Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Reportagens que não agradaram a Lula

[reproduzido do site da editora]


Entre 1984 e 2005, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho produziu uma centena de reportagens sobre Lula e/ou o PT para quatro veículos da mídia impressa – Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo. Este livro conta a história dessas reportagens e traz a íntegra de várias delas, entre as que mais repercutiram.


São os casos do ‘furo’ que revelou para o país a existência de uma filha de Lula, Lurian; da entrevista com o economista Paulo de Tarso Venceslau, no chamado ‘caso CPEM’; do empréstimo que cinco deputados federais do PT tomaram do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus, sob a batuta de um colega parlamentar que confessou corrupção; e da reportagem que derrubou uma parte de versão do hoje presidente da República para a compra do apartamento em que mora, em São Bernardo do Campo.


Lula e o PT reagiram a essas reportagens de maneiras diversas. O episódio mais conhecido da reação da direção do PT foi o veto de Lula à presença de Maklouf no programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura, às vésperas da eleição presidencial de 1988. Este outro lado também é contemplado em Já vi esse filme, com as réplicas e tréplicas, para que o leitor possa tirar a sua conclusão.


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Durante 30 anos de jornalismo, você escreveu muitas reportagens, mas as que mais tiveram destaque diziam respeito ao Lula e ao PT. Como avalia o momento atual, tendo em vista que acompanhou de perto todo o percurso percorrido por Lula até seu ingresso no Planalto?


Luiz Maklouf Carvalho – Em um dos anexos de Já vi esse filme apresento uma relação, que estimo completa, de 100 matérias sobre a pauta Lula/PT entre 1984 e 2005. Deve chegar, mais ou menos, a 20% do que produzi ao longo desses anos. Algumas delas tiveram uma repercussão maior – Lurian, caso CPEM, caso do deputado Ricardo Moraes, apartamento do Lula, entre outras – e são estas que ganham maior destaque no livro, com sua história, bastidores, transcrições e polêmicas que provocaram, com réplicas e tréplicas. Evitei, deliberadamente, emitir opiniões ou fazer paralelos diretos entre o ontem e o hoje. Assinalo, na introdução, a evidência de que nos últimos meses o grupo petista que tomou o poder vem enfrentando a maior crise que o partido e o governo já viveram. A idéia é deixar que o leitor tire suas próprias conclusão. Imagino que a leitura das diversas reportagens mostrará cenas que se repetiram em escala maior depois da chegada ao poder.


Seu livro mostra que muito do que atualmente ocorre com o PT e seus membros não é novidade. O próprio título, Já Vi Esse Filme, mostra que os acontecimentos que apimentam a crise atual não são novos – corrupção, nepotismo, favorecimentos, empréstimos etc. A seu ver, se confirmaria, então, a má fama que o brasileiro tem de possuir memória fraca com relação a fatos políticos?


L.M.C. – De maneira geral, com as exceções de praxe, a mídia tem responsabilidades por essa memória fraca, à medida que não dá seqüência e acompanhamento sistemático a alguns episódios. Um exemplo é o caso CPEM, que agora volta à tona com a convocação de Paulo de Tarso Venceslau e Roberto Teixeira à CPI dos Bingos. A reunião de todas essas reportagens em um livro, com a visão do outro lado, resgata uma idéia de conjunto que possibilitar entender melhor o enredo do filme.

Em 1999, o veto, por parte de Lula, à sua participação no programa Roda Viva teve destaque tanto pelo veto em si como pelo acatamento por parte do programa. Lula ficou com medo de enfrentar as perguntas que você fatalmente faria e que ele não gostaria de responder ou de esclarecer?


L.M.C. – Disse, à época, e repito, que é da democracia qualquer entrevistado recusar-se a dar entrevistas para quem não queira. Só discuti, e discuto, as razões que o Lula então apontou para tentar justificar o veto, tema de um capítulo extenso, onde o outro lado também está presente. Lamentei, e lamento, que o programa da TV Cultura tenha aceitado o veto, a meu ver uma manchinha de nada na vitoriosa trajetória do Roda Viva, onde aliás compareci, antes desse episódio, uma tantas vezes. Ao assistir o Lula no recente programa número 1.000, voltei a lembrar-me do caso, como não poderia deixar de ser.


O caso do assassinato do prefeito Celso Daniel está longe de ser concluído e a cada dia novos elementos vêm a público. O livro mostra reportagens sobre denúncias de nepotismo e irregularidades cometidas na prefeitura antes do acontecimento, inclusive o enriquecimento duvidoso de Sérgio Sombra, principal suspeito do crime. Qual é a sua opinião sobre isso?


