A fama não escolhe lugar para conduzir ao pódio quem dele ficou próximo, insistentemente, a vida toda e com a devida competência. Assim o fez Mario Vargas Llosa até conseguir um lugar ao sol. Não sossegou da incansável luta, inclusive batalhando no jornalismo. Por acreditar na potencialidade das ideias, na força das posições políticas e literárias, sentiu-se recompensado. Transportaram-no ao lugar sonhado por qualquer mortal do seu meio e estirpe, ao consagrá-lo numa celebridade global. Tornou-se reverenciado e reconhecido pelos dotes intelectuais.
O caminho do sucesso não é fácil. Só a vontade e a entrega total para atingir os objetivos são capazes de realizar a façanha. Ganhar o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 foi o máximo. Que outra recompensa seria maior para quem sonhou em mudar o mundo pela força da habilidade em redigir? E se não conseguiu o que é difícil para qualquer ser humano, com raríssimas exceções, pelo menos tentou. Não se pode negar o desprendimento e o crédito concedido ao ideário.
O escritor Vargas Llosa, nascido em 1936, se enquadra no figurino daqueles que souberam, ainda, adolescentes, onde queria chegar: no Olimpo das letras; no fausto de uma linguagem que impressiona pelas frases construídas com desvelo e sabedoria; no círculo da elite intelectual do pequeno-grande mundo, no qual reinam figuras dotadas de competência e carisma. O filho de Arequipa (Peru) é um estilista sofisticado e de ponto preciso na arte de costurar a escrita, tanto faz na crítica, no reconhecimento do valor e da mediocridade alheia, no comentário político, no descrever jornadas científicas na Amazônia ou capaz de se interessar pela cultura brasileira que inclui a obra Os sertões, de Euclides da Cunha, sobre a qual se debruçou durante muitos anos, desbravando o interior da Bahia, para escrever A guerra do fim do mundo, transformado em filme.
‘Jornalismo e marginalidade se confundiam’
Cedo se dedicou à leitura cuidadosa e interpretada. Inquieto, e precocemente, alterava, por deleite, as histórias que lia. Tinha alguma coisa a acrescentar. Selecionou escritores famosos para com eles aprender. Assim o fez com Victor Hugo, um poeta primoroso, romancista dos melhores de todos os tempos e um amante da liberdade de expressão; Com Júlio Verne viveu as aventuras com o capitão Nemo na viagem de 20.000 léguas abaixo do nível do mar; com Alexandra Dumas participou dos lances emocionantes dos espadachins D´Artagan, Athos, Portos e Aramis em defesa de uma causa com as armas afiadas e golpes certeiros. Não sei se chegou a imaginar ser um desses personagens, mas a vida lhe ensinou um pouco de cada um daqueles lances, como um escritor de narrativa sob medida e temática panorâmica, principalmente, entregue a utopia.
Outros escritores, uns próximos e outros distantes do seu tempo, lhe renderam também bom aprendizado a partir do tempo que lhes dedicou: Flaubert, sua paixão, Faulkner, Cervantes, Dickens, Balzac, Sartre, Malraux, Camus, Orwell etc. Produto de leitura e inspiração brotando, geralmente calcada na realidade vivenciada, escreveu os livros, dentre outros, Peixe na água, A festa do bode, A cidade e os cachorros, Conversas na catedral, Verdades e mentiras, Travessuras da menina má e, no apagar das luzes do ano passado, Sabres e utopias, no qual revela a vocação literária e aversão a ditaduras. Escreveu mais, principalmente, para jornais.
Vargas Llosa foi jornalista aos 15 anos de idade. Trabalhou no jornal A crônica, sendo responsável pelas notícias policiais. ‘Naquele tempo as fronteiras entre jornalismo e a marginalidade – ou, pelo menos, a boemia mais mal falada – se confundiam um pouco’, diz-nos. O jornal transmitiu-lhe experiências, para mais bem conhecer a vida. Trabalhou, ainda, em Paris, na Rádio Panamericana.
