Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rumo a uma nova estação editorial

Começar uma editora com um livro que conta a genealogia da Revolução Russa não parece boa estratégia editorial para conquistar leitores. No entanto, foi com Rumo à Estação Finlândia, do americano Edmund Wilson, que o paulistano Luiz Schwarcz, de 55 anos, inaugurou há um quarto de século, e com surpreendente êxito, o catálogo da Companhia das Letras. Para comemorar a data, a casa lança os quatro primeiros volumes da Coleção Nobel, ao todo 12 livros com sofisticado projeto gráfico de autores premiados. Por enquanto, Toni Morrison, J.M. Coetzee, Kenzaburo Oe e Eugenio Montale. Em outubro, a nova edição de O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago, que se tornaria um grande amigo do editor brasileiro.

Para falar dos 25 anos da editora e da atual situação do mercado editorial, Schwarcz recebeu em sua casa quatro jornalistas do Estado de S.Paulo – o editor do “Sabático”, Rinaldo Gama, o editor do “Caderno 2”, Ubiratan Brasil, e os repórteres Antonio Gonçalves Filho e Raquel Cozer. Foram mais de três horas de uma conversa franca, da qual emergiu a impiedosa autocrítica do editor ao autor de livros elogiados pelos críticos, como é o seu caso, mas vistos com reservas pelo próprio. De origem judaica, Schwarcz justifica afastar-se da prática literária ao dizer que seus textos estão muito vinculados ao culto da história familiar, esgotada em quatro livros já publicados.

Schwarcz assume ainda que não teve a "generosidade" de formar editores, como fez Jorge Zahar (1920-1998), amigo que orientou sua carreira quando decidiu se demitir da Brasiliense. Formado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas, conta que vendeu o próprio apartamento para montar a editora, em 1986. No primeiro ano, lançou quatro títulos por mês. Hoje são, em média, 20. E a editora não dá sinais de exaustão.

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Quantos títulos a Companhia publicou?

Luiz Schwarcz– Cerca de 3.000, mas talvez isso seja menos importante que a permanência de títulos no catálogo. Há um aspecto que diferencia a Companhia das Letras, possivelmente não só no País: o índice de títulos vivos no catálogo. Hoje, quanto mais passa o tempo, mais as editoras mantêm número menor de títulos vivos. O título simplesmente morre quando fracassa. Só cerca de 20% dos nossos títulos foram cancelados.

Quando fundou a Companhia, você pensou em seguir algum modelo?

L. S. – O modelo talvez tenha surgido no lugar em que eu trabalhava, a Brasiliense. Tinha ido para lá como estagiário, pouco antes de terminar a FGV, em 1978. A Brasiliense tinha saído de uma concordata e eu fiquei no almoxarifado, organizando. Caio Graco (filho de Caio Prado Jr., fundador da editora) foi aos poucos me passando a área editorial. Sugeri que fizéssemos uma coletânea de contos do Lima Barreto. Eu não era uma pessoa de letras, mas era atirado. Comecei a ler os contos e reencontrei um que conhecia desde os 12 anos por causa de um professor – ele leu e de repente fechou o livro sem dar o nome do autor, dizendo que continuaria no dia seguinte; e eu não consegui fazer nada até ele terminar, na outra aula. Era “A Nova Califórnia”, do Lima Barreto. Nunca mais ouvi falar dessa história e achei-a ao fazer a coletânea. Esse foi o primeiro livro que, de fato, editei.

Como você via, na época, outras editoras, como Nova Fronteira, Record…?

L. S. – Nova Fronteira, Record e Zahar tiveram influência no modelo da Companhia. A Nova Fronteira estava no apogeu, reeditando clássicos, Virgílio, Thomas Mann. Ela tinha o Victor Burton como diretor artístico; as editoras começavam a se preocupar com o visual dos livros. Você olhava para um livro e identificava imediatamente o visual da Nova Fronteira. Isso foi um exemplo incrível. A Record era uma editora que ousava mercadologicamente. E me aproximei da Zahar em 1983. Foi paixão mútua, Jorge Zahar virou um pai para mim. Depois que saí da Brasiliense, principalmente, não houve um dia em que não tenha falado com ele. Já era um modelo antes de eu virar editor.

Você não citou a José Olympio, uma editora de grandes autores brasileiros.

L. S. – Não citei por questão de honestidade. Muito garoto, comecei a me interessar por literatura, lia Hesse, Cortázar, Borges. No momento em que passei a conhecer o mercado, a José Olympio não vivia momento de esplendor. A Civilização Brasileira, sim. Enfim, não acho que tenha nada de original na Companhia das Letras. Ela pegou o que os outros faziam e juntou num modelo só.