L.M.C. – Salvo engano, fui o primeiro a revelar o tráfico de influência de Sérgio Gomes da Silva na prefeitura de Santo André, durante o segundo mandato de prefeito Celso Daniel, mostrando, no Estadão, o inexplicável crescimento de seu patrimônio com depósitos provenientes de empresas que prestavam serviços à prefeitura. Essas e outras reportagens sobre o caso ainda não esclarecido também estão no livro, incluindo as matérias sobre dois diálogos intrigantes das fitas que agora estão na CPI dos Bingos. Incluí um artigo onde afirmo que as coisas poderiam ter sido diferentes se Celso Daniel tivesse encarado o problema Sérgio Gomes quando a isso foi solicitado. Mas ele sempre se recusou a dar entrevistas sobre a atuação do hoje denunciado como mandante do crime.

Em alguns momentos do livro (principalmente em relação às opiniões do jornalista e professor Bernardo Kucinski), fica evidente uma postura reacionária por parte da direção do PT e uma intolerância com a liberdade de imprensa – talvez pelo alvo certeiro das suas reportagens. Como você avalia a ética no jornalismo atual?


L.M.C. – Vai melhor do que já foi, principalmente nos veículos nacionais de maior alcance, mas ainda há escorregões freqüentes. O mais importante, nesses casos, é que essa preocupação está crescendo, também como reflexo das exigências de uma parcela dos leitores e da atuação da crítica da mídia. No caso de Bernardo Kucinski, o leitor de Já vi esse filme observará que ele é figura recorrente em determinado trecho. Em um dos livros que escreveu, ele omitiu dos leitores a tréplica que fiz a seus ataques, quando escreveu em nome do PT. No Já vi esse filme tem o ataque e a defesa.


Você apresenta um perfil sobre Antonio Palocci enfatizando seu espírito conciliador, ainda atuando como coordenador-geral da campanha de Lula. Atualmente, o ministro da Fazenda encontra-se no olho do furacão, sendo acusado de arrecadação de recursos clandestinos, entre outras coisas. Você considera que uma eventual saída do ministro do governo provocaria uma grave crise econômica?


L.M.C. – Não mudaria essencialmente a política econômica do governo, que é muito mais conservadora do que se poderia imaginar que viesse a ser. A matéria referida é um perfil do ministro ainda no tempo do governo de transição. O interessante é que já estão lá o Buratti, a Leão & Leão e outros questionamentos à sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto.


Em julho, o Herald Tribune declarou em uma reportagem que o escândalo ‘decretava a morte do lulismo’ e reduzia a ‘aura’ do presidente Lula. Na sua opinião, quais serão as próximas etapas da crise? O lulismo está com os dias contados?


L.M.C. – Não creio. A imagem do presidente sofreu abalos consideráveis, e talvez mais sérios do que ele próprio imagine, mas, nas condições de hoje, até pelo apoio de expressiva parcela do eleitorado, não está colocado este projeto político tenha chegado ao esgotamento. Se as lições da crise forem aproveitadas com radicalidade – e parece que não estão sendo – ainda há muito água para passar embaixo da ponte. Se Já vi esse filme contribuir um mínimo que seja para a necessária radicalidade dessa autocrítica, já terá cumprido seu papel.


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Apresentação


Luiz Maklouf Carvalho


Ao longo de trinta anos de jornalismo, fiz algumas centenas de reportagens, para diversos jornais e revistas da imprensa brasileira. [Entre 1974 e 1983 atuei em Belém, Pará. Fui revisor de O Liberal, repórter de A Província do Pará e de O Estado do Pará, editor do jornal Resistência, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, e correspondente do jornal Movimento. Em São Paulo, capital, entre 1983 e 2005, fui redator do jornal Cidade de Santos, repórter das revistas Brasil Extra, Leia Livros e Guia Rural, repórter do Jornal do Brasil no Rio de Janeiro e, na sucursal de São Paulo, do Jornal da Tarde, de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo. Como free-lancer, trabalhei para as revistas Senhor, IstoÉ, Marie Claire, Playboy, Goodyear, Veja São Paulo, Globo Rural, Retratos do Brasil (enciclopédia)] A pauta Lula e/ou PT corresponde a uma pequena parte.


Algumas dessas matérias tiveram repercussão mais ampla: a que revelou a existência de Lurian, filha de Lula, para o Jornal do Brasil, em maio de 1989; a do empréstimo que cinco deputados federais do PT tomaram do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus e esqueceram de pagar, para os jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde, em maio de 1993; a do chamado ‘Caso CPEM’, a entrevista com o economista Paulo de Tarso Venceslau, para o Jornal da Tarde, em maio de 1997; e, para a Folha de S. Paulo, em agosto de 1998, a matéria que mostrava não ser verdadeira parte da explicação do então candidato à presidência da República para a compra do apartamento em que mora, em São Bernardo do Campo.


