bolso. Percebeu que a guloseima derreteu-se em determinado momento. Nascia o forno microondas, que no início era de tamanho descomunal, como ocorreu com os computadores, mas em 1967 os fornos já eram vendidos para uso doméstico nos EUA e hoje são vendidos por menos de um salário mínimo no Brasil.

No mesmo ano de 1946, Louis Réard tinha inventado o maiô de duas peças e precisava de um nome para lançar o novo traje de banho. Estavam sendo testadas armas atômicas no atol de Bikini e ele resolveu aproveitar a palavra que estava na mídia para denominar a nova peça do vestuário feminino. Nascia o biquíni.

Depois de um passeio pelo campo, George de Mestral trouxe um carrapicho para casa e resolveu estudar a razão de o capim grudar-se daquele modo. Nascia o velcro.

Prontidão

Ruth Handler observava sua filha brincar de boneca e propôs a seu esposo uma idéia que ele considerou maluca: fazer uma boneca diferente, não mais uma criança, mas uma representação de mulher adulta. Anos depois, viajando pela Alemanha, Ruth viu que uma boneca chamada Lili, destinada ao público adulto, era comprada também para as crianças, que se divertiam trocando a roupa de Lili.

Ruth comprou os direitos da boneca alemã, fez algumas modificações e assim, em 1959, nascia a Barbie, apelido de Bárbara, filha de Ruth. Comercializada em mais de 140 países, a boneca já vendeu mais de 800 milhões de unidades.

O primeiro computador de uso doméstico foi projetado para vender 200 mil unidades em cinco anos. Vendeu 241.683 unidades no mês do lançamento. E hoje não vivemos mais sem ele. Nele escrevi este texto, nele enviei para a redação, nele foi editado e nele você o está lendo.

O poeta latino Ovídio escreveu o seguinte sobre o acaso: ‘O acaso é sempre poderoso. Mantenha o anzol sempre pronto. No instante mais inesperado, você encontrará o peixe’.

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de Cultura e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século); www.deonisio.com.br