O primeiro título da Companhia foi Rumo à Estação Finlândia. Por que optou já de início por um livro que outras casas recusariam?

L. S. – Quem me apresentou o livro do Edmund Wilson foi (o cientista político) Paulo Sérgio Pinheiro. Levei a sugestão ao Caio Graco, mas ele achou o livro muito grande, falou que não dava. E nem examinou. Foi uma daquelas vezes em que você sai da sala do chefe chateado, querendo bater a porta. Guardei o livro numa gaveta. Quando resolvi abrir a Companhia, falei: "Faço questão de que esse livro saia no primeiro mês".

A Companhia surge na fase da redemocratização do País. Títulos estavam represados?

L. S. – Houve uma conjunção de astros. Saímos no ano do Plano Cruzado, um boom econômico. A dificuldade era comprar papel e imprimir. No início, não havia livro que vendesse menos de 2.500 cópias, mesmo poesia. Hoje, com o número de títulos no mercado, com a concorrência, é possível publicar um autor excepcional e vender só 600 exemplares.

Mas na época havia editoras que lançavam poesia sem o sucesso da Companhia, como o Massao Ono, que era um ótimo editor.

L. S. – Atribuo o sucesso um pouco à escolha dos poetas. Alguns são mais difíceis: Wallace Stevens, Gerard Manley Hopkins. Mas William Carlos Williams, Elizabeth Bishop e Auden não são. A editora sempre pretendeu um patamar alto, mas se preocupou em usar a literatura a favor do leitor. Também buscamos qualidade nas traduções. O José Paulo Paes (poeta, crítico e ensaísta) foi tradutor de muitas obras. Além disso, fazíamos um acabamento bonito, trabalho de marketing, enfim, era uma editora mais moderna que a do Massao Ono. Isso era uma novidade: você colocava a poesia no contexto de um mercado ávido por qualidade.

Quando você saiu da Brasiliense, houve uma conversa com o Caio Graco para uma participação sua na distribuidora dele?

L. S. – Na verdade, a relação foi se degradando. De certa forma, eu estava errado em muita coisa, imaginando que a Brasiliense fosse minha. As relações foram piorando, a Lili (Lilia, antropóloga e mulher de Luiz Schwarcz) teve um problema de saúde, foi hospitalizada – o nascimento do nosso filho Pedro foi de altíssimo risco. Saí do trabalho para ficar com ela, me afastei 15 dias. Quando voltei, o Caio queria que eu ficasse mais na área administrativa. Resolvi esperar, pois Lili estava fazendo mestrado. Mas no dia seguinte à defesa da tese dela, pedi demissão. Caio chegou a propor participação na distribuidora, falou que eu poderia virar sócio.

Nessa conversa você já disse que sairia para montar uma coisa sua?

L. S. – Eu não sabia que ia montar. Tinha essa possibilidade. Fernando Moreira Salles não era mais dono da IstoÉ e pensava numa editora. Passei meses planejando uma empresa que seria minha, do Fernando e do (Antonio) Francheschi (ex-diretor do IMS). Quando as coisas foram piorando na Brasiliense, eles não estavam muito à vontade comigo. Jorge Zahar, então, disse: "Olha, queria que você viesse trabalhar aqui". Cheguei a pensar, mas achei que seria um projeto de outra dimensão. Jorge era conservador, cauteloso, e eu estava com aquele pique, aquela adrenalina da Brasiliense. Aí resolvi fazer a editora. Depois que começou, e deu certo, me tornei mais amigo do Fernando.

A família Salles entrou de sócia quando?

L. S. – Uns dois anos depois, em 1988. Eles compraram 33%, participação que não mudou muito até hoje. Permaneci um pouco mais proprietário da Companhia naquele momento, mas depois fui cedendo participação para pessoas que estão agora dentro da editora. O Sérgio (Windholz) tem 9%, os Moreira Salles cederam um pouco, a Lili e eu também. Hoje há ainda a Maria Emilia (Bender) e a Elisa (Braga) como sócias.

Como foi a escolha de títulos para marcar a identidade da Companhia nesse começo?

L. S. – Havia, desde o início, a ideia de ter linha editorial. Tudo estaria ligado pela literatura. É claro que sempre imaginei escritores brasileiros como carro-chefe. Como (a filósofa) Marilena Chauí, com quem eu tinha desenvolvido relacionamento próximo na Brasiliense. Ela entregaria o livro sobre o Spinoza para abrir a Companhia e atrasou muitos anos. Eu não achava que os livros de ensaios seriam grande sucesso. Mas, com o êxito do Rumo à Estação Finlândia, comecei a me movimentar para essa área.

