Muitos economistas constroem modelos matemáticos complicados para explicar a realidade econômica à custa de uma simplificação brutal que se transforma em uma caricatura.
O grande jornalista econômico Celso Pinto sempre fez o inverso: ajudado por seus entrevistados, mas jamais submisso a eles, formulava explicações simples e compreensíveis de uma realidade econômica sempre complexa e contraditória.
Os textos que escreveu entre 1974 e 2003, alguns dos quais reunidos no livro Os Desafios do Crescimento – Dos Militares a Lula, mostram bem isso.
Não é fácil para os jornalistas informar os leitores sobre economia porque os sistemas econômicos são sempre imprevisíveis, e as teorias econômicas, necessariamente precárias.
Eles podem simplesmente noticiar os fatos ou então entrevistar autoridades econômicas e economistas e reproduzir suas ideias. Quando, porém, além disso, o jornalista decide fazer a análise do que está acontecendo e concordar ou discordar das ideias dos entrevistados, seu trabalho se torna muito mais difícil e desafiador.
Descordo manifesto
Celso Pinto, enquanto teve saúde para realizar seu trabalho, aceitou sempre esse desafio. Ele começou no jornalismo na Folha, em 1974, depois passou para a Gazeta Mercantil, foi correspondente econômico em Londres, voltou para a Folha e, convidado pelos grupos Folha e Globo, fundou e deu forma ao Valor Econômico, que nada fica a dever aos melhores jornais econômicos do mundo.
Em todo esse período, ele desenvolveu uma forma especial de jornalismo econômico, escrevendo o que eu chamaria de ‘reportagens-análises’. Ele não escrevia uma coluna, em que o colunista faz com frequência predeterminada análise do que está acontecendo, nem fazia reportagens ou entrevistas nas quais o repórter informa os fatos ou reproduz as palavras ou as ideias dos entrevistados. Em vez disso, ele combinava a notícia e a entrevista com a análise de uma forma integrada, o que permitia que o leitor ficasse informado e com uma noção razoavelmente clara dos problemas complicados sobre os quais versava.
O organizador do livro distribuiu as reportagens-análises em oito capítulos. Escolho o capítulo sobre a taxa de câmbio para ilustrar o método de Celso Pinto. No texto ‘Controle cambial na berlinda’ (3/9/98), por exemplo, ele foca o problema do controle dos fluxos de capitais que estava sendo discutido na época. Mostra que os economistas heterodoxos, apoiados por Paul Krugman, eram a favor dos controles, enquanto os ortodoxos, no governo, eram contra, garantindo que não eram necessários. Celso Pinto não toma partido, mas termina seu texto assinalando que o grande aumento das saídas de capital não justificava o otimismo governamental. Na verdade, naquele momento a crise cambial estava batendo à porta.
Um mês depois, ele fala no ‘plano B’ que se especulava ter o governo e que economistas estrangeiros como Rudiger Dornbusch apoiavam a dolarização da economia na linha seguida pelo Plano de Conversibilidade da Argentina e comenta, manifestando delicadamente seu desacordo: ‘Nenhum país de dimensão continental como o Brasil jamais experimentou um currency board‘.
Mecanismo de busca
A clareza e o didatismo comparecem em outra reportagem-análise, ‘Custos e benefícios do novo câmbio’, que ele escreve em seguida à bem-sucedida flutuação do câmbio, em janeiro de 1999. Depois de noticiá-la, Celso Pinto analisa a mudança do câmbio sob cinco dimensões: comparação com outros países, impacto fiscal, impacto sobre juros e crescimento, pressão sobre a inflação e futuro do regime de câmbio. E em seguida escreve sobre cada um desses pontos, com grande propriedade e competência.
Em outro texto, ‘A tentação de ‘operar’ o mercado’, Celso Pinto discute as tentativas do governo de administrar a taxa de câmbio antes da crise cambial do final de 1998. Diz ele que, nesses momentos, o formulador de política econômica tem sempre ‘a profunda convicção de que o mercado financeiro aposta contra ele porque não entendeu direito os fundamentos ou porque está metido em uma especulação desenfreada’. Em seguida, entrevista um desses formuladores e, quando este faz afirmações pouco convincentes, não hesita: escreve um claro ‘discordo’.
Esses textos são uma preciosidade jornalística e econômica. A Publifolha está de parabéns ao fazer uma segunda reimpressão do livro. O Grupo Folha podia agora completar o trabalho e oferecer na internet todas as reportagens-análises que Celso Pinto escreveu e criar um mecanismo de busca interno a essa coleção de textos. Essa iniciativa seria uma grande contribuição ao estudo da economia brasileira.
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Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), autor de Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994; www.bresserpereira.org.br