Também provocou barulho, em outubro de 1998 – dois meses após a matéria sobre a compra do apartamento e a conseqüente disputa judicial entre a Folha e o PT, no Tribunal Superior Eleitoral –, o veto de Lula à minha participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, algo inédito até então e até aqui, seja no veto, seja no seu acatamento.


Este livro vai tratar dessas reportagens e de outras, com seus bastidores. Em sua maioria, são matérias que pautei, fiz e assinei. Das pautas que foram sugeridas por meus editores, poucas tiveram minha aprovação. Quis registrá-las em livro por acreditar que formam um conjunto expressivo de relatos sobre a história de Lula e do PT, e sobre a história de como Lula e o PT reagiram a alguns desses textos. Rememorá-las pode ajudar o leitor a entender melhor as origens da maior crise da história do Partido dos Trabalhadores e, por extensão, de Lula e de seu governo, ambos gravemente questionados, por amplos setores da sociedade, pelo atropelamento de princípios éticos que consagraram no seu discurso histórico. PT, aqui, significa parte do núcleo dirigente agregado em torno do que hoje se chama ‘Campo Majoritário’. Considerei obrigatório o registro, na íntegra, de todas as contestações formais dos que o fizeram, para que o leitor possa formar sua opinião.


Assim, recorri, algumas vezes, a matérias de outros jornalistas: uma entrevista de Lula, por Rogério Pacheco Jordão, no Jornal da Tarde, e uma entrevista do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, por Fernando Granato, também no JT. Sem elas, o leitor perderia informações sobre o outro lado. Com o mesmo critério, vali-me de textos publicados pela Folha de S.Paulo, quando de lá eu já saíra, sobre a já citada questão do apartamento de cobertura em que o presidente Lula reside, em São Bernardo do Campo. A direção do PT foi ao Tribunal Superior Eleitoral contra a Folha e perdeu por 4 a 3.


Perdeu também, ou pelo menos não ganhou, as ações contra O Estado de S.Paulo e o Jornal da Tarde, motivadas pela entrevista de Paulo de Tarso Venceslau, então um qualificado quadro do PT, expulso no início de 1998. Esclareço que em nenhuma dessas ações, a rigor, fui arrolado como réu. Significa dizer que o PT e nenhum de seus integrantes jamais me processaram. A única ação que tramita, e na qual sou um dos réus, deu entrada na Justiça em agosto de 2005 e ainda não foi julgada no mérito. É do advogado e compadre de Lula, Roberto Teixeira, descontente com matérias recentemente publicadas em O Estado de S.Paulo. No âmbito da ação, ele pediu à Justiça a concessão de uma liminar que proibisse o Estado de veicular que é compadre do presidente da República, embora o seja. A Justiça não concedeu a liminar. O mérito, como já disse, ainda não foi julgado.


O que se segue é, principalmente, a transcrição literal dos textos que escolhi. O objetivo é documental, e não biográfico. O mais é costura que conta bastidores e estabelece nexos entre as matérias. Fiz poucas alterações nos originais, todas elas de forma. O conjunto das reportagens que guardei, e que estimo seja praticamente tudo, soma 99 textos, sem contar os de apoio, parte deles aqui transcritos. Em capítulo anexo está a relação de todos eles, com veículos e as datas de publicação. Também relacionei as manifestações contrárias (37, contando as respostas que dei) e as matérias ou os textos de outros jornalistas e advogados (18).


No texto que faz a ligação, esforcei-me para evitar o tom de advogado de defesa das matérias assinadas, preferindo deixar que elas falem por si. Não vejo que constituam momentos jornalísticos fora do comum, mas estimo que expressem esforço de apuração, apreço à ética e texto inteligível. Algumas vezes incluí textos que não foram publicados pelos veículos para os quais foram escritos. O motivo, em todos os casos, tem a ver com questões jornalísticas específicas, e não com veto, censura ou coisa que o valha.


Agradeço às direções das redações dos jornais para os quais trabalhei, e aos jornalistas que tiveram participação no processo de edição das matérias. Não os cito aqui para não cometer injustiças. Nenhum deles tem responsabilidades no que assinei ou no que aqui vai. Agradeço também aos advogados de O Estado de S.Paulo, Jornal da Tarde e Folha de S. Paulo, pela competência e diligência com que se houveram na área em que atuam. Por fim, meus agradecimentos especiais ao editor Luiz Fernando Emediato e à equipe de sua Geração Editorial.