Os intelectuais que acreditam em utopias
Sobre o seu último livro… O sabre é uma arma branca de lâmina reta ou curva. Afiada, com a perfeição dos samurais, provoca estragos. E que estragos! Se o sabre é uma arma perigosa, a utopia não passa de um sonho num mundo igualitário.
Quem pensou a propósito foi o chanceler Thomas More, ligado à religião católica. Pagou caro por insurgir-se contra o rei Henrique VIII, que desejava pular de uma cama para outra, aliás, casar-se fora da liturgia da Igreja. Influente, culto e consciente dos deveres, More respondeu ao rei com um sonoro ‘Não’. Literalmente foi preso e perdeu a cabeça pelo fio de uma espada. A vida e o sacrifício transformaram-no num santo e padroeiro dos políticos. Senhores políticos, menos promessa e mais ação.
Em se tratando de utopia e política não se pode esquecer a mente irrequieta e venenosa de Voltaire, um gênio gozador e irônico que imaginou lugares e pessoas em peças de um quebra-cabeça ainda hoje indesvendáveis. Ambos souberam usar a utopia com experiência e coragem, transformado-a em histórias, à admiração de muitas gerações. Há uma diferença: um falava sério e o outro queria se divertir. Quem não se lembra dos personagens de Voltaire em Candide – Cunegundes, Pangloss e da sua Vestefália?
Ao lado dessa dupla famosa, bem que se poderia incluir na lista uma nova personalidade, que sabe usar com perfeição a espada para defender ideias, sem medo de intimidações e menos preocupado com as ameaças à vida. Seu nome? Mario Vargas Llosa, que se transformou de mestre das palavras num famoso espadachim. Jornalista, ensaísta, romancista, crítico literário, autor de teatro, como Albert Camus, detentor de diversos prêmios e autor de vários livros, com sucesso absoluto. No presente milênio, são raros os intelectuais que, ainda especulam ou acreditam em utopias.
Muito a ser lido e pensado
Para tanto, soube usar não um, sim vários sabres, para se bater com respeitáveis adversários. Não esconde a habilidade no usar a arma transformada em palavras. Procura desafiar e desferi-la, impiedosamente contra os inimigos que transgridem as ideias que defende, como democrata liberal e intransigente defensor da liberdade. Autor do livro Sabres e utopias, lançado recentemente, ele dispõe de um ventilador cultural de alta potência para espalhar denúncias e desferir golpes. Llosa acredita num mundo melhor, sem os ditadores e candidatos ao posto localizados, infelizmente, na América Latina, Caribe, Mundo Árabe e a Ásia. Hosni Mubarak (Egito) virou múmia, outros ditadores não perdem por esperar. O escritor não poupou críticas aos governantes de países democráticos que se aliam a essa casta autocrática, com elogios absurdos e destoantes da melhor tradição de uma diplomacia comprometida com uma nação livre.
A obra é o reflexo do percurso intelectual, cujos textos refletem o seu desempenho de escritor incorporado na esfera literária e lutas políticas. Faz uma abordagem histórica da política na América Latina, ao explorar movimentos dessa natureza, nos ensaios, romances e reportagens para jornais da grande imprensa internacional. Basta avaliar o conjunto de textos da obra, divididos por assunto: A peste do autoritarismo, Auge e declínio das revoluções: obstáculos do desenvolvimento, nacionalismo, populismo, indigenismo e população, Em defesa da democracia e do liberalismo, Os benefícios do irreal: arte e literatura americanas.
Indignado com a adesão de líderes de países democráticos a ditadores, declarou: ‘Curioso e terrível paradoxo: é no interior de um dos regimes mais desumanos e cruéis [Cuba] já conhecido pelo continente que se encontram hoje os mais dignos e respectivos políticos da América Latina.’ Llosa um dia acreditou nas palavras de Fidel e até defendeu ideias socialistas. Depois, a decepção. No livro, fala de cultura e trata de uma questão polêmica: a absorção do que vem de fora deve ser aceita pelos países menos desenvolvidos. É discutível. Há muito para ser lido e pensado na presente obra.
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Professor, jornalista e escritor