Com o filme Simonal – Ninguém sabe o duro que dei, começou a reabilitação de Wilson Simonal. Não se conclui outra coisa, quando se lêem os artigos publicados em todo o Brasil. Em todos os jornais, os críticos mais parecem uma orquestra afinada para uma só composição, para um só samba de uma nota só. Em toda a mídia se repetem as saudações ao documentário, à sua imparcialidade etc. etc.
Na Folha de S.Paulo, no texto com o título épico ‘Simonal refaz saga do cantor’, entre outras coisas se escreve:
‘Aconteceu no final de 1971. Por suspeitar que estivesse sendo roubado, o cantor teria mandado bater no contador de sua empresa. Só que o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado. Não demora até que os jornais liguem as pontas – não necessariamente cobertos de verdade – e publiquem a manchete: `O cantor Wilson Simonal é informante dos órgãos de segurança do Estado´…
Mais que biografar a ascensão e queda meteóricas de um ídolo – e isso é feito de maneira empolgante –, o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito.’
Preconceitos raciais e sociais
Observem que:
1.
O cantor ‘teria mandado bater no contador’. Teria mandado, em lugar de mandou.2.
‘…o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado’. Por acidente, ele foi parar no Dops.3.
‘…o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito’. Absolvê-lo… Não demora, a família entrará com processo na Anistia.Por falar em anistia, artigo no Jornal do Commercio, do Recife, é mais explícito:
‘A chance de anistia de Simonal – Filme conta história de cantor que morreu com fama de dedo-duro, mas foi mesmo uma vítima da intransigência.’
No UAI, de Minas, a reabilitação continua:
‘Nos dias de hoje, a maioria das pessoas que conhecem o assunto acredita na tese de que Wilson Simonal foi derrubado por uma rede de boatos, somada a preconceitos raciais e sociais que levavam, em muitos grupos, a um estado de desconforto frente ao sucesso do cantor. Simonal pende nitidamente para este lado.’
Condenado ao ostracismo
No Jornal do Brasil, do Rio, o mesmo samba:
‘Com um design e produção impecáveis, o trio de diretores Cláudio Manuel, Micael Langer e Calvito Leal tenta também trazer à tona a perseguição que o cantor sofreu, após a suspeita de que ele estava a serviço do Dops, na época da ditadura. Recheado de entrevistas, o filme tem o mérito de ser, em grande parte, imparcial. Mas faltam depoimentos e nomes de artistas que efetivamente promoveram o boicote… Numa montagem esperta, o papel de bicho-papão ficou só com os jornalistas do Pasquim que participam do filme: Sérgio Cabral, Ziraldo e Jaguar. Este último, em destaque, é colocado pela edição nos momentos antagônicos, em contraponto a considerações positivas sobre o cantor. Seria alguma forma de revanche? O público é quem decide.’
Em O Globo, entre outras louvações, transcrevem-se as palavras de Nelson Motta, ‘Simonal virou um tabu, um leproso, um pária…’ Mas o modo mais parcial vem do Guia da Semana, de São Paulo, em editorial (!):
‘No início da década de 70, Simonal percebeu que estava sendo roubado por seu contador. De pavio curto, o cantor contratou um grupo para dar uma surra no traidor. Porém, o episódio envolveu agentes do Dops, e o obscuro fato fez com que se espalhasse a notícia de que o músico era informante do regime militar. Sem provas contra ou a favor do artista, Simonal foi condenado ao ostracismo, morrendo como um desconhecido em 2000.’
Só falta absolver o cabo Anselmo
Parece ter desaparecido no espaço o texto de Mário Magalhães, quando era ombudsman na Folha de S.Paulo, em 30 de março de 2008:
‘A verdade: em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops. Outra testemunha de defesa, um oficial do 1º Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era `colaborador das Forças Armadas e informante do Dops´. Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de `colaborador do Dops´. Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada `a ações subversivas´.’
Pelo andar da carruagem, não demora vão fazer um documentário que absolva o cabo Anselmo. Com a repercussão em uma só nota de toda a imprensa. Como agora, no filme desta semana: Simonal, a reabilitação.
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Jornalista e escritor, Recife, PE