Rubem Fonseca foi o autor brasileiro que você cobiçava desde o início…

L. S. – Achava que um grande autor iria me ajudar. O Moacyr Scliar, se não me engano, veio antes, com A Orelha de Van Gogh. O Scliar adotou a Companhia do berço.

Qual terá sido o grande erro de avaliação na história da editora?

L. S. – Harry Potter. Como tínhamos uma linha infanto-juvenil, tive acesso primeiro ao livro. Não quero tirar o mérito do outro editor, mas eu já era bem amigo da Liz Calder (editora inglesa que descobriu J.K. Rowling) na época. Ou seja, tive a informação do sucesso do Harry Potter muito antes de virar fenômeno. O livro veio para a Companhia quando a Lili estava fazendo a livre-docência e terminando As Barbas do Imperador. Ela não estava analisando nada. A pessoa que leu demorou a dar parecer. Deu tempo de eu ir a Londres, voltar e falar: "Está em todas as vitrines". Era um sucesso, não estrondoso, mas um sucesso. O parecer avaliou o livro como mediano. Dizia que não atingiria o público brasileiro. E nós recusamos. Quando começou a pegar lá, escrevemos ao agente, mas já estava vendido.

Falando de outro caso de best-seller, o Paulo Coelho, que passou por várias editoras brasileiras. Você publicaria Paulo Coelho?

L. S. – Uma pergunta complicada, essa… Eu acho que, se a Companhia tivesse um outro selo, já teria publicado Paulo Coelho. Mas no selo da Companhia achei que não faríamos um bom trabalho para Paulo Coelho.

Você gosta de reedições, como mostram a parceria com a Penguin e as coleções de escritores nacionais como Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Erico Verissimo. Em outro momento, a Companhia teve autores em franca atividade, como Carlos Heitor Cony e Rubem Fonseca. Houve mudança de perfil?

L. S. – Não. Quer dizer, aumentou o volume de livros clássicos. Dois dos autores citados saíram da Companhia, o Cony e o Rubem. Mas a importância de Milton Hatoum, Bernardo Carvalho, Chico Buarque, Daniel Galera, Lourenço Mutarelli e outros que estamos publicando é equivalente à de Rubem. Por exemplo, um livro do Milton Hatoum, como Dois Irmãos, já vendeu 70 mil exemplares. Esses livros são comprados pelo governo, são adotados no vestibular.

Sendo próximo de autores, como é para você quando eles deixam a Companhia?

L. S. – É doído, porque a minha relação é muito pessoal. Não com todos, pelo tamanho que a Companhia tem hoje. No caso do Cony, não sei a razão pela qual ele saiu até hoje. Ele nunca me disse. Tentei que ele explicasse, fui procurá-lo e não tive a explicação.

Mas você perguntou a ele diretamente?

L. S. – Marquei um encontro para Cony me dizer o que aconteceu e ele não apareceu. Viajei ao Rio e fui recebido pela mulher dele. Então, devo ter feito alguma coisa de errado. O Rubem também foi uma coisa muito doída. Não posso dizer o que foi porque implica entrar em questões que não são só minhas, mas acho que agi corretamente. Acho que ele concorda, que não tem mágoa. Não foi questão financeira. Tentei corrigir uma coisa que se desgovernou e não consegui.

Dizia-se que a saída dele estaria ligada a um livro que a Companhia iria publicar do Roberto Bolaño sobre literatura nazista, em que o chileno inclui Rubem Fonseca.

L. S. – Se eu tivesse publicado La Literatura Nazi en América, essa especulação poderia fazer sentido. Porque é um livro em que o Rubem é personagem. Não publiquei, então não tem fundamento. Não aceito pressão política, de fora. Tenho meus critérios pessoais. A editora não está a serviço das minhas ideias nem de qualquer ideia política. Publico livros que enriqueçam o debate cultural.

Hoje isso se choca com a ideia que você tinha de só publicar o que gostasse?

L. S. – Digo gostar no sentido de reconhecer a qualidade. Gosto do Edward Said, e até mais concordo com ele do que discordo, mas poderia ter sofrido pressão familiar, por exemplo, pois sou de família judia, meu pai era sobrevivente da guerra, não necessariamente um judeu de cabeça aberta para a contestação do Estado de Israel. Sobre Céline, acho que há um statement, de certa maneira, contra o julgamento de suas ideias políticas. Eu faço essa separação. Acho que a obra dele enriquece quem lê. Não seria amigo dele, não votaria nele nem para vereador, nem para síndico do meu prédio, mas não é isso o que está em questão. A editora tem livros que vão da direita à esquerda.

