Dependente das compras do Estado, o mercado editorial sentiu os efeitos das turbulências econômicas enfrentadas pelo país em 2014. É o que mostra a pesquisa “Produção e vendas do setor editorial brasileiro”, encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), divulgada ontem no Rio. Descontada a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), houve retração de 5,16% em relação a 2013.
O setor livreiro, que estava estagnado segundo dados anteriores, definitivamente encolheu. É a maior queda desde desde 2004, quando a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe-USP) passou a ser responsável pelos números.
O faturamento total foi de pouco mais de R$ 5,4 bilhões, contra aproximadamente R$ 5,3 bi em 2013. O crescimento de 0,92% não superou a inflação acumulada, calculada em 6,41%. O resultado apresenta um desafio para as editoras, que não veem possibilidade de melhora no cenário em 2015, mesmo com o boom dos livros para colorir.
– Este ano está sendo muito difícil. Talvez os dados de 2015 sejam ainda piores. Há muito tempo o Brasil não vivia uma crise desse porte. Desde 2000, vivemos anos muito positivos, de distribuição de renda e inflação controlada. O mercado editorial precisa ser mais eficiente, encontrar maneiras de contornar essa dependência – explica Marcos Pereira, presidente do SNEL, em entrevista ao GLOBO.
Todos os setores aferidos pela pesquisa (didáticos; religiosos; obras gerais; e técnicos e científicos) tiveram diminuição nos números. As editoras de livros didáticos, cuja quantidade de exemplares vendidos caiu 16,59%, foram as principais prejudicadas. Somente através do Programa Nacional de Livros Didáticos, o governo comprou 31,32% exemplares a menos. Pereira diz que as compras no setor são sazonais:
– De três em três anos, o governo renova os títulos dos livros didáticos. Nos anos seguintes, só faz reposição. Em 2013, aconteceu a renovação. Por conta disso essa disparidade é tão grande.
Concentração de lançamentos
Para driblar a crise, editoras apostaram em diminuir o número de títulos novos editados (em 8,5%), mas aumentar a tiragem média (9,3). Isso garantiu produção igual à de 2013. A medida de concentrar os lançamentos é vista como uma tentativa de fazer apostas mais certeiras. Em um mercado onde livreiros calculam que 10% das obras dão lucro, 20% se pagam e 70% dão prejuízo, isso é fundamental.
Excluídos os negócios com governos federais, estaduais e municipais, que representaram 22,9% do mercado em 2014, o setor se manteve estagnado, com leve crescimento de 0,86% em faturamento real. Para Luís Antonio Torelli, presidente da CBL, isso significa que editoras que lançam títulos para serem vendidos no varejo não sofreram grandes perdas.
– A diminuição das compras do governo é significativa. É difícil se desvincular disso. Felizmente, os números de vendas de obras gerais (excluídos os didáticos e técnicos) para o mercado mostraram que ainda houve crescimento. Isso é uma boa notícia: sobretudo para estas editoras – relativizou, durante a coletiva de imprensa para divulgar o resultado da pesquisa.
No total, o número de exemplares vendidos caiu 9,23%. A queda foi acentuada pela diminuição nas compras do governo. Ao todo, o Estado adquiriu menos 20,97% em comparação com o ano anterior. Ou seja: em 2014 o setor público deixou de comprar 42 milhões de livros. Ao todo, isso representa menos R$ 235 milhões nos cofres das editoras.
Embora em números menores, as vendas no varejo também caíram 0,81%. Em livrarias ou na internet, o público comprou cerca de dois milhões de obras a menos. Considerando as vendas ao mercado, o preço médio dos livros cresceu 8,22%. Isso significa um aumento real de 1,7% em 2014. No acumulado dos últimos dez anos, no entanto, o preço médio das obras caiu cerca de 40%.
Felipe Lindoso, consultor de políticas públicas para o livro e a leitura, diz que as editoras precisam se reinventar para evitar a dependência estatal:
– As editoras brasileiras esperam o cliente chegar às lojas. Não cultivam o crescimento do mercado. Para usar um termo mais simples: elas não buscam novos leitores. É claro que a crise em geral e as restrições de compra do governo interferem. Mas isso é agravado pela falta de perspectiva de novos mercados. Ou seja: de novos leitores.
José Castilho, secretário-executivo do Programa Nacional do Livro e Leitura (PNLL), do governo federal, enxerga o problema de maneira mais abrangente. Para ele, por questões educacionais, o mercado editorial atinge poucos consumidores brasileiros:
– Apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos. Estamos falando de 75% da população que não têm capacidade de compreender completamente um livro. O desenvolvimento de programas que incentivem a leitura, como o PNLL, é urgente e estratégico para que tenhamos consumidores com potencial para sustentar as editoras.
Ao todo, 71% das editoras cadastradas pelas entidades participaram. A partir daí, o restante dos resultados foi inferido estatisticamente. Desde que a pesquisa foi criada, ela sofre uma série de críticas pelo que é visto como problema de metodologia: entre outras questões, trata-se de uma pesquisa declaratória, a partir dos dados fornecidos pelas próprias empresas, e não os da outra ponta do mercado: o varejo.
O desempenho dos e-books é monitorado pela pesquisa há três anos. Embora tenham tido novo crescimento em termos de faturamento e volume, o segmento tem participação mínima sobre o mercado editorial. Num universo de R$ 5,4 bi, os livros digitais movimentaram cerca de R$ 12 milhões.
As perspectivas para o futuro não são animadoras. Dados divulgados recentemente pelo SNEL e pelo Instituto de Pesquisa Nielsen confirmam que o panorama para 2015 é de crise. No primeiro trimestre, mesmo com um aumento de 3% em volume de exemplares vendidos em livrarias, os números ficaram abaixo da inflação. Com eles, caíram também o preço médio, em 1,3%. Mesmo com o fenômeno dos livros para colorir.
– O painel de vendas feito este ano mostrou que, com evidente influência dos livros para colorir, a gente está conseguindo chegar perto da inflação. Já é alguma coisa – explica o presidente do SNEL, Marcos Pereira.
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Mateus Campos, do Globo