Quem hoje lê um livro popular poderá ler alta literatura amanhã?

L. S. – Com certeza. Isso aprendi na Brasiliense. Meu conflito com o Caio era que eu queria continuar fiel ao leitor que tinha envelhecido, começado com a coleção Primeiros Passos, lido a Circo de Letras e chegado a Brecht. Caio queria atrair novos leitores pela Primeiros Passos. Eu queria envelhecer, o Caio queria rejuvenescer com os leitores.

Existe uma lacuna que você não conseguiu, até este momento, suprir?

L. S. – Acho que não me abri para o contato com uma nova geração de editores fora da Companhia. Não tive o papel de formação que Jorge Zahar e Caio tiveram. Não desempenhei esse papel, não tive essa generosidade. E agora fiquei um cara mais fechado a essa aproximação; antes tinha mais vida social.

No que ser editor interferiu na sua escrita?

L. S. – Só pude me transformar em escritor pela experiência de leitor que a vida de editor me deu. Não pensava em escrever. Comecei motivado por uma briga familiar, quis escrever sobre como via meus pais na infância. Fiz uma viagem à Hungria e tentei escrever dois livros, por questões emotivas. Na Hungria, vi o prédio onde meu pai morou. Chorei muito. Demorar a conhecer a história do meu pai virou assunto do Minha Vida de Goleiro. A outra ideia foi motivada por um momento de depressão com o mercado. Sou, ou fui, suscetível a depressões, e houve um tempo em que fiquei decepcionado. Achei que escreveria um romance sobre um editor que inventa um livro e leva a Frankfurt, uma paródia, mas acho que Minha Vida de Goleiro é meu melhor livro.

Chegou a submeter seus originais a editores ou agentes estrangeiros amigos seus?

L. S. – O infantil eu traduzi para o inglês, para que as irmãs do meu pai, em Israel e na Austrália, pudessem ler. Daí mostrei para (a agente literária) Maria Campbell e Liz Calder. Elas acharam que haveria interesse da Bloomsbury. Mas isso não aconteceu, a editora de infantil deles achou que não teria público. Ninguém quis. Os outros, Alberto Manguel e Tomás (Eloy Martinez) insistiram que mereciam ser publicados. O Alberto fez um parecer para a Actes Sud, saiu por lá. Falei com minha agente: "Não faça nada em cima do meu nome". A Feltrinelli, segundo o Carlo Feltrinelli, quis publicar sem saber que era meu. Mas minha literatura não interessou muito no exterior.

O que o levou a escrever?

L. S. – Nunca imaginei que teria muitos leitores e não posso dizer que a experiência de escritor seja fácil. É difícil. Depois do Linguagem de Sinais, creio que não tenho mais muito o que escrever. Não acho que possa produzir algo bom o suficiente para voltar à ficção.

E memórias?

L. S. – Muita gente tem perguntado, por causa dos meus posts para o blog da Companhia. Faço com prazer, não sofro como com literatura. Mas está cedo para um livro de memórias. Se esse material do blog servir no futuro… Acho que não sou mau escritor de crônicas. Mas sou um ficcionista de repertório pequeno, temática familiar, judaica, obsessão com pai, com perda, e sou crítico a essa falta de repertório. Não olho para meus livros de ficção com grande admiração.

Editoras brasileiras cresceram comprando outras ou sendo incorporadas por grupos estrangeiros. Pode vir a acontecer o mesmo com a Companhia das Letras?

L. S. – Se um dia achar que vale a pena adquirir outra editora, e tenho estrutura para isso, posso ir nessa direção. Ou se achar que devo me associar a um parceiro internacional gerando mais qualidade no trabalho, sem perda de prazer, faço também. Mas há outros desafios. A Companhia cresce na migração de escritores, aquisição de espólios, descoberta de autores, que é o ponto fraco da editora, não fazemos isso tão bem. E há o paradoxo do quanto podemos crescer em número de autores com a estrutura que temos.

Como é a estrutura hoje?

L. S. – Temos 110, 115 funcionários, devemos publicar 280 títulos por ano. É uma quantidade enorme, mas não consigo diminuir, não consigo me fechar à possibilidade de grandes escritores. A editora tem que passar por uma reestruturação para dar conta desse crescimento. Se continuarmos crescendo em catálogo, isso terá de se direcionar a obras de permanência. Não dá para crescer mais com obras de mercado, até porque o mercado está muito competitivo. A editora está mudando para se institucionalizar, deixar de ser tão familiar. A Companhia não controla orçamento, trabalhou até há pouco sem meta. É uma vida gostosa, mas, quando você cresce, não consegue manter.

Você falou sobre mercado competitivo. As editoras não andam publicando em excesso?

L. S. – Com certeza. Há uma situação concorrencial que não diz respeito à demanda. A demanda por títulos que os editores têm não corresponde à demanda por livros que as pessoas desejam. Os editores disputam mais títulos do que os leitores disputam livros. Há editoras que hoje não conseguem entrar em redes de livrarias com um exemplar sequer de algum título. Há uma superprodução. De livros, escritores, editores, um número de editoras grande surgindo.

Isso leva à questão da destruição de livros. O que vocês fazem com sobras?

L. S. – Já quis doar a instituições governamentais, mas é impossível. Destruir livros, transformar em aparas, isso é atividade dos editores desde sempre. Não é aquela coisa da fogueira. Às vezes, você não tem como escoar, o custo de estocagem é alto. No exterior, sempre vai para destruição. E lá é chocante, mesmo um livro de alta qualidade que não venda é destruído. Aqui isso é menos conhecido. Não sei quantas vezes a Companhia fez isso; se fez, foi em poucas ocasiões. E não há no Brasil a livraria de liquidação, como nos Estados Unidos.

Como a Companhia encara a concorrência de casas novas, com bons lançamentos?

L. S. – A concorrência é maior e mais qualificada. Quando a Companhia surgiu, as editoras tinham linhas parecidas com a nossa, mas não esperavam que livros de qualidade pudessem vender. Hoje a produção de bons livros pelas concorrentes é algo significativo. Também há o fenômeno de que se escreve mais, se publica mais, há mais acesso ao que se produz em termos de literatura no mundo inteiro… E há quem faça coisas melhores que a Companhia. É preciso aceitar isso como parte do jogo.

Lançar autores novos seria uma delas?

L. S. – Numa ocasião, o (crítico) Manuel da Costa Pinto escreveu que a Companhia das Letras não era muito voltada a descobrir talentos. Fiquei bravíssimo, falei que ele estava sendo injusto, citei Ana Miranda, Patricia Melo, Milton Hatoum, Bernardo Carvalho. Ele estava certo, talvez. Hoje tenho feito uma crítica interna. Há escritores que vêm para a Companhia depois de um livro independente, há outros surgindo, mas talvez não na proporção que deveríamos. Entendendo que o trabalho na internet, em blogs, é uma forma de encontrar os novos, como a Vanessa Barbara. Então, de repente, no caminho você fica desatento, ou perde a manha para determinadas coisas.

A internet fez com que feiras do livro, como a de Frankfurt, onde se negociam direitos autorais, perdessem importância?

L. S. – Feiras perderam importância, mas ainda são uma praga. É novamente a situação de encarar um mercado concorrencial, uma histeria para tentar pegar um sucesso. Você acaba tomando decisões erradas. Você ouve um editor falando, e outro, mais outro. Daí acha que o livro deve ser bom. Chega no hotel à noite, à 1 h da madrugada, lê 15 páginas, e o resto você imagina. Aí, às 7 h, você está desesperado querendo comprar o título. Isso não acontece mais comigo.

Você nunca teve cargos de direção em associações de editores…

L. S. – É um problema de temperamento meu…

…mas está na Osesp.

L. S. – Estava, acabou agora o mandato. O conselho me pediu que ficasse, então virei membro do conselho consultivo. Não saí totalmente, mas não sou mais membro do conselho. Terei atuação menor.

Com isso, a música clássica deixou de ser só uma coisa sua para virar uma atividade.

L. S. – Foi uma contingência que teve um lado muito difícil. Eu, como os outros membros do conselho, fui levado pelo maestro John Neschling, que era meu amigo. Houve aquele confronto (a demissão de Neschling), achei que não podia sair naquela ocasião, algo precisava ser feito para a Osesp, com um custo altíssimo para mim com relação à amizade. Mas não me meti a cuidar de repertório ou da programação, como fui acusado num blog. Simplesmente, fiz a administração de uma situação de crise na área artística, como fizeram outros conselheiros na área institucional. Fui incumbido de procurar um novo maestro. Aprendi muito, foi mais difícil do que editar livro. Agora, eu me meto nessas coisas, como me meti na Flip. Faz parte da minha